Costuma-se dizer que a capacidade de fazer fogo é uma das principais habilidades que definem os seres humanos, o que permitiu que nossos ancestrais cozinhassem, se aquecessem e, eventualmente, se tornassem a espécie mais dominante do planeta. Recentemente, evidências foram encontradas em toda a Europa sugerindo que os neandertais também eram usuários habilidosos do fogo, mas agora podemos ter que adicionar outra espécie à lista. Pesquisadores descobriram que o Homo naledi, uma espécie extinta de hominídeo que viveu de 200.000 a 300.000 anos atrás, também usava o fogo como ferramenta. |
As escavações estão sendo realizadas em uma complexa rede de cavernas na África do Sul chamada Rising Star, desde 2013. A descoberta foi anunciada em uma palestra dada pelo professor Lee Berger, da Universidade de Witwatersrand, Joanesburgo, no Instituto de Ciência Carnegie, em Washington, em 1º de dezembro. Ainda não foi revisada por pares.
- "Estamos bastante confiantes para formular a hipótese de que esse hominídeo de cérebro pequeno, o Homo naledi, que existiu ao mesmo tempo em que acreditamos que o Homo sapiens compartilhava partes da África, estava usando o fogo para uma variedade de propósitos", disse ele.
Os restos do Homo naledi foram descobertos pela primeira vez em 2013 por Lee e sua equipe a centenas de metros em uma rede claustrofobicamente estreita de passagens conhecida como sistema dinaledi das referidas cavernas perto de Joanesburgo, África do Sul.
Escavações subsequentes desenterraram fósseis de mais de uma dúzia de indivíduos -tanto homens quanto mulheres, jovens e adultos- bem como evidências de práticas funerárias ritualísticas nas quais os restos de certos indivíduos parecem ter sido lavados e deliberadamente colocados em posição.
Então, no início deste ano, depois de entrar nas cavernas pela primeira vez, Lee diz ter notado evidências de fuligem nas superfícies das paredes.
- "Quando olhei para cima e olhei para o teto, comecei a perceber que não era um carbonato de cálcio puro. O teto acima da minha cabeça estava acinzentado acima do fluxo de pedra fresca. Havia áreas enegrecidas na parede. Havia partículas de fuligem em toda a superfície. Todo o teto da câmara onde passamos os últimos sete anos trabalhando está queimado e enegrecido", disse.
Ao mesmo tempo, o co-diretor da expedição, Keneiloe Molopyane, descobriu os restos de uma pequena lareira contendo ossos de antílope queimados flanqueados pelos restos de uma lareira muito maior em uma caverna próxima.
Uma pesquisa mais aprofundada do sistema descobriu várias outras cavernas e passagens com pedaços de madeira queimada e ossos de animais carbonizados.
- "O fogo não é difícil de encontrar. Está em todo lugar dentro deste sistema", disse Lee. - "Em todos os lugares onde há uma conjuntura complexa, eles fazem fogo. Todos os sistemas de cavernas adjacentes às câmaras onde acreditamos que eles estavam eliminando os mortos, faziam fogueiras e cozinhavam animais. E na câmara onde acreditamos que eles estavam eliminando os mortos, eles acendiam o fogo, mas não cozinhavam os animais. Isso é extraordinário."
E pode haver mais por vir. Após a conferência, de forma bastante reprovável a um palentologista de respeito, Lee escreveu ontem no Twitter:
- "Então. Tenho uma confissão terrível e vergonhosa a fazer. O fogo. Não é a grande descoberta sobre a qual venho tuitando. Tem uma maior. Na verdade, existem três maiores que o fogo vindo. Desculpe."
A equipe agora planeja trabalhar na datação por radiocarbono de suas descobertas para firmar a ligação entre as lareiras e os fósseis do Homo naledi.
- "Este é o período mais extraordinário de exploração e descoberta e vai continuar", disse Lee. - "A próxima geração não tem medo de exploração. A tecnologia está abrindo espaços e lugares que nenhum de nós jamais poderia imaginar."
Para não cair no terreno da leviandade, nós não poderíamos deixar de lembrar que Lee Berger já se mostrou ser parlapatão em outras oportunidades com uma queda pelo exibicionismo. Quando em 2015 ele anunciou com estardalhaço a descoberta do naledi, como um provável elo perdido da evolução, muitos cientistas arquearam as sobrancelhas.
A paleontologia é um campo da ciência conhecido pela quantidade de tempo que os especialistas seniores levam para estudar um único esqueleto isoladamente antes de publicar seus resultados em um periódico revisado por pares, mantendo um controle rígido dos fósseis que descobriram. Alguns levam mais de uma década para fazê-lo.
Por outro lado, Berger e seus colegas agiram com extraordinária rapidez, sob o brilho das câmerase holofotes da Nat Geo, usando equipes de jovens pesquisadores para ajudar a publicar seus resultados em um periódico de livre acesso, oferecendo arquivos que podem ser usados por qualquer pessoa com o equipamento básico certo para fazer cópias 3D de crânios e ossos de naledi. Dizer que os antigos caçadores de fósseis desaprovaram seria um eufemismo.
Estimou-se inicialmente a origem do Homo naledi em cerca de 2 milhões de anos por conta da morfologia, mas análises dos restos recém-concluídas em 2017 indicaram que os exemplares estudados teriam vivido há entre 236 mil e 335 mil anos, época que coincide com a que se acredita que o Homo sapiens evoluiu na África subsaariana.
Essa afobação toda para encontrar fósseis supostamente de hominídeos acabou dando motivos naquele ano para que criacionistas dissessem que o objetivo da ciência é humanizar os macacos e "macaquizar" os humanos, um clichê hoje usado ad nauseam para tentar desqualificar o evolucionismo.
Muitos paleontólogos acreditam que a forma como os achados de naledi foram revelados e analisados representa um precedente perigoso, "um circo da mídia" que ameaça dividir a paleontologia em velhas e novas escolas e que pode prejudicar nossas tentativas de entender o caminho da evolução humana.
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