Penitenciária usa gansos como sentinelas em Santa Catarina

Para termos uma ideia de que não estamos olhando para uma criatura da qual apenas queremos nos aproximar e acariciar, basta digitar a palavra "ganso" no Google. Uma das primeiras entradas nos dá pistas sobre as aves aquáticas da família de anatídeos. Vem do WikiHow e, em essência, é um artigo educacional sobre os onze passos a seguir para impedir um ataque de ganso. Os especialistas, é claro, sabem do valor da criatura que, de fato, é utilizada como sentinela em uma penitenciária de segurança máxima localizada em Santa Catarina.

A verdade é que o projeto já dura 15 anos na Penitenciária de São Pedro de Alcântara, um município localizado na Microrregião de Florianópolis, quando os cães de guarda foram substituídos por gansos. Na época não estava muito claro por que escolheram ser o único no país que usava gansos, mas funcionou. Desde então, gansos patrulham a área gramada dentro do muro da prisão, e o número de fugas caiu drasticamente. Agora a mídia mundial descobriu os gansos sentinelas através de um vídeo publicado pelo canal turco do Youtube TRT World.
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As fugas da prisão são comuns. Em média, no Brasil, um prisioneiro escapa todos os dias, muitos deles pela porta da frente depois de subornar guardas. Contudo, em algumas prisões extremamente perigosas em todo o país, algo está mudando. Não há guardas nem cães quando chega a noite, há patrulhas de gansos que se revelam infalíveis. A administração sabe que tem uma vantagem. Até os cães podem ceder a um bom bife, mas os gansos são insuportáveis.

Os zoólogos explicam que estes não são quaisquer gansos. São gansos "sentinela", que foram domesticados e utilizados para esse fim durante muito tempo. São animais que sinalizam vocalmente qualquer perturbação no ambiente. Então eles grasnam para o mundo inteiro ouvir.

Não estamos falando de qualquer barulho, eles são gansos, e o som que fazem quando estão chateados é capaz de desencadear uma cacofonia ensurdecedora de grasnidos e guinchos que serve para alertar os guardas de toda a instalação. Além disso, são tremendamente territoriais e capazes de atacar qualquer um que entre em sua área.

Essas criaturas têm vantagem sobre os cães de guarda, além de serem implacáveis. Ao contrário do melhor amigo do homem, que exige treinamento e muitos cuidados, os gansos realizam o trabalho simplesmente sendo gansos. Além disso, os cães são mais caros para treinar e manter.

Na prisão de segurança máxima de São Pedro de Alcântara, o diretor da prisão, Marcos Souza, disse ao Wall Street Journal que o Malinois-belga que costumava perambular pelo muro perimetral da prisão custava uma boa grana mensal para a instituição.

- "Por outro lado, os gansos ficam felizes com o arroz e nunca adoecem", explicou.

Por que no Brasil? As penitenciárias do país têm sido um bom laboratório para testar esta iniciativa. Principalmente porque, embora as prisões tenham hoje sistemas de detecção de última geração que tornam muito difícil a fuga dos reclusos sem serem detectados, as deficiências de muitas instalações no país fazem destas criaturas uma jogada vencedora.

Em uma prisão no estado do Rio Grande do Sul, os funcionários começaram a usar recentemente gansos para alertar os agentes quando pacotes, normalmente com telefones ou drogas, eram atirados para dentro da prisão para os reclusos. Equipados com excelente visão noturna e audição aguçada, os gansos são o melhor despertador que já tiveram.

Supostamente, começaram com gansos por acidente em São Pedro. Aparentemente, os funcionários da prisão tiveram a ideia há alguns anos, quando foram encurralados por um bando de gansos furiosos durante um churrasco. Como em muitas das prisões subfinanciadas do Brasil, o diretor da prisão estava lutando para sobreviver e concordou em dar-lhes a oportunidade de patrulhar o local.

Eles agora cobrem a faixa de gramado entre a cerca interna e o muro externo da prisão, e a "prática" se espalhou até mesmo entre os agricultores locais de se protegerem de intrusos, uma tradição que se acredita remontar ao período romano quando, de acordo com uma lenda contada pelo autor romano Plínio, o Velho, os gansos assumiram o papel de sentinelas, soando o alarme quando os guerreiros gauleses invadiram por volta de 390 a.C., salvando Roma. Após a Batalha de Ália, que se seguiu depois, os gansos receberam status divino dos antigos romanos.

Duvida da autenticidade desta lenda? Exemplos mais contemporâneos abundam. De 1959 a 2012, um bando de gansos de guarda conhecido como "Scotch Watch" patrulhou 14 acres de armazéns que abrigavam uísque escocês em Dumbuck, Escócia, sob o comando de um ganso-chefe chamado "Senhor Ballantine".

No auge de seu poder, esse batalhão de segurança contava com 100 gansos. As aves guardaram com sucesso 2 bilhões de reais milhões em uísque escocês por mais de seis décadas. E em outubro de 2021, o governo chinês enviou cerca de 500 gansos para a fronteira entre a China e o Vietnã, prontos para morder ou grasnar qualquer um que tentasse quebrar as regras de quarentena da covid-19 e entrar ilegalmente na China.

Eles não têm lealdade nenhuma. Isso é fundamental, pois como dizem em São Pedro de Alcântara, nem mesmo quem os alimenta todos os dias recebe tratamento favorável das criaturas. Além disso, delegaram a tarefa de cuidar das aves aos próprios prisioneiros, com a garantia de que os gansos trairiam facilmente os seus cuidadores, se necessário. Assim, todos os dias um pequeno grupo de reclusos sai das suas celas por bom comportamento e, entre outras atividades, devem alimentar os animais, um dos momentos mais temidos pelos reclusos.

E eles nunca dormem. Ou assim parece, é claro. A este respeito, o oficial Marcos Coronetti explicou que os responsáveis sempre têm dúvidas. Quando chega a noite, os gansos continuam vagando como se suas vidas dependessem disso,

- "Estão sempre patrulhando, andando como patos, parando, andando mais um pouco. É um mistério quando eles dormem", disse Marcos.

Todas as 40 raças conhecidas de ganso-doméstico são provenientes de apenas duas espécies: o ganso-bravo (Anser anser) e o ganso-africano (Anser cygnoides) Essa domesticação ocorreu há cerca de 4 mil anos, no Egito. Em cativeiro essas aves podem viver até 50 anos e sua criação se dá por diversos motivos: como animal de estimação, produção de penas para ornamentação e travesseiros, como alimento e também, como vemos, como animais de guarda, pois emitem chamadas estridentes quando percebem estranhos em seu lugar de moradia.