Cercado por duas poderosas nações europeias, o Canal da Mancha tem sido, há tempos, uma das passagens marítimas mais importantes do mundo. Porém, por boa parte de sua história, as costas rochosas e o clima tempestuoso do canal tornaram seu cruzamento uma probabilidade perigosa. Engenheiros do início do século 18 propuseram diversos planos para abarcar a fenda de 33 km. Os projetos incluíam ilhas artificiais ligadas por pontes, tubos submersos suspensos por plataformas flutuantes e uma passagem submersa duas vezes mais longa que qualquer túnel existente. No final do século, a última proposta chamou a atenção dos europeus. |
A invenção da tuneladora e a descoberta de uma camada estável de calcário no fundo do mar tornou esse incrível túnel mais viável. Mas nenhum engenheiro podia achar soluções para os obstáculos mais urgentes. Na época, os britânicos viam seu isolamento geográfico como uma vantagem estratégica e o receio de uma invasão francesa paralisou os planos para o túnel.
O surgimento de batalhas aéreas tornaram essas preocupações obsoletas, mas novas preocupações com a economia surgiram para substituí-las. Enfim, 100 anos após a escavação inicial, os dois países chegaram a um acordo: a construção do túnel prosseguiria com financiamento privado. Em 1985, um grupo de empresas francesas e britânicas investiram o equivalente, nos dias atuais, a 105 bilhões de reais, fazendo do túnel o projeto de infraestrutura mais caro até hoje.
O projeto exigia três túneis separados: um para trens com destino à França, outro com destino à Inglaterra e um de serviço entre os dois. Juntamente com tubos de cruzamento, passagens de emergência e dutos de ar, somava-se o aproximado a 200 km de túneis. Em 1988, os operários começaram a escavar dos dois lados, com o objetivo de se encontrarem no meio.
As primeiras medições da costa francesa revelaram falhas tectônicas no local. Estas pequenas rachaduras permitiam a infiltração de água nas rochas, então, os engenheiros tiveram que criar tuneladoras à prova d'água. Os ingleses previram condições mais secas e avançaram com brocas comuns. Mas após poucos meses, a água se infiltrou pelas fendas não detectadas.
Para perfurar o calcário úmido, os britânicos tiveram que usar argamassa para selar as rachaduras criadas pelo sulco da broca e até mesmo trabalhar à frente da broca principal para reforçar o calcário que seria perfurado. Vencidos os obstáculos, as duas equipes começaram a perfurar em velocidade máxima.
Broqueadoras de até 1,3 mil toneladas perfuravam quase 3,5 metros por hora. Ao cavar, instalavam anéis de isolamento para estabilizar o túnel atrás deles, abrindo caminho para vagões de apoio após a passagem de cada máquina. Mesmo em velocidade máxima, o trabalho tinha que prosseguir com cuidado. A camada de calcário seguia um caminho sinuoso entre rocha instável e lama, com mais de 100 perfurações feitas previamente por outros medidores.
Além disso, as duas equipes tinham que checar as coordenadas constantemente, para que pudessem se encontrar com uma diferença máxima de dois centímetros uma da outra. Para manter essa trajetória delicada, os perfuradores utilizaram sistemas de posicionamento por satélite, bem como paleontólogos, que usavam fósseis escavados para confirmar que estavam na profundidade correta.
Durante a construção, o projeto empregou em torno de 13 mil pessoas e custou a vida de dez operários. Mas após dois anos e meio trabalhando no túnel, os dois lados finalmente fizeram contato. O operário britânico Graham Fagg emergiu no lado francês, tornando-se o primeiro humano a cruzar o canal por terra desde a era do gelo.
Ainda havia trabalho a ser feito, desde instalar tubos de cruzamento e estações de bombeamento, a colocar cerca de 160 quilômetros de trilhos, cabos e sensores. Em 6 de maio de 1994, uma cerimônia de inauguração marcou a término do túnel. O atendimento completo ao público iniciou-se 16 meses depois, com trens de passageiros e linhas para carros e caminhões.
Hoje, o túnel do canal atende cerca de 20 milhões de passageiros por ano, transportando-os pelo canal em apenas 35 minutos. Infelizmente, nem todos têm o privilégio de fazer essa viagem de forma legal. Milhares de refugiados têm tentado entrar na Grã-Bretanha pelo túnel, muitas vezes, perdendo a vida. Só este ano nove migrantes morreram tentando cruzá-lo. Essas tragédias transformaram a entrada sul do túnel em um local de conflitos contínuos.
Em 15 de setembro de 2024, pelo menos oito migrantes morreram depois que seu barco afundou enquanto tentavam cruzar o Canal da Mancha. Isso eleva o número total de mortes no Canal este ano para 45, o maior número relatado desde 2021.
Com sorte, a história da estrutura talvez possa servir como um lembrete de que a humanidade mostra o seu melhor quando derruba barreiras e não impõe fronteiras.
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