Houve alguns casos em que pessoas alegaram ter sobrevivido sem comida. Essas pessoas se autodenominam "respiracionistas", pois supostamente vivem apenas de ar e luz. O respiracionismo, famoso entre os indianos farsantes, é um embuste e é impossível acreditar em outra coisa. O corpo humano precisa de nutrição para sobreviver, e muitos praticantes do respiracionismo se alimentam secretamente. Outros morreram tentando seguir um estilo de vida sem comida. Um dos casos mais fascinantes e trágicos data de uma época anterior ao respiracionismo ser uma moda passageira. |
Frame do filme "O Milagre" (2022), levemente baseado no caso de Sarah.
Sarah Jacob nasceu em 12 de maio de 1857, filha de Evan e Hannah Jacob, em uma fazenda nos arredores da vila de Llanfihangel-ar-Arth, em Carmarthenshire, País de Gales. Seu pai, Evan Jacob, era diácono na capela local. Sarah era conhecida por ser uma menina saudável e enérgica, com boa inteligência e que "falava e lia inglês muito bem".
Seja como for, a história de Sarah Jacob tem proporções fascinantes e trágicas. No final, ela foi morta pela própria fama, uma fama que, pelo menos no início, ela parecia mais do que ansiosa por conquistar.
Em fevereiro de 1867, poucos meses antes de completar dez anos, Sarah adoeceu gravemente e entrou em coma. Quando recuperou a consciência, um mês depois, Sarah havia perdido completamente a vontade de comer.
Ao se recuperar parcialmente, ela pôde dormir no quarto dos pais, um ambiente aconchegante e confortável comparado ao loft onde, de outra forma, teria passado os dias. Não havia como negar que ficar deitada na cama o dia todo, compondo poemas e lendo a Bíblia, era muito preferível a cuidar dos animais da fazenda.
Nas primeiras semanas, ela comeu um pouco de arroz, ou aveia, ou leite. Mais tarde, ela parecia sobreviver apenas com algumas frutas por dia. Finalmente, ela parou completamente de comer. Os pais de Sarah ficaram chateados com a doença dela, mas não a forçaram a comer.
À medida que o jejum prosseguia, Sarah tornou-se uma espécie de celebridade local. Os jornais estavam cheios da história milagrosa da menina que desafiou as leis da natureza, e as pessoas iam vê-la de lugares distantes, para tocar seu rosto, suas mãos enquanto ela recitava versículos dos livros das Escrituras. Seus pais a enfeitavam para o público, com bugigangas e adornos, e em seu pescoço branco e rechonchudo uma vitorina com uma coroa de flores enquanto tinha livros e flores espalhados sobre a colcha.
As pessoas que iam visitá-la realmente acreditavam que estavam testemunhando um milagre, levando presentes e dinheiro para ela, mas Sarah estava se alimentando secretamente, sem que seus pais soubessem, talvez saindo da cama à noite, quando a casa estava dormindo. O que levou a criança a recusar comida nunca ficou claro.
Frame do filme "O Milagre" (2022), levemente baseado no caso de Sarah.
Viver mais de dois anos sem comida ou água é, claramente, impossível, mas na Era Vitoriana as pessoas realmente acreditavam que estavam testemunhando um milagre. Não se sabe como Sarah conseguia sua comida.
Sarah era furiosamente religiosa e suas ações poderiam ter tido conotações espirituais, ou ela poderia ter sido um caso genuíno de anorexia. Seja qual for a causa, Sarah logo começou a ver o valor do que estava fazendo.
À medida que a fama de Sarah crescia, surgiram suspeitas e o vigário organizou uma vigília para ver se a sua família a alimentava em segredo. A vigilância durou duas semanas, mas não durante todo o tempo, portanto as descobertas foram inconclusivas.
Em novembro de 1869 -já haviam se passado dois anos desde que Sarah supostamente comeu sua última refeição- uma vigilância mais completa foi proposta e acordada pelos pais de Sarah. Quatro enfermeiras treinadas ficavam com Sarah noite e dia para ver se ela realmente podia violar as leis da natureza. As enfermeiras foram instruídas a não negar comida a Sarah se ela pedisse, mas apenas a observar se ela recebia algum tipo de alimento.
Sarah sentiu-se encurralada, mas o orgulho ou a convicção religiosa, ou mesmo a sua condição médica não diagnosticada não lhe permitiram admitir fraude ou mentira. Então ela permitiu a vigília, esperando que de alguma forma conseguisse ficar sem comer por quatorze dias, a duração prevista para o experimento fatal.
A experiência foi cruel: as enfermeiras foram orientadas a não tratar nem ajudar, apenas a anotar o que a menina e a família faziam. Se Sara pedisse comida, elas deveriam dar, mas caso contrário não deveriam fazer nada. E, claro, ela não pediu, e ali começava uma tragédia anunciada.
O jornal British Medical, o principal da área médica na época, publicou um artigo mais tarde comentando que os profissionais de todos os lugares deveriam estar "cheios de sentimentos de vergonha e indignação".
Com o passar dos dias, Sara foi ficando cada vez mais fraca, mas ainda assim não pedia comida. Alarmada ao ver a menina morrendo, uma das enfermeiras abordou os pais de Sarah e disse-lhes que lhe dessem um pouco de comida. Mas isso só enfureceu Evan e Hannah Jacob.
Pediram às enfermeiras que continuassem a vigiar, mas em hipótese alguma deveriam dar comida à menina. No oitavo dia de vigília, Sarah estava delirando. Ela se debateu e caiu na inconsciência da qual não acordou mais. O "milagre" acabou.
Uma autópsia foi realizada e uma substância pegajosa e os ossos de um pequeno pássaro ou peixe foram encontrados no estômago de Sarah. Claramente, ela havia comido alguma coisa. O exame post-mortem mostrou que o único motivo da morte foi a fome.
Mais trágicos, porém, foram os sulcos encontrados nos dedos dos pés, como se ela estivesse tentando abrir a tampa da garrafa de água de pedra que havia sido colocada em sua cama, numa tentativa desesperada de conseguir água.
Evan e Hannah Jacob foram posteriormente condenados por homicídio culposo. Evan foi condenado a um ano de trabalhos forçados e sua esposa presa por seis meses, quando foi esfaqueada na cadeia supostamente em represália a morte da menina.
Evan e Hannah Jacob.
Ninguém conseguiu provar que eles tinham deliberadamente deixado a filha passar fome e, eventualmente, morrer, mas eles -tal como os profissionais médicos que realizaram a vigília, embora nunca tenham sido processados- foram certamente culpados de nada fazer para a proteger Sarah. Será que eles realmente acreditavam que estavam testemunhando um milagre?
Existem muitos outros exemplos de jejum extremo entre as meninas durante a era vitoriana. Ann Moore de Derbyshire alegou que não conseguia manter a comida no estômago e atraiu grande atenção no processo. Ela alegou não ingerir alimentos sólidos há mais de cinco anos e não ingeria líquidos há quatro anos.
Assim como Sarah Jacob, Ann foi submetida a duas vigílias com duração de dezesseis dias para verificar suas afirmações. Mas, ao contrário de Sarah, que morreu de fome, Ann foi alimentada secretamente pela filha enquanto os vigias estavam na sala, passando comida da boca dela para a da mãe, sob o pretexto de beijar, e encharcando toalhas com leite e caldo e torcendo-as na boca de sua mãe enquanto lavava seu rosto.
Um caso semelhante ao de Sarah Jacob aconteceu há pouco tempo, durante a década de 1990. Uma proeminente defensora do respiracionismo, Ellen Grev, mais conhecida como Jasmuheen, foi submetida a um teste pelo programa de televisão australiano 60 Minutes.
Depois de três dias, seu estado piorou tanto que, por insistência dela, foi transferida do quarto de hotel, onde estava confinada, para um resort nas montanhas, onde alegou que conseguiria absorver melhor os nutrientes do ar fresco. Mas ainda assim as suas condições deterioraram-se e, no quarto dia, o 60 Minutes interrompeu o teste com medo de ser considerado culpado pela sua morte.
O pior é que esta farsante e embusteira continua por ai fazendo palestras e espalhando as asneiras em que acredita. Isso é perigoso. Algumas pessoas morreram tentando levar estas práticas absurdas até seus últimos limites e acabaram por descobrir da forma mais crítica que a luz solar não é efetivamente um bom alimento a menos que você seja uma planta. No entanto, a mandriona Ellen continua vendendo livros e dando palestras sobre a sua vida sem comida nem água.
Milhões de pessoas passam fome no mundo. Acabar com essa necessidade terminaria com este terrível problema. Como pode então que algo que poderia salvar a vida de milhões de pessoas só seja do conhecimento de uma sem vergonha que dá palestras em troca de alguns dólares e de mais uma meia dúzia de santarrões?
Os observadores de Sarah Jacob deveriam ter agido da mesma forma por motivos morais e ordenado aos pais que alimentassem a criança, ou pelo menos, ido embora. Mas eles não fizeram nada para proteger a criança. Pelo contrário, os médicos e as enfermeiras, através da sua vigilância, empurraram a criança para a morte. É uma pena que o juiz tenha punido os pais, mas isentado os médicos da culpa.
Muitas pessoas chamam Sarah Jacob de primeira anoréxica do País de Gales, e certamente há elementos dessa terrível condição em sua história. Mas, acima de tudo, esta é a trágica história de uma jovem no limiar da vida, uma vida jovem que foi, por causa da sua própria personalidade ou por pressão externa, brutalmente interrompida.
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