Não é preciso procurar muito para encontrar uma sub-celebridade ou "especialista" falando com jeito professoral em programas de TV vespertinos sobre a "magia" da cura pela natureza. Sim a fitoterapia funciona, mas a maioria das práticas alternativas de cura são um atalho para o hospital. Embora algumas terapias populares não tradicionais sejam extremamente úteis, em alguns casos excedendo as terapias oferecidas pelos medicamentos convencionais ou devido à resposta ao placebo, a defesa da saúde deve ser baseada na ciência e não em tolos achismos ineficazes, caros e até mortais. |
A medicina alternativa, uma indústria não regulamentada e sem obrigação legal de provar as suas afirmações ou admitir os seus riscos, movimenta milhões e pode realmente ser prejudicial à nossa saúde. E o pior disso tudo é que você pode encontrar dezenas de canais no Youtube com milhões de visualizações propagando estas bobagens, como, por exemplo, a cartilagem de tubarão. Segundo o pensamento tacanho, os tubarões não contraem câncer, então as pílulas feitas com sua cartilagem evitarão que a pessoa contraia.
As cápsulas baseiam-se no fato de que a cartilagem de tubarão demonstrou propriedades antiangiogênicas, isto é, retarda ou interrompe o desenvolvimento dos vasos sanguíneos. Como os tumores precisam de redes de vasos sanguíneos para sobreviver e crescer, interromper o crescimento dos vasos deveria fazer com que o tumor morresse, encolhesse ou fosse destruído. Parece funcionar para os tubarões, argumentava um best-seller da década de 1990, "Tubarões não Contraem Câncer: como a Cartilagem de Tubarão Pode Salvar sua Vida.", que vendeu como água enriquecendo as burras dos vendedores de óleo-de-cobra.
Existem dois grandes problemas aqui, no entanto. A primeira é que, embora algumas terapias e medicamentos antiangiogênicos sejam eficazes e tenham sido aprovados para a prevenção do câncer, os comprimidos de cartilagem não são um deles. As cápsulas não atendem às afirmações feitas sobre elas.
Os fabricantes de cápsulas de cartilagem baseiam suas promoções em torno de um conjunto muito pequeno de pesquisas que mostram, de acordo com um estudo de 2005, publicado na revista científica Cancer, apenas uma capacidade modesta de retardar o crescimento de novos vasos sanguíneos em culturas de células de laboratório e em animais. A série de ensaios, que foi criticada por controles e metodologia inadequados, obteve resultados mistos em humanos.
Outro estudo sugeriu que um grupo de pacientes com câncer avançado entrou em remissão graças ao tratamento com cartilagem, mas os resultados não foram publicados em uma revista revisada por pares e o Instituto Nacional do Câncer mais tarde chamou o estudo de " incompleto e inexpressivo".
A esmagadora maioria das evidências publicadas e revisadas por pares vai contra as supostas habilidades anticancerígenas da cartilagem de tubarão. Em numerosos ensaios realizados em humanos e ratos, os pesquisaadores concluíram que a cartilagem de tubarão não proporciona qualquer benefício contra o câncer. A FDA retirou do mercado produtos a base de cartilagem de tubarão ou multou os seus fabricantes por fazerem alegações não comprovadas sobre propriedades anticancerígenas. Um grande problema é que uma pessoa com a maldita doença geralmente está altamente vulnerável acreditando em qualquer coisa.
O segundo problema é com o próprio fundamento da cura da pílula de cartilagem: a ideia de que os tubarões não contraem câncer. Isso simplesmente não é verdade. Sabíamos disso antes mesmo das pessoas começarem a comercializar cápsulas de cartilagem.
O primeiro tumor registrado em um peixe cartilaginoso foi encontrado em uma arraia em 1853, e o primeiro encontrado em um tubarão ocorreu em 1908. Desde então, os pesquisadores encontraram cerca de 50 casos de tumores cancerígenos em pelo menos 24 espécies de tubarões. Esses tumores foram encontrados em várias partes do corpo, inclusive na cartilagem e na face de um infeliz grande tubarão-branco nas águas australianas (foto que ilustra o artigo).
Então, sim, existem tubarões com câncer, e usar pedaços deles em cápsulas não fará nada por ninguém. O fato das pessoas pensarem que o consumo de cartilagem de tubarão pode curar o câncer ilustra os graves impactos potenciais da pseudociência. Embora os componentes da cartilagem de tubarão possam funcionar como retardadores, os extratos brutos são ineficazes.
A eficiência da tecnologia, o poder dos meios de comunicação de massa para atingir o público leigo e a susceptibilidade do público à pseudociência amplificam os impactos negativos da utilização da cartilagem. Para facilitar o uso da razão como base da tomada de decisões públicas e privadas, os mecanismos de avaliação baseados em evidências utilizados diariamente pela comunidade científica devem ser adicionados à formação dos meios de comunicação e dos profissionais governamentais. Será necessário um maior recurso à discussão lógica e colaborativa para garantir um futuro sustentável para o homem e para a biosfera.
Como cada vez mais pessoas estão deixando de acreditar nestas patacoadas, os fabricantes de cápsulas de cartilagem agora estão mudando o foco, alegando, novamente sem nenhuma comprovação científica, que a cartilagem pode ser usada no tratamento da artrite, sobretudo na osteoartrite, justamente a que dói mais, não tem cura e que deixa seus pacientes loucos de dor. Qualquer tratamento médico -alternativo ou convencional- deve ser devidamente avaliado. Não existe medicina alternativa. Só há remédios que funcionam e remédios que não funcionam.
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