Por que o bacalhau continua sendo um alimento tão caro?

Ao contrário do que muitos pensam, bacalhau é o nome comum para várias espécies de peixes demersais da família de gadídeos secos e salgados. O bacalhau "original" é da espécie Gadus morhua encontrado nos mares frios do norte do Atlântico. O peixe sempre foi uma importante mercadoria econômica nos mercados internacionais desde o período viking. Os noruegueses viajavam com bacalhau seco e logo um mercado de bacalhau seco se desenvolveu no sul da Europa. Este mercado durou mais de 1.000 anos, suportando a peste negra, guerras e outras crises, e ainda é um importante comércio de peixe norueguês.

Os portugueses começaram a pescar o Gadus morhua no século XV e por isso o bacalhau é muito apreciado tanto no Brasil quanto em Portugal. Os bascos desempenharam um papel importante no comércio do bacalhau e supostamente encontraram os bancos pesqueiros canadenses antes da "descoberta" da América.

A costa leste da América do Norte desenvolveu-se em parte devido aos vastos estoques de bacalhau. Muitas cidades na área da Nova Inglaterra estão localizadas perto de áreas de pesca de bacalhau. O peixe foi tão importante para a história e o desenvolvimento de Massachusetts que a Câmara dos Representantes do estado pendurou em suas câmaras uma escultura em madeira de um bacalhau, conhecido como o Bacalhau Sagrado de Massachusetts.

Na falta do sal, os noruegueses secavam o Gadus morhua ao ar congelado e vento. O processo de salga e secagem, pelo qual o peixe recebeu o nome, foi introduzida mais tarde pelos portugueses. A osmose é uma tecnologia de preservação da carne que nossos ancestrais usavam antes da invenção da geladeira, em que a água presente nas células do interior da carne, meio mais concentrado, passa para o exterior, evitando assim o crescimento de microrganismos. A única maneira de preservação da carne antes do século XX era a salga. Adicionando-se sal suficiente à carne, impedindo a proliferação de bactérias podia-se assim, preservá-la por um tempo mais longo.

Por muito tempo se usou a expressão "Coisas que nunca vi: enterro de anão, filhote de pomba e cabeça de bacalhau!" porque grande parte dos brasileiros nunca viu a cabeça de bacalhau. Após ter as vísceras retiradas, o Gadus morhua passa por um processo de salga e cura, onde é retirada em média 50% da sua umidade, e nesse processo é também retirada a cabeça do peixe, que não tem valor comercial e impede a salga.

O hábito de consumir bacalhau chegou no Brasil como herança da família real portuguesa, quando esteve por aqui, por volta de 1808, fugindo da invasão de Napoleão. Antigamente, o bacalhau possuía um preço bem acessível, mesmo que fosse importado, mas com a escassez de alimentos durante a Segunda Guerra Mundial, o preço aumentou muito, fazendo com que hoje praticamente o produto seja restrito à Páscoa.

O curioso é que o processo de cura e o posterior dessalgamento empresta ao bacalhau os característicos sabor suave e textura densa e escamosa, que você não sente no Gadus morhua a natura hoje encontrado nas grandes redes de supermercado congelado, de fato nem parecem o mesmo peixe.

Além da longa história, o bacalhau difere da maioria dos peixes porque os pesqueiros estão longe dos centros populacionais. As grandes pescarias de bacalhau ao longo da costa do norte da Noruega (e em particular perto das ilhas Lofoten) foram desenvolvidas quase exclusivamente para exportação, dependendo do transporte marítimo de bacalhau em grandes distâncias.

Hoje o Gadus morhua seco ao ar frio e ao vento, sem sal é uma das fontes de proteína mais cobiçadas na Nigéria, onde um quilo de bacalhau é vendido por uns 300 reais, em oposição aos 100 reais praticado no Brasil, que na páscoa pode custar até 3n vezes mais.

Na Nigéria custa em torno de sete vezes mais do que outros peixes populares como a corvina. Mas o preço do bacalhau é volátil porque depende da importação. Os vendedores nigerianos não têm controle sobre quanto peixe é seco ou quanto chega lá. De fato, a pesca do bacalhau ao longo da costa do norte da Noruega tem sido, em grande parte, pescar o máximo possível com o menor uso possível de recursos e, portanto, com o menor custo, visando o maior lucro.

Hoje a pesca do bacalhau esgotou severamente os estoques, fazendo com que a biomassa do bacalhau caísse para 1% dos níveis anteriores -desde 1996 o Gadus morhua é considerado "vulnerável na lista vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN- e se tornou uma questão política importante. A necessidade de restringir as capturas para permitir a recuperação dos estoques perturbou a indústria pesqueira e os políticos que relutam em olhar para o outro lado quando o pior está acontecendo.