Aos seus abundantes e muito ilustres títulos, uma esmagadora lista em que acumulava as condições de bacharel, capitão, cavaleiro ou vereador perpétuo, o militar espanhol Alonso Yáñez Fajardo, mais conhecido como "Granadino", acrescentou por volta de 1490 aquela que foi provavelmente a sua condição mais lucrativa: o maior cafetão do Reino de Granada. Ele liderou e venceu muitas batalhas e combates favoráveis aos Reis Católicos -denominação dada ao casal composto pela Rainha Isabel de Castela e o Rei Fernando II de Aragão-, e como recompensa se tornou o cobrador de impostos oficial dos monarcas. |
Ademais, os Reis Católicos também decidiram conceder ao capitão os rendimentos dos prostíbulos do reino. Não foi uma vantagem ruim. E a melhor prova é que ainda hoje, mais de cinco séculos após a sua morte, Alonso não é conhecido tanto pela sua posição como funcionário dos Reis Católicos, mas pelos seus negócios em bordéis. Chegou a ter tanto peso nos bordéis que com o tempo foi apelidado de "senhor das putas", "puteiro oficial" ou "Fajardo Puteiro", como era chamado entre os soldados.
O mais curioso, porém, não é que Alonso Yáñez Fajardo, filho bastardo do prefeito de Lorca, tenha decidido aproveitar o enorme negócio dos bordéis do Reino de Granada, atividade que acabou gerindo através de administradores que favoreciam todos os tipos de excessos. Se há algo surpreendente no caso é que foi feito com a aprovação da Corte. Isso acabou originado uma vasta rede de bordéis que funcionava durante o reinado de Isabel e Fernando.
Em Aragão e Castela já existiam zonas regulamentadas, espaços onde a prostituição era tolerada, um "mal menor" nas palavras do próprio Santo Agostinho, com o qual queriam evitar problemas piores vistos pelas autoridades, como adultério, sequestros e estupros. Suas majestades católicas reconheceram nisso uma fórmula que valia a pena transferir para outras regiões conturbadas dos seus domínios. E eles não hesitaram em aplicá-lo.
- "A ligação entre as gangues nobres e os rufiões criou um clima de conflito generalizado que esteve muito presente nas políticas de pacificação do Reino durante o século XV", explicou a historiadora Milagros León em um artigo de 2022 dedicado aos bordéis castelhanos do século XVII. - "Neste clima de crise tardo-medieval, entendemos a iniciativa empreendida pelos Reis Católicos para legalizar a prostituição, eles próprios promoveram a criação de bordéis a ponto de recompensar com o seu monopólio a pequena nobreza mais leal."
Os senhores e as autoridades municipais embarcaram na tarefa de regulamentar detalhadamente os bordéis, o que por sua vez permitiu à Corte se beneficiar duas vezes do negócio carnal. A Coroa soube tornar o negócio tão rentável a seu favor que o converteu em uma"“válvula de escape", uma forma de reprimir altercações e preservar a ordem. Ou para tentar, pelo menos.
A Corte nem sequer hesitou em usar leis para encorajar a prostituição a concentrar-se em bordéis. Nas Cortes de Madrigal em 1476, os Reis Católicos determinaram que as prostitutas clandestinas deveriam pagar o dobro das prostitutas públicas: 24 maravedis por ano, em comparação com 12 para estas últimas. O maravedi foi uma moeda de ouro cunhada na Península Ibérica.
Os Reis Católicos - Fernando e Isabel, os primeiros reis da Espanha.
Para legislar os bordéis em Castela, foram tomadas como modelo as portarias de Sevilha, cidade que abrigava o bordel mais movimentado do país. O resultado foi a "Pragmática de 1571", já outorgada pelo monarca Felipe II, e um regulamento que exigia o controle do estado de saúde das prostitutas ou o pagamento dos chamados "direitos das perdizes", renda que as trabalhadoras do sexo tinham que pagar aos chefes de polícia do conselho em troca de sua proteção.
- "Para evitar excessos, as autoridades civis e eclesiásticas decidiram criar bordéis municipais", explicou o historiador Andrés Moreno Mengíbar. - "Neste contexto, os Reis Católicos instaram cidades como Écija, Carmona ou Cádiz a criarem bordéis e, entre outras regalias no pagamento dos seus serviços, concederam a Alonso o monopólio das localizadas em Granada."
Bordel após bordel, o sul desenvolveu uma rede densa durante os séculos XVI e XVII. Andrés estima que só em Sevilha existiam cerca de uma centena de "boticários" em meados do século XVI, nome dado às casas onde residiam prostitutas em troca do pagamento de renda.
Havia, no entanto, algumas mulheres que decidiram agir por conta própria, as chamadas "mulheres apaixonadas", que usavam raminhos verdes na lapela enquanto estavam na rua ou colocavam ramos verdes nas portas das suas casas para diferenciá-las dos puteiros oficiais, daí surgiu o termo "rameira" como sinônimo de prostituta.
Se há um ponto que se destaca no mapa do mercado do sexo europeu do século XVI, porém, é Valência. Existia um enorme bordel que, se confiarmos no viajante flamengo Antonie de Lalaing, que o visitou em outubro de 1501, hospedava entre 200 e 300 trabalhadoras do sexo.
- "O lugar é tão grande que já vi aldeias menores", destacou com espanto Antonie, detalhando que a macrozona era composta por vários albergues espalhados por várias ruas, todos organizados.
Diz-se que durante o reinado de Filipe III, o Piedoso, 90 anos depois, se espalharam por Madrid 800 bordéis, casas abertas dia e noite nas quais trabalhavam jovens autorizadas a trabalhar como tais, algo para o qual foram estabelecidos alguns requisitos bem definidos: ter mais de 12 anos de idade, ser órfã ou de pais desconhecidos e não ser de origem nobre.
Tal clima de permissividade não durou muito, é claro: a situação mudou com o monarca Filipe IV, o Rei Planeta, filho do Piedoso, que teria ficado escandalizado ao saber da vida dissoluta do embaixador otomano em Madrid, que praticamente vivia dentro de um puteiro.
Em 1623, o Rei Planeta rotulou tal rede como imoral e iniciou um longo período de restrições. Ou seja, o próprio Filipe IV que a história diz que era viciado em sexo, um libertino desenfreado, promíscuo e atormentado que teve filhos suficientes para montar vários times de futebol: alguns cálculos apontam que ele teve entre 30 e 40; outros, mais generosos, chegam a impressionantes 46 descendentes, a maioria bastardos.
Alonso foi nomeado prefeito de prefeito de Loja e Alhama pelos Reis Católicos. Ele também recebeu o título de Marquês de Vélez, e construiu seu castelo renascentista em Vélez Blanco. Os rendimentos dos seus negócios tinham de ser imensos para construir um castelo. Ele morreu por volta de 1497 com idade desconhecida já que ninguém sabia quando ele nasceu.
Quando Dom Alonso morreu, o cargo de principal cafetão foi herdado por seu filho Diego, mas sua mãe, Dona Leonor, talvez com a consciência pesada por causa dos negócios da família, decidiu abrir bem ao lado da igreja uma casa para arrependidas, para tirar 13 mulheres da prostituição, algo que não agradou exatamente ao filho, que tentou acabar com a iniciativa materna. Mas nem foi preciso, logo as 13 arrependidas estavam nas ruas novamente.
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