Pode parecer estranho pensar que a maçã-comum (Malus domestica) não era originalmente uma fruta universal, mas que na verdade tem suas raízes em uma região específica do mundo. A ancestral da macieira-doméstica é a macieira-silvestre (Malus sieversii), que ainda frutifica na natureza, nas montanhas Tian Shan do Cazaquistão. Quando o famoso cientista russo Nikolai Vavilov identificou pela primeira vez a M. sieversii como a progenitora da M. domestica, em 1929, as florestas da região eram densas, suas colheitas abundantes e seus sabores variados devido a diferentes polinizadores. |
- "Por toda a cidade podia-se ver uma vasta extensão de maçãs-silvestres cobrindo o sopé das colinas", escreveu Nikolai sobre sua visita a Almaty, então capital do Cazaquistão. - "Pode-se ver com os próprios olhos que este belo local foi a origem da maçã cultivada."
O cientista baseou essas afirmações em sua ideia de que os "centros de origem" de uma espécie estão nos lugares onde é possível encontrar sua maior diversidade genética. Suas observações de que todas as maçãs domésticas podem ser originárias de Almaty foram confirmadas pela genética moderna.
As maçãs silvestres são quase indistinguíveis das argentinas encontradas nos supermercados hoje. Nikolai ficou surpreso ao encontrar macieiras silvestres, densamente emaranhadas e desigualmente espaçadas, um fenômeno encontrado em nenhum outro lugar do mundo.
Os cientistas acreditam que as sementes da maçã de Tian Shan foram transportadas para fora do Cazaquistão por pássaros e ursos muito antes dos humanos as cultivarem. Quando os humanos começaram a cultivar e comercializar maçãs, a Malus sieversii já havia se enraizado na Síria, a quase 3 mil km de distância, sem a intervenção humana.
Os romanos a descobriram lá e espalharam a fruta ainda mais pelo mundo. Acredita-se que o comércio da Rota da Seda tenha espalhado a fruta por toda parte, eventualmente chegando às Américas pela mão dos colonizadores europeus.
Apesar de ser o primeiro a afirmar cientificamente a associação de Almaty com a maçã, Vavilov não foi o primeiro a observar a influência da fruta na região. Almaty costumava ser chamada de Alma-Ata -o nome russo da cidade-, que significa "pai das maçãs".
Esse orgulho é usado claramente para todos verem em toda a cidade. Outdoors com imagens de maçãs e o slogan de "Almaty, a cidade das mil cores", não anunciam nada além da famosa fruta, injetando toques ousados de vermelho ao longo de rodovias cinzentas.
No Museu Estadual de Artes A Kasteyev, o maior museu de arte do Cazaquistão, as maçãs aparecem em pinturas a óleo e esculturas de metal. Em uma escala maior e mais pública, murais retratando a fruta adornam as laterais dos edifícios, e uma gigantesca fonte de granito em forma de maçã é um ponto de atração na montanha Kok Tobe, um dos principais marcos da cidade.
No mercado municipal, lotado de moradores protegidos do frio, vendedores vendem suas muitas variedades de maçãs domesticadas no mercado em precárias torres de maçãs meticulosamente organizadas de acordo com tonalidade, tamanho e forma.
Mas enquanto a região aceitou de bom grado a Malus domestica como sua, as maçãs-silvestres do Cazaquistão foram decididamente negligenciadas. Elas costumavam ser comuns, mas durante o desenvolvimento soviético muitas das árvores foram cortadas por sua madeira. Até 80% das florestas de macieiras silvestres foram destruídas.
É impossível imaginar se Nikolau Vavilov previu tal atividade humana destrutiva quando visitou Almaty pela primeira vez. No entanto, o cientista visionário fez questão de coletar sementes de Malus sieversii para proteger a espécie e ajudar a prevenir qualquer fome futura. Ele as adicionou à sua coleção de 250.000 sementes, frutas e raízes em um dos primeiros bancos de genes do mundo em Leningrado, atual São Petersburgo.
Durante o cerco de Leningrado de 1941 a 1944, vários botânicos que trabalhavam no banco de genes preferiram morrer de fome a comer as sementes ali armazenadas. Nikolau também morreu de fome, preso no gulag por cair em desgraça com os que estavam no poder do regime soviético. Felizmente, porém, seu legado sobrevive até hoje. Agora denominado Instituto Vavilov da Indústria Vegetal, o banco de genes é a única instalação desse tipo na Rússia.
A Malus sieversii está atualmente listada como "vulnerável" na Lista Vermelha do União Internacional para a Conservação da Natureza, com sua população em claro declínio (última avaliação em 2007). As ameaças às poucas florestas remanescentes incluem desenvolvimento residencial e comercial, pecuária e desmatamento.
Mais recentemente, movimentos foram feitos para preservar aquelas que permanecem no sopé da cordilheira Tian Shan, que agora exige permissão para os visitantes entrarem na floresta e, ao que parece, a população de macieiras silvestres está se recuperando, exceto por assaltos de ursos forrageadores, que não se importam com a história botânica.
Pomologistas relatam que as maçãs-silvestres têm uma variedade de sabores, dependendo de como as abelhas polinizam as flores. Existem maçãs com sabor de mel e frutas silvestres, maçãs azedas, maçãs com gosto de alcaçuz e algumas cepas que seriam boas o suficiente para a seção de produtos hortifrutigranjeiros de um supermercado.
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig ID: c048e5ac-0172-45ed-b26a-910f9f4b1d0a
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários