Os dingos são um animal tipicamente australiano, com os cangurus e os coalas. Os cães selvagens também têm um profundo significado cultural para os primeiros povos da Austrália. Mas, apesar da onipresença e importância dos dingos, sua história de origem evolutiva permaneceu na maioria um mistério, até agora. Uma nova análise do DNA de dingos antigos, publicada na segunda-feira no Proceedings of the National Academy of Sciences, ajuda a preencher algumas lacunas sobre esses mamíferos dentuços, incluindo quando eles chegaram ao continente e suas conexões com outros canídeos. |
- "Este estudo é tentador, porque fornece alguns dos dados necessários para nos permitir explorar as relações evolutivas entre dingos, cães caninos da Nova Guiné, populações globais de cães e lobos", disse Kylie Cairns, bióloga da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, que não estava envolvida na pesquisa.
Cientistas extraíram DNA de 42 esqueletos antigos de dingos que são anteriores à chegada dos europeus à Austrália. Os restos mortais de dingos variam em idade de 400 a 2.746 anos, e foram descobertos em várias partes diferentes do continente.
Eles então compararam parte desse material genético com o DNA de 11 dingos modernos; 372 cães domésticos, lobos e outros canídeos; e seis cães-cantores da Nova Guiné, que são parentes próximos dos dingos e estão entre os cães selvagens mais raros do mundo.
A análise deles construiu milhares de anos de história populacional de dingos e ajudou a responder a várias perguntas. Por um lado, o estudo sugere que os dingos modernos não cruzam com cães domésticos, ao contrário do que há muito se supõe e do que fala o biólogo Guilherme Domenichelli no ótimo vídeo que ilustra este artigo. Os dingos de hoje compartilham muito de seu DNA com seus ancestrais antigos, e muito pouco com cães domésticos.
O DNA antigo também revelou que os dingos chegaram à Austrália entre 3.000 e 8.000 anos atrás, provavelmente em barcos com comerciantes no Pacífico. E a maneira como eles chegaram pode explicar a distribuição geográfica dos dingos hoje.
Os dingos modernos são classificados em dois grupos principais: um que vive no lado oriental do continente, e o outro que habita o lado ocidental. Mas como e por que essa separação ocorreu?
Uma teoria popular se relaciona à "cerca do dingo", uma barreira de 5.630 km construída no final do século XIX e início do século XX. A cerca, destinada a manter os dingos longe do gado pastando, divide a Austrália em duas grandes seções: uma área sudeste e uma área noroeste, que correspondem às duas populações de dingos.
Mas o estudo sugere que a "cerca do dingo" não é responsável pelos distintos grupos orientais e ocidentais. Em vez disso, essas populações já estavam bem estabelecidas há 2.500 anos. Outra possibilidade é que os dingos tenham chegado a diferentes áreas do continente em dois eventos independentes e depois tenham permanecido separados devido à topografia da Austrália, incluindo a Grande Faixa Divisória e a Bacia Murray-Darling.
- "O sinal é preservado ao longo do tempo, e a separação ou diferenciação leste-oeste remonta a um passado tão remoto quanto podemos observar", disse o coautor do estudo Yassine Souilmi, biólogo da Universidade de Adelaide, na Austrália.
Os pesquisadores também ficaram surpresos ao ver uma ligação genética entre os antigos dingos que viviam no sudeste da Austrália e os cães-cantores da Nova Guiné. Isso sugere que as duas espécies cruzaram entre si entre 2.285 e 2.627 anos atrás e apóia a ideia de que os caninos chegaram ao continente em duas migrações separadas. Mas continua sendo uma possibilidade, dizem os pesquisadores, que os cães-cantores da Nova Guiné tenham se originado de dingos que viajaram com humanos da Austrália para a Nova Guiné.
As descobertas não só contribuem para a compreensão de um dos animais mais emblemáticos da Austrália, mas também podem ajudar a informar debates modernos. Os dingos são controversos: fazendeiros e proprietários de terras os consideram pragas e frequentemente os matam para proteger seus rebanhos. Os conservacionistas, por sua vez, os veem como predadores vitais que ajudam a manter o equilíbrio do ecossistema ao caçar cangurus, coelhos, gatos assilvestrados e raposas.
Novos percepções fornecidos pelo estudo, particularmente a falta de evidências de cruzamento com cães domésticos, podem influenciar as regras sobre se os proprietários de terras podem atirar legalmente em dingos ou se as criaturas devem ser protegidas como espécies nativas.
- "Esperamos que as pessoas parem de matar os dingos após ver este estudo", disse a coautora do estudo Sally Wasef, paleogeneticista da Universidade de Tecnologia de Queensland, na Austrália.
Muitos biólogos e conservacionistas australianos ecoam esse mesmo sentimento, acreditando que descobertas como essa colocam por terra a ideia de que os dingos são híbridos sem valor de conservação e que eles por mérito próprio deveriam ser reclassificados como Canis familiaris dingo ou inclusive Canis lupus dingo em vez de apenas Canis familiaris.
- "Os resultados dão peso aos esforços para conservar os dingos, porque mostram que eles são um grupo distinto e que houve (e que há) muito menos hibridização do que se pensava anteriormente", disse Mike Letnic, um biólogo conservacionista da Universidade de Nova Gales do Sul que não esteve envolvido na pesquisa.
A relação do dingo com os australianos indígenas é de comensalismo, no qual dois organismos vivem em estreita associação, mas não dependem um do outro para sobreviver. Ambos caçam e dormem juntos. O dingo, portanto, se sente confortável o suficiente perto de humanos para se associar a eles, mas ainda é capaz de viver de forma independente.
Qualquer cão solto e sem dono pode ser socializado para se tornar um cão com dono, como alguns dingos fazem quando se juntam a famílias humanas, mas ele não foi seletivamente criado de forma semelhante a outros animais domesticados e é ai que reside um problema para eles.
Muitos australianos veem os animais simplesmente como cães vadios. Os dingos geralmente evitam conflitos com humanos, mas são grandes o suficiente para serem perigosos. A maioria dos ataques envolve pessoas alimentando dingos selvagens, particularmente em K'gari, antiga Ilha Fraser, que é um centro especial de turismo relacionado a dingos.
A grande maioria dos ataques de dingos são de natureza menor, mas alguns podem ser maiores, e alguns foram fatais: a morte de Azaria Chamberlain, de dois meses, no Território do Norte em 1980 é um deles. Muitos parques nacionais australianos têm placas aconselhando os visitantes a não alimentar a vida selvagem, em parte porque essa prática não é saudável para os animais e em parte porque pode encorajar comportamentos indesejáveis, como arrebatar comida ou morder a bunda de banhistas, como mostra o seguinte vídeo.
Enquanto o Departamento de Meio Ambiente de Queensland justifica a eutanásia dos animais como último recurso em resposta ao comportamento crescente dos dingos, a Corporação Aborígene Butchulla não apóia essa abordagem. Em vez disso, a atenção é voltada para o comportamento humano como um contribuinte significativo para o problema. Casos de alimentação de dingos, habituação deles a humanos e um desrespeito geral às diretrizes de segurança aumentaram, principalmente após o período da covid-19.
Várias medidas, incluindo cercas, placas de alerta e aumento de patrulhas, falharam em conter o comportamento humano problemático. A solução proposta defende restrições mais fortes aos turistas, potencialmente implementando limites no número de visitantes durante os períodos de pico. Isso pode envolver a proibição de indivíduos indisciplinados ou a imposição de limites populacionais, semelhantes às estratégias empregadas em outros locais ambientalmente sensíveis.
Em resposta aos desafios atuais, o Departamento de Meio Ambiente de Queensland alocou fundos adicionais para mensagens de segurança e esforços de conservação de dingos . A corporação aborígene pretende contratar mais guardas florestais dedicados à gestão dos wongaris -como eles chamam os dingos-, enfatizando o papel de gerenciar pessoas e o meio ambiente.
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