A proibição total do plantio, cultivo, colheita e exploração da maconha em todo território nacional ocorreu em 25/11/1938 pelo Decreto-Lei nº 891 do Governo Federal, o que indicou que era totalmente ilegal e não tinha usos médicos reconhecidos. Durante décadas, essa visão persistiu e atrasou a pesquisa sobre os mecanismos e efeitos da droga. Naquela época ainda não sabíamos que a maconha contém dois compostos ativos principais: tetrahidrocanabinol, ou THC, e canabidiol, ou CBD, que foram isolados e identificados apenas em 1964 e 1940 respectivamente. |
Acredita-se que o THC seja o principal responsável pelos efeitos psicoativos da maconha no comportamento, na cognição e na percepção, enquanto o CBD é responsável pelos efeitos não psicoativos.
Hoje, os benefícios terapêuticos do CBD, não da maconha, são amplamente reconhecidos, e algumas nações legalizaram o uso médico ou estão seguindo nesse sentido, mas um reconhecimento crescente do valor medicinal do CBD não responde à pergunta: o uso recreativo da maconha faz mal ao cérebro? A maconha atua no sistema canabinoide do corpo, que possui receptores em todo o cérebro e corpo.
Moléculas naturais do corpo, chamadas endocanabinoides, também atuam sobre esses receptores. Não entendemos totalmente o sistema canabinoide, mas ele tem um recurso que fornece uma grande pista para sua função. A maioria dos neurotransmissores viaja de um neurônio ao outro por meio de uma sinapse para propagar uma mensagem.
Mas os endocanabinoides viajam no sentido oposto. Quando uma mensagem passa de um neurônio ao outro, o neurônio receptor libera endocanabinoides, que retornam para influenciar o neurônio emissor, dando basicamente a resposta do receptor. Isso leva os cientistas a acreditarem que o sistema endocanabinoide serve principalmente para modular outros tipos de sinais, amplificando alguns e diminuindo outros.
A resposta dos endocanabinoides diminui os índices de sinalização neural. Isso não significa necessariamente que diminua o comportamento ou a percepção. Por exemplo, diminuir um sinal que inibe os odores poderia, na verdade, intensificá-los.
Como os endocanabinoides, o THC diminui a sinalização ao se ligar aos receptores canabinoides. Mas ele se liga de uma só vez a receptores em todo esse sistema difuso e vasto, enquanto os endocanabinoides são liberados em um local específico em resposta a um estímulo específico.
Essa atividade generalizada, associada ao fato de que o sistema canabinoide afeta indiretamente muitos outros sistemas, significa que a genética, a química cerebral e a experiência anterior de vida de cada pessoa determinam, em grande parte, como ela experimenta a droga. Isso é verdade muito mais com a maconha do que com outras drogas que produzem seus efeitos por meio de um ou alguns caminhos específicos.
Portanto, os efeitos nocivos podem variar consideravelmente de pessoa para pessoa. Embora não saibamos exatamente como a maconha produz efeitos nocivos específicos, existem fatores de risco claros que podem aumentar a probabilidade das pessoas de experimentá-la. O fator de risco mais claro é a idade.
Em pessoas com menos de 25 anos, os receptores de canabinoides estão mais concentrados na substância branca do que em pessoas com mais de 25 anos. A substância branca está associada a comunicação, aprendizado, memória e emoções. O uso frequente de maconha pode interferir no desenvolvimento das regiões da massa branca e também afetar a capacidade do cérebro de desenvolver novas conexões.
Isso pode prejudicar a capacidade de aprendizagem a longo prazo e a solução de problemas. Por enquanto, não está clara a gravidade desse dano ou se ele é reversível. Mesmo entre os jovens, quanto mais jovem, maior é o risco, muito maior para alguém com 15 anos do que para alguém com 22, por exemplo. A maconha também pode causar alucinações ou ilusões paranoicas.
Conhecidos como psicose induzida por maconha, esses sintomas geralmente diminuem quando uma pessoa para de usar maconha. Mas, em casos raros, a psicose não diminui. Em vez disso, revela um transtorno psicótico persistente. Um histórico familiar de transtornos psicóticos, como a esquizofrenia, é o fator de risco mais claro, embora não seja o único, para esse efeito.
A psicose induzida por maconha também é mais comum entre adultos jovens, embora seja importante notar que os transtornos psicóticos surgem geralmente nessa faixa etária de qualquer maneira. O que não está claro nesses casos é se o transtorno psicótico teria aparecido sem o uso da maconha. Se o uso dela é um catalisador para um momento crítico que não teria sido acontecido de outra forma, ou se a reação à maconha é apenas uma indicação de um transtorno oculto.
Um estudo realizado há um par de anos testou a cognição de dezenas pessoas com o transtorno por uso de cannabis, caracterizada pelo desejo persistente de usar a droga e interrupção das atividades diárias, como trabalho ou educação. Os voluntários foram comparados com outras pessoas que nunca ou raramente usaram cannabis.
Os voluntários com a condição tiveram desempenho significativamente pior nos testes de memória da Bateria Automatizada de Teste Neuropsicológico de Cambridge (CANTAB) em comparação com os controles. Também afetou negativamente suas "funções executivas", que são processos mentais, incluindo o pensamento flexível. Esse efeito parece estar ligado à idade em que as pessoas começaram a usar a droga, quanto mais jovens, mais prejudicadas eram suas funções executivas.
Deficiências cognitivas também foram observadas em usuários leves de cannabis. Esses usuários tendem a tomar decisões mais arriscadas do que outros e têm mais problemas com o planejamento.
Embora a maioria dos estudos sejam realizados em homens, há evidências de diferenças entre os sexos nos efeitos do uso de cannabis na cognição. Enquanto os usuários de maconha tinham memória mais fraca para reconhecer visualmente as coisas, as usuárias tinham mais problemas com atenção e funções executivas. Esses efeitos persistiram ao controlar a idade; QI; uso de álcool e nicotina; sintomas de humor e ansiedade; estabilidade emocional; e comportamento impulsivo.
O uso de cannabis também pode afetar como nos sentimos, influenciando ainda mais nosso pensamento. Por exemplo, algumas pesquisas anteriores sugeriram que recompensa e motivação, juntamente com os circuitos cerebrais envolvidos nesses processos, podem ser interrompidos quando usamos cannabis.
Isso pode afetar nosso desempenho na escola ou no trabalho, pois pode nos fazer sentir menos motivados a trabalhar duro e menos recompensados quando nos saímos bem.
Há também evidências de que a cannabis pode levar a problemas de saúde mental, já que está relacionado a uma maior anedonia -a incapacidade de sentir prazer– em adolescentes. Curiosamente, esse efeito foi particularmente pronunciado durante as quarentenas da pandemia de covid-19.
Os efeitos cognitivos e psicológicos nocivos do uso de cannabis provavelmente dependem, em certa medida, da dosagem -frequência, duração e percentagem de THC-, sexo, vulnerabilidades genéticas e idade de início. Mas é preciso determinar se esses efeitos são temporários ou permanentes.
Um metaestudo de 2018 sugeriu que, com o uso moderado de cannabis, os efeitos podem diminuir após períodos de abstinência. Mas mesmo que seja esse o caso, vale a pena considerar os efeitos que o uso prolongado de cannabis pode ter em nossas mentes, principalmente para jovens cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento.
Em todas as probabilidades, o papel da maconha varia de pessoa para pessoa. Em qualquer idade, como em muitas outras drogas, o cérebro e o corpo tornam-se menos sensíveis à maconha após o uso repetido, o que significa que é preciso mais para obter os mesmos efeitos. Felizmente, ao contrário de muitas outras drogas, não há risco de overdose fatal por maconha, e mesmo o uso pesado não leva a sintomas de abstinência debilitantes ou com risco de vida se o uso for interrompido.
Porém existem formas mais sutis de abstinência de maconha, inclusive distúrbios do sono, irritabilidade e mau humor, que passam algumas semanas após a interrupção do uso. Então, a maconha faz mal ao cérebro? A resposta curta é "sim", sobretudo em jovens. A longa é mais complicada. Embora alguns fatores de risco sejam fáceis de identificar, outros não são bem compreendidos, o que significa que ainda há possibilidade de haver efeitos negativos, mesmo se você não tiver nenhum dos fatores de risco conhecidos.
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig ID: c048e5ac-0172-45ed-b26a-910f9f4b1d0a
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários
Tenho três amigos que, mesmo após décadas, insistem na Maria Joana. Todos ganharam depressão profunda nos últimos anos. E continuam usando.