Há cerca de três bilhões de anos, uma bactéria fotossintética unicelular começou a expelir uma nova substância química que era venenoso para quase todas as espécies na Terra daquele antanho. Nas centenas de milhões de anos seguintes, mais micro-organismos começaram a produzir este gás tóxico, começando por saturar os oceanos da Terra e, por fim, a sua própria atmosfera. Na superfície, esta substância alterou a composição dos gases pré-existentes de forma tão drástica que causou uma idade do gelo global. Qual o nome deste gás poderoso e venenoso que mudou o mundo? Oxigênio. |
Nos milhões de anos desde a Grande Catástrofe do Oxigênio, a maior parte da vida, incluindo todos os organismos multicelulares, evoluiu para depender deste gás. Mas há alguns locais onde ressurgiram micro-organismos avessos ao oxigênio, como os dos primórdios da Terra, muitos desses locais estão nas profundezas do oceano, para lá do alcance dos pesquisadores.
No entanto, há outros corpos de água completamente desprovidos de oxigênio, mas suficientemente próximas da superfície para serem explorados. E um desses lagos esconde-se no alto do Vale de Piora, nos Alpes Suíços. Formado há mais de 10 mil anos, o Lago Cadagno é um dos cerca de 200 lagos meromíticos conhecidos.
O Lago Cadagno é um raro exemplo de meromixia crenogênica. Suas águas mostram uma estratificação permanente devido a um fenômeno geológico natural. A parte inferior é abundante em sais minerais dissolvidos, como sulfato, magnésio, cálcio, carbonato, originários de fontes sublacustres, enquanto a camada superior separada é permanentemente oxigenada. Ou seja, são duas massas de água distintas empilhadas uma sobre a outra. A camada superior funciona como uma massa de água doce normal.
Bactérias fototróficas anaeróbicas, entre elas a bactéria-purpura-do-enxofre (Chromatium okenii) prosperam entre as duas camadas, onde encontram as condições ideais para seu desenvolvimento. Tal ecossistema fornece uma boa oportunidade para estudar os metabolismos conectados com a eutrofização em um modelo estável, pois é bem conhecido que um dos estágios avançados da eutrofização é a meromixia biogênica.
O local é seguro para praticar a natação. O lago é conhecida sobretudo por uma abundante população de peixes que são objeto de lendas de pesca locais há séculos. Mas apenas 13 metros abaixo dessa abundância, há uma piscina densa, sulfurosa e sem oxigênio, letal para qualquer forma de vida multicelular, incluindo os peixes.
Em um lago comum, toda a massa de água acabaria por se misturar gradualmente, difundindo o oxigênio a partir da superfície. Mas estas duas camadas nunca se misturam, como acontece em qualquer lago meromítico. A razão para esta divisão no Cadagno é a composição química única das águas.
Ambas as camadas são alimentadas pela água da chuva que desce pelas montanhas, mas esta água pode seguir dois caminhos. Um é escorrer pela montanha granítica diretamente para a camada superior do lago. O outro é infiltrar-se nos filões de dolomita do Vale de Piora, uma rocha porosa cheia de sais como o sulfato.
A água da chuva que se infiltra na dolomita vai lentamente em direção ao lago, perdendo oxigênio e acumulando sais. Por fim, esta água mais pesada cairá em cascata das nascentes sublacustres por baixo da superfície do lago, formando a camada inferior densa e rica em sal.
Esta camada inferior é anóxica, ou seja, sem oxigênio, e sufoca qualquer forma de vida dependente de oxigênio. Mas é ideal para o tipo de bactérias anaeróbicas que morreram na Grande Catástrofe do Oxigênio. O caudal das nascentes sublacustres cria microambientes que alimentam grandes agregados de micro-organismos que emergem do leito do lago com formas estranhas e extraterrestres.
Vários micro-organismos anaeróbicos absorvem o sulfato da água e emitem sulfureto tóxico. E, como dizíamos, na fronteira destas camadas, há um fino manto composto principalmente por bactérias-purpuras-do-enxofre: uma bactéria fotossintetizadora que depende deste enxofre tal como a maioria das plantas depende do oxigênio.
Entretanto, embora nem a água nem os organismos se desloquem entre as camadas, estes ecossistemas não estão completamente separados. As bactérias-purpuras vivem no topo da camada inferior porque precisam de estar o mais próximos possível do sol para que possam praticar fotossíntese anoxigênica. Contudo, embora nunca entrem nas águas mortalmente oxigenadas, estão suficientemente perto para que organismos como o zooplâncton possam mergulhar, comê-los e voltar a subir.
Na verdade, esta relação constitui a base da robusta cadeia alimentar da camada superior que sustenta a lendária população de peixes do lago. Esta ecologia única é mais do que apenas uma dádiva para os pescadores de Cadagno. Ter acesso a um ecossistema anaeróbico isolado permite aos cientistas modelar o mundo antes da Grande Catástrofe do Oxigênio.
Por exemplo, quando as bactérias-purpuras formam o seu manto, aumentam a densidade dessa camada fina de água. À medida que a água afunda, estes micro-organismos são forçados a nadar para voltar para cima, criando uma mistura minuciosa de água chamada bioconvecção. Este fenômeno de milhares de milhões de anos pode ser uma pista para a forma como a vida primitiva desenvolveu a capacidade de nadar. E é apenas uma das muitas descobertas que aguardam os pesquisadores que estudam as misteriosas profundezas do Cadagno.
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