O mundo viveu recentemente uma situação extraordinária com dois papas vivos: o Papa Francisco e o Papa Emérito Bento XVI, depois que Joseph Aloisius Ratzinger abdicou (ou foi abdicado?) em meio a uma série de revelações de crimes sexuais perpetrados por membros da igreja que ele encobriu. Ele renunciou ao papado em 28 de fevereiro de 2013, com a justificativa de sua idade avançada, tornando-se o primeiro papa a renunciar desde Gregório XII em 1415. A justificativa não fez muito sentido já que todos os papas dos tempos modernos permaneceram no cargo até a morte. |
Durante quase dois milênios, o Papa tem sido uma figura de suprema autoridade espiritual para católicos de todo o mundo. Mas no final do século XIV, os católicos tiveram não um, não dois, mas três Papas. De onde veio esta tríade? E entre eles qual era o verdadeiro?
As origens deste dilema papal começaram em 1296, quando o Rei Filipe IV, o Belo, da França centralizou em si todo o poder que era possível a um rei, e cercando-se dos melhores advogados e militares, expulsou o clero de toda a participação na administração da lei. Fez mais, pois decretou impostos ao próprio clero, a fim de financiar as suas guerras contra outros países.
Dado o poder político do clero, isto ofendeu Benedetto Gaetani, o Papa Bonifácio VIII, levando-o a escrever o "Unam Sanctam", um decreto radical onde ele declarava a superioridade do poder espiritual sobre o temporal e afirmava a total supremacia do Papa sobre governantes terrenos.
Em resposta, em 7 de setembro de 1303, um exército liderado por Guillaume de Nogaret, ministro-chefe de Filipe, surpreendeu Bonifácio em seu retiro na comuna de Anagni. Guillaume, em nome do rei, exigiu que ele renunciasse, Bonifácio porém, respondeu que preferiria morrer. Bonifácio foi espancado e quase executado, mas foi libertado da prisão após três dias por intervenção dos habitantes locais, mas morreu um mês depois em consequência da surra.
E depois de um sucessor de curta duração, o Papa Clemente V foi eleito em 1305. Como diplomata francês que procurava paz na guerra entre Inglaterra e a sua pátria, Clemente queria manter-se perto do conflito e fugir às exigências de Roma. Então, em 1309, ele mudou a sede do Papado para Avignon, uma cidade perto de França, mas na época pertencente a um vassalo da Igreja.
O Papado permaneceu ali durante os mandatos de sete Papas até o Papa reinante finalmente regressar a Itália em 1376. Mas alguns meses após a sua chegada, ele morreu repentinamente. Este desenvolvimento chocante significava que tinha de ser eleito um novo Papa imediatamente. E devia ser em Roma, onde já não havia uma eleição papal há mais de 70 anos.
Os romanos estavam determinados a eleger um dos seus e restaurar Roma como a sede da Cristandade Ocidental. As autoridades locais pressionaram os cardeais a escolher um Papa italiano, enquanto multidões desordeiras atacaram o conclave e saquearam a adega papal. No meio do caos, os cardeais elegeram o Arcebispo napolitano de Bari, Bartolomeo Prignano, que se tornou o Papa Urbano VI.
No início, Urbano foi visto como uma escolha segura. Mas rapidamente provou ser um reformador que queria limitar as finanças dos cardeais. Desesperados para manter os seus estilos de vida luxuosos, os cardeais declararam a recente eleição ilegítima, pois tinha sido decidida sob pressão da multidão romana.
Eles denunciaram Urbano como um usurpador do cargo papal e realizaram um novo conclave para eleger Giulio di Giuliano de Médici, o Papa Clemente VII. Clemente tentou excomungar Urbano, mas ele recusou-se a reconhecer a autoridade de Clemente ou dos seus cardeais gananciosos. Urbano nomeou novos cardeais para a sua corte e consolidou-se em Roma enquanto Clemente e os seus apoiadores voltaram para Avignon.
O cisma tinha começado oficialmente. A Cristandade Ocidental tinha agora duas capitais: Avignon e Roma, cada uma com o seu próprio Papa e corte de cardeais. À medida que os Papas de cada linha morriam, os cardeais nomeavam sucessores, continuando a crise durante décadas. Esta situação estranha não impactou a maioria dos católicos comuns, pois não houve divisões doutrinais significativas.
Em vez disso, o drama ocorreu no domínio diplomático. Os soberanos europeus foram forçados a escolher lados, pois ambos os Papas disputavam por supremacia espiritual e política. Apenas um Papa tinha a autoridade de convocar um conselho geral para resolver oficialmente o problema, e ambos os lados se recusaram a dar este passo.
Então, em 1409, um grupo de cardeais da França e Roma assumiu o controle das coisas. Afirmaram que já que ambos os Papas eram contestados, os cardeais tinham o direito de convocar um conselho. E na sua reunião, estes cardeais depuseram os impostores e elegeram um novo Papa. Infelizmente, tanto o Papa de Avignon como o Papa de Roma recusaram-se a reconhecer este conselho.
Em vez de resolver a crise, o número de Papas aumentou para três. Este arranjo invulgar durou mais cinco anos, até ao Concílio de Constança em 1417. Aqui, os Papas da linha romana e da terceira linha recentemente criada resignaram e concordaram em unir a Igreja sob a direção de Oddone Colonna, o Papa: Martinho V. Incontestável, Martinho excomungou rapidamente a única pessoa ainda contra ele: o Papa de Avignon, e finalmente acabou com o que ficou conhecido como o Grande Cisma do Ocidente após 39 anos.
O Grande Cisma do Ocidente teve implicações profundas tanto para a Igreja Católica quanto para o reino mais amplo da cristandade. Em sua essência, o cisma desafiou a própria noção de autoridade papal. Com múltiplos pretendentes ao trono papal, os fiéis foram confrontados com o dilema de qual papa reconhecer, levando à confusão e a uma crise de fé para muitos.
Essa divisão também teve implicações teológicas. O conceito de "infalibilidade papal" -a crença de que o papa fala em nome de São Pedro, isento da possibilidade de erro em questões de fé e moral- passou a ser fortemente questionado.
Se a Igreja pudesse ter vários pretendentes ao trono papal, cada um denunciando o outro, como os fiéis poderiam confiar na infalibilidade de qualquer papa? No âmbito mais amplo da cristandade, o cisma enfraqueceu a unidade que havia sido uma marca registrada da Igreja medieval. A própria ideia da cristandade -uma comunidade cristã unida sob a liderança do papa- foi minada.
O cisma semeou sementes de dúvida, não apenas sobre o papado, mas sobre a Igreja institucional como um todo.
Hoje em dia, os registros oficiais da Igreja dizem que a linha romana foi sempre o verdadeiro poder papal. Mas independentemente de como o cisma acabou, a sua existência prova que mesmo aqueles que deviam ser piedosos são suscetíveis a conflitos de poder mesquinhos. Afinal de tudo, Papas são homens.
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