O tenente-coronel William Henry Rankin puxou suavemente o manche de seu F-8 Crusader para colocar o caça supersônico monomotor em uma subida constante. Seu objetivo era passar por cima da ameaçadora nuvem de tempestade cumulonimbus que estava se formando logo à sua frente. Ele já havia estado dentro de uma nuvem de tempestade antes e a experiência foi tão violenta que ninguém nunca mais precisou lembrá-lo de evitar nuvens de tempestade. William observou seu altímetro enquanto o jato continuava ganhando altitude. A 45.000 pés ele ainda podia ver o topo fino da tempestade e deixou seu jato continuar subindo. |
A 48.000 pés, ele estava agora bem acima da tempestade. Os dedos do fisiculturista William relaxaram no manche e o jato se nivelou. Seu ala, o tenente Herbert Nolan, que seguia William em outro Crusader, fez o mesmo.
Era 26 de julho de 1959, e William e Herbert estavam sobrevoando a costa da Carolina, na Estação Aérea Naval em South Weymouth até a Estação Aérea do Corpo de Fuzileiros Navais em Beaufort. O tempo esteve fresco e ensolarado durante todo o vôo, até que sobrevoaram Atlantic City. O céu então começou a ficar nebuloso e William percebeu que uma forte tempestade estava a caminho. Ainda faltava meia hora para o pouso.
Naquele momento, William ouviu um baque repentino e um som estrondoso vindo de algum lugar atrás e abaixo dele. Seguiu-se uma série de solavancos e várias luzes de advertência em seu painel de instrumentos acenderam em âmbar. Aquele que ele mais temia chamava-se FOGO, que indicava que havia calor excessivo no sistema do motor e podia ocorrer um incêndio em breve, ou o incêndio já podia ter começado. William respondeu cortando a potência para aliviar o estresse do motor. Ao mesmo tempo, ele comunicou por rádio ao seu ala que talvez fosse necessário ele ejetar.
A redução da energia aparentemente funcionou porque o alarme se calou. William suspirou aliviado, mas o adiamento foi passageiro, pois logo o motor engasgou e congelou, e William perdeu toda a energia elétrica e hidráulica. Sem a energia hidráulica, manobrar a aeronave tornou-se impossível. William tentou ativar a potência auxiliar, mas quando tentou puxar a alavanca de ativação, para sua surpresa, a alavanca se soltou da fuselagem. O único curso de ação que restava era ejetar.
A altitude de William, acima de 47.000 pés, era muito maior para uma ejeção segura. A temperatura lá fora estava bem abaixo de zero e a pressão atmosférica estava perigosamente baixa. William estava vestido com nada mais do que um traje de voo de verão. Ele não achava que fosse necessário um traje pressurizado para este voo de rotina.
Para piorar a situação, o avião ainda ganhava altitude sem potência, deixando William sem meios de descer a uma altitude mais segura para ejeção. Esperar que o avião perdesse velocidade suficiente e descesse sozinho parecia uma opção, mas trazia seus próprios perigos. A aeronave podia começar a rodopiar ou até atingir velocidades supersônicas, tornando o acionamento das alças de ejeção uma decisão potencialmente fatal nessas condições.
Sem perder mais segundos preciosos, William decidiu ejetar e puxou as duas alças de ejeção de emergência.
- "Ao mesmo tempo, ouvi e senti o fogo do assento ejetável, quase como se um enorme elefante tivesse me dado um chute nas costas e bufado explosivo ao mesmo tempo", contou ele. - "Isso me deu uma sensação peculiar de alívio porque eu sabia que estava saindo. O assento ejetável, pelo menos, não estava com defeito."
Assim que o corpo de William entrou em contato com o ar de 50 graus negativos, suas extremidades congelaram, e ele se sentiu como se fosse um pedaço de carne sendo jogado em um congelador cavernoso.
- "Quase instantaneamente, todas as partes expostas do meu corpo -ao redor do rosto, pescoço, pulsos, mãos e tornozelos- começaram a arder de frio. Parecia que eu estava pegando fogo. Então, segundos depois, a sensação de queimação se transformou em uma dormência abençoada."
Enquanto isso, a mudança repentina na pressão do ar explodiu suas entranhas e seu corpo começou a se expandir. Ele também começou a sangrar pelos olhos, ouvidos, nariz e boca em decorrência de rupturas causadas pela descompressão explosiva.
- "Eu podia sentir meu abdômen distendendo-se e alongando-se, alongando-se, alongando-se, até que pensei que iria estourar. Meus olhos pareciam estar sendo arrancados das órbitas, minha cabeça como se estivesse se dividindo em várias partes, minhas orelhas estourando por dentro e por todo o meu corpo sentia fortes cólicas."
Em dado momento ele teve um vislumbre horrorizado da sua barriga inchada como se estivesse em fase avançada de gravidez. Ele contou que nunca tinha conhecido uma dor tão selvagem e nesse momento se convenceu de que não sobreviveria; nenhum humano poderia.
William continuou a cair através da nuvem de tempestade, seu corpo caindo, girando e dando cambalhotas pelo espaço. Apesar da natureza falha da queda livre, William conseguiu garantir o suprimento emergencial de oxigênio para sua boca. Isso o manteria vivo apenas por tempo suficiente para que o paraquedas se abrisse automaticamente a 10.000 pés. Mas ele já tinha perdido a confiança em outro salvador automático.
A nuvem agora estava ficando espessa e escura e ele não conseguia enxergar mais que um metro a sua frente. Na escassa luz, William olhou para o relógio e ficou surpreso ao ver que quase cinco minutos haviam se passado desde que ele saltou. Uma queda livre típica daquela altitude não deveria demorar mais de três minutos e meio.
Talvez ele tivesse ultrapassado a marca dos 10.000 pés e o sensor do paraquedas tivesse falhado. Talvez ele estivesse a apenas alguns metros do chão, arremessando-se em direção a ele. William tinha um desejo intenso de puxar manualmente o paraquedas, mas quando estava prestes a fazê-lo, sentiu o solavanco reconfortante da abertura do paraquedas. Ele também ficou aliviado ao descobrir que, embora seu oxigênio de emergência tivesse acabado, o ar naquele nível era denso o suficiente para ele respirar sem ele.
Dadas as circunstâncias, muito feliz por estar vivo e descer com segurança, conscientemente, até mesmo a crescente turbulência do ar não significava nada. Estava tudo acabado agora, pensou, a provação havia terminado. Mas a turbulência que ele começava a sentir significava que só agora estava chegando ao centro da tempestade.
Dez minutos após o início da descida, William deveria ter alcançado o solo, mas as enormes correntes de ar que subiam pelo centro da nuvem retardaram sua queda. William se viu sacudido e lançado para cima em violentas rajadas de ar ascendente.
- "Todos os ossos do meu corpo devem ter chacoalhado, e eu subi, subi e subi, como se sua força não tivesse fim. Ao descer novamente, vi que estava em um oceano furioso de nuvens ferventes, pretas, cinzas e brancas, derramando-se umas sobre as outras, umas nas outras, digerindo-se umas às outras."
Ele tornou-se uma verdadeira molécula presa no padrão térmico da máquina térmica, como se fosse uma marionete sendo jogado de um lado para o outro, para cima e para baixo.
- "Várias vezes -a princípio não pude acreditar- senti como se estivesse girando em meu paraquedas, como um pêndulo. Mas não eras um balanço suave de um lado para outro. Subia, saía, girava e descia como se estivesse em uma centrífuga em alta velocidade. Eu podia sentir o sangue correndo para meus pés e depois para minha cabeça. Na prática, eu não sabia se estava de cabeça para baixo ou oblíquo, exceto que podia “sentir” isso pela força centrífuga em meu corpo."
Um F-8 Crusader, do tipo que William estava voando.
Mas os problemas de William estavam apenas começando. A turbulência era apenas parte do problema. Os mais violentos foram os relâmpagos e trovões.
- "O primeiro trovão veio como uma explosão ensurdecedora, seguida por um relâmpago ofuscante e, em seguida, um som estrondoso que pareceu fazer vibrar cada fibra do meu corpo. O relâmpago estava tão próximo, tão brilhante que mesmo depois de fechar instintivamente os olhos tive a sensação de “ver” um vermelho profundo lá fora."
Em seus voos, ele costumava pensar nos relâmpagos como raios de eletricidade longos, delgados e irregulares; mas não mais. Segundo William a coisa real é diferente.
- "Eu vi relâmpagos ao meu redor, acima, em todos os lugares, e os vi em todas as formas imagináveis. Mas quando muito perto, parecia principalmente uma enorme folha azulada, com vários metros de espessura, às vezes grudada em pares, como as lâminas de uma tesoura, e tive a nítida sensação de que estava sendo cortado em dois."
Então começou a chuva, em torrentes encharcadas. A chuva estava tão densa que William temeu se afogar. Era como se ele estivesse debaixo de uma piscina onde precisou prender a respiração várias vezes, porque teve falta de ar, como se realmente estivesse me afogando.
Embora a chuva quase ameaçasse afogá-lo, grandes granizos atingiram William com força contundente. Felizmente, ele estava com seu capacete que o protegia de uma certa concussão. Seu corpo musculoso, porém, ficou coberto de vergões pretos e azuis devido as pedradas.
William perdeu a noção do tempo. Ele havia desistido de tentar consultar o relógio. Ele havia se reconciliado com uma batalha longa e difícil e continuou a combatê-la, armado de esperança e atividade mental. Pensou que estava numa estranha roda-gigante da natureza e, mais cedo ou mais tarde, a turbulência teria que ficar sem energia, liberando-o gradualmente em direção à Terra.
Eventualmente, William descobriu que o ar estava ficando mais suave e a chuva mais fraca. Momentos depois, William saiu da nuvem. Ele tinha apenas cerca de 60 a 80 metros de teto restantes para se orientar para o pouso.
O paraquedas de William ficou preso nas copas das árvores e seu corpo machucado, espancado e encharcado bateu no tronco de uma árvore. Depois de vários minutos avaliando sua situação e inspecionando seus membros em busca de ossos quebrados, William olhou para o relógio. Eram 18h40. Ele havia passado quarenta minutos flutuando para cima e para baixo no ventre da monstruosa tempestade e estava a mais de 50 quilômetros de distância de onde ejetou-se.
William saiu cambaleando do matagal e caminhou em direção a uma estrada, onde tentou sinalizar para vários veículos que passavam. Vários carros passaram por ele enquanto estava na estrada, molhado, ensanguentado, manchado de vômito, todo fudido, abatido e rasgado, e acenando debilmente. Certamente os motoristas ficaram com medo.
- "Devo ter sido uma visão surpreendente, se não assustadora. Muitos carros, chegando a uma velocidade de um ou dois a cada três ou quatro minutos, passaram por mim sem sequer olhar duas vezes."
Finalmente uma caminhonete com um senhorzinho com os olhos esbugalhados parou e o levou a uma loja rural, onde um telefone foi usado para chamar uma ambulância. Depois de suportar a terrível provação, William foi internado em um hospital em Ahoskie, Carolina do Norte, onde passou várias semanas em recuperação.
Notavelmente, devido a sua boa forma física, seus ferimentos foram relativamente leves, limitados a queimaduras superficiais e um leve caso de choque descompressivo. Com tempo e cuidado, ele gradualmente recuperou a saúde e as forças.
No devido tempo, o tenente-coronel William retomou suas funções, retornando às suas responsabilidades. No ano seguinte, ele narrou suas perigosas aventuras em um livro intitulado "O Homem que Montou o Trovão, um best-seller, que já rendeu seis tiragens, e que deixou uma marca duradoura naqueles que tiveram o privilégio de lê-lo.
Nenhum humano, antes ou depois de William, saltou de paraquedas através de uma torre cumulonimbus e sobreviveu para contar a história e ele teve muito tempo para fazer isso. Ele se aposentou do Corpo de Fuzileiros Navais em 1964, e continuou a viver uma vida tranquila e saudável até falecer em 6 de julho de 2009 de causas naturais, quase exatamente 50 anos após sua jornada angustiante e histórica na tempestade. William Henry Rankin tinha 89 anos.
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