No deserto salpicado de arbustos ao norte de Al-Ula, província de Medina na região de Hejaz, Arábia Saudita, localizados em uma planície, no sopé de um planalto de basalto, afloramentos rochosos e pedras gigantes do tamanho de edifícios, lindamente esculpidos e com frontões e colunas de estilo clássico, emergem das areias como imponentes estruturas divinamente espalhadas. À medida que o sol se põe, as cores empoeiradas se intensificam, revelando marcas e manchas causadas pela chuva, que moldou essas pedras por milênios. |
Outrora um próspero centro de comércio internacional, o sítio arqueológico de Hegra -também conhecido como Madaim Salé- permaneceu praticamente intacto por quase 2.000 anos. Mas em 2021, pela primeira vez, a Arábia Saudita abriu o local para turistas.
Os visitantes logo notarão que as construções escavadas na rocha em Hegra se parecem com seu local irmão mais famoso, Petra, algumas centenas de quilômetros ao norte, na Jordânia. Hegra foi a segunda cidade do reino nabateu, mas Hegra faz muito mais do que simplesmente tocar o segundo violino para Petra: ela pode conter a chave para desvendar os segredos de uma civilização antiga quase esquecida.
Determinada a afastar sua economia do petroduto, a Arábia Saudita está apostando no turismo como uma nova fonte de renda. Atualmente, o petróleo responde por 90% das receitas de exportação do país e representa cerca de 40% de seu PIB. Em 2016, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman anunciou o Saudi Vision 2030, um roteiro para o país nas próximas duas décadas que visa transformá-lo em um centro global de comércio e turismo que conecta África, Ásia e Europa.
A Arábia Saudita lançou vistos de turismo pela primeira vez em setembro de 2019, permitindo que visitantes casuais sem fins comerciais ou religiosos entrem no país. Hegra, com sua arquitetura misteriosa e atraente, é uma escolha óbvia para se destacar ao divulgar a Arábia Saudita para turistas.
Grande parte do apelo de Hegra reside no fato de que é praticamente desconhecida para quem é de fora, apesar de suas semelhanças com Petra, que agora recebe quase um milhão de visitantes por ano e pode ser classificada como um patrimônio mundial em perigo se não for devidamente cuidada, de acordo com a Unesco.
Enquanto Hegra é promovida pela primeira vez a turistas, a história que ainda parece se perder é a do antigo império responsável por sua existência. Os nabateus são indiscutivelmente uma das civilizações mais enigmáticas e intrigantes das quais muitos nunca ouviram falar.
Para um turista que vai a Hegra, é preciso saber mais do que ver as tumbas e as inscrições e depois voltar sem saber quem as produziu e quando. Deve evocar em qualquer bom turista com qualquer tipo de curiosidade intelectual: quem produziu essas tumbas? Quem são as pessoas que criaram Hegra? De onde eles vieram? Quanto tempo eles estiveram aqui? Ter o contexto do Hegra é muito importante.
Os nabateus eram nômades do deserto que se tornaram mestres comerciantes, controlando as rotas comerciais de incenso e especiarias através da Arábia e da Jordânia para o Mediterrâneo, Egito, Síria e Mesopotâmia.
Caravanas puxadas por camelos carregadas de pimenta-do-reino perfumada, raiz de gengibre, açúcar e algodão passavam por Hegra, uma cidade provinciana na fronteira sul do reino. Os nabateus também se tornaram fornecedores de aromáticos, como incenso e mirra, muito apreciados em cerimônias religiosas.
Os nabateus prosperaram do século 4 a.C. até o século 1 d.C., quando o Império Romano em expansão anexou e subsumiu sua enorme faixa de terra, que incluía a atual Jordânia, a península do Sinai no Egito e partes da Arábia Saudita, Israel e Síria. Gradualmente, a identidade nabateia foi totalmente perdida.
Esquecida pelo Ocidente durante séculos, Petra foi "redescoberta" pelo explorador suíço Johann Ludwig Burckhardt em 1812, embora as tribos beduínas locais tenham vivido nas cavernas e túmulos por gerações. Talvez se possa dizer que Petra foi realmente vista pela maioria dos ocidentais pela primeira vez um século e meio depois, graças ao seu papel principal como cenário de "Indiana Jones e a Última Cruzada" em 1989.
O desafio de conhecer os nabateus é que eles deixaram para trás tão pouca história em primeira mão. Com a imensa popularidade de Petra hoje, é difícil imaginar que não saibamos muito sobre seus criadores. A maior parte do que aprendemos sobre os nabateus vem de documentos de forasteiros: os antigos gregos, romanos e egípcios.
- "Não sabemos muito sobre eles porque não temos livros ou fontes escritas por eles que nos digam como viveram, morreram e adoraram seus deuses", disse Laila Nehmé, arqueóloga e codiretora do Projeto Arqueológico Hegra, uma parceria entre os governos francês e saudita que está escavando seções do local. - "Temos algumas fontes que são externas, então pessoas que falam sobre elas. Eles não deixaram grandes textos mitológicos como os que temos para Gilgamesh e a Mesopotâmia. Não temos a mitologia deles."
Tal como Petra, Hegra é uma metrópole transformada em necrópole: a maioria das estruturas remanescentes que hoje se podem ver são túmulos, com grande parte dos vestígios arquitetônicos da cidade à espera de serem escavados ou já perdidos, literalmente, nas areias do tempo. Um dos únicos lugares onde existem as palavras dos nabateus é nas inscrições acima das entradas de várias das tumbas de Hegra.
Por mais obscuros que possam ser para nós agora, os nabateus foram antigos pioneiros em arquitetura e hidráulica, aproveitando o implacável ambiente do deserto em seu benefício. A água da chuva que caía das montanhas escarpadas era coletada para uso posterior em cisternas ao nível do solo. Canos de água naturais foram construídos ao redor dos túmulos para proteger suas fachadas da erosão, o que os manteve bem preservados milhares de anos após sua construção.
Hegra contém 111 túmulos cuidadosamente esculpidos, muito menos do que os mais de 600 na capital nabateia de Petra. Mas as tumbas de Hegra costumam estar em condições muito melhores, permitindo que os visitantes vejam mais de perto a civilização esquecida.
A arquitetura clássica grega e romana claramente influenciou a construção, e muitos túmulos incluem colunas com capitel que sustentam um frontão triangular acima da entrada ou um entablamento de largura do túmulo.
Inscrições intimidadoras, comuns em muitas das tumbas de Hegra, mas raras em Petra, estão gravadas na fachada e alertam sobre multas e punição divina por invasão ou tentativa de ocupar sub-repticiamente a tumba como sua.
- "Que o senhor do mundo amaldiçoe qualquer um que perturbe esta tumba ou a abra", proclama parte da inscrição na Tumba 41. - "... e ainda amaldiçoe qualquer um que mude as inscrições no topo da tumba."
As inscrições, escritas em um precursor do árabe moderno, às vezes são lidas como um juridiquês confuso, mas um número significativo inclui datas, uma mina de ouro para arqueólogos e historiadores. A tumba datada mais antiga de Hegra é de 1 a.C. e a mais recente de 70 d.C., permitindo que os pesquisadores preencham as lacunas na linha do tempo dos nabateus, embora construir uma imagem clara ainda seja problemático.
Alguns túmulos em Hegra são os lugares de descanso final para oficiais de alta patente e suas famílias, que, de acordo com a escrita em seus túmulos, levaram os títulos militares romanos adotados de prefeito e centurião para o outro mundo com eles. As inscrições também ressaltam a importância comercial de Hegra nas franjas do sul do império, e os textos revelam a composição diversificada da sociedade nabateia.
As histórias completas por trás de muitas dessas tumbas permanecem desconhecidas. A maior tumba de Hegra, medindo cerca de 21 metros de altura, é a tumba monolítica de Lihyan Filho de Kuza, às vezes chamada de Qasr al-Farid, que significa "Castelo Solitário" em português, devido à sua posição distante em relação às outras tumbas. Ficou inacabada, com marcas de cinzel ásperas e não suavizadas contornando seu terço inferior.
Algumas tumbas foram abandonadas no meio da construção por motivos pouco claros. O trabalho deserto no túmulo 46 mostra mais claramente como os nabateus construíam de cima para baixo, com apenas a "coroa" escalonada visível acima de um penhasco não cortado. Tanto a Tumba de Lihyan Filho de Kuza quanto a Tumba 46 têm inscrições curtas, designando-as para famílias específicas.
Um novo capítulo na história de Hegra, no entanto, está apenas começando, pois os viajantes agora têm acesso fácil ao local desde 2021. Anteriormente, menos de 5.000 sauditas visitavam Hegra a cada ano, e os turistas estrangeiros precisavam obter permissão especial do governo para visitá-la, o que menos de 1.000 faziam anualmente. Só no primeiro ano o local recebeu quase 100 mil turistas.
Agora é tão simples quanto comprar uma passagem on-line pelo site ou aplicativo Experience Al Ula por 95 riais sauditas (cerca de 130 reais). Os ônibus hop-on hop-off deixam os visitantes em sete áreas, onde os al rowah, ou contadores de histórias, ajudam a dar vida à necrópole. As excursões são feitas em árabe e inglês.
Uma visita a Hegra é apenas arranhar a superfície do tesouro arqueológico de Al-Ula. Outros locais históricos próximos -a antiga cidade de Dadan, a capital dos reinos dadanita e lihianita, que antecedeu os nabateus, e Jabal Ikmah, um desfiladeiro repleto de inscrições rupestres antigas- também estão abertos aos visitantes.
Até 2035, Al-Ula espera atrair dois milhões de turistas (nacionais e internacionais) anualmente. O aeroporto de Al-Ula, a cerca de 35 milhas de Hegra, foi inaugurado apenas em 2011, mas já passou por grandes reformas para antecipar o fluxo de visitantes, quadruplicando sua capacidade anual de passageiros.
Estudiosos acreditam que os nabateus viam suas tumbas como seu lar eterno, e agora seus espíritos estão sendo ressuscitados e histórias recontadas como parte do esforço de Al-Ula para se tornar um museu ao ar livre.
Embora os nabateus tenham deixado registros escassos, Hegra é onde suas palavras são mais visíveis. Mas os nabateus não eram os únicos aqui: cerca de 10 línguas históricas foram encontradas inscritas na paisagem de Al-Ula, e esta região em particular é vista como instrumental no desenvolvimento da língua árabe. Algo sobre Al-Ula inspirou civilização após civilização a deixar sua marca.
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