Inverno de 1968, em pleno auge da guerra fria entre ambas as Coreias, 31 soldados assassinos norte-coreanos rastejam através da fronteira mais protegida do mundo e chegam até uma zona arborizada, por trás do palácio do presidente sul-coreano. A missão, que aconteceu em 21 de janeiro de 1968, tinha como fim assassinar o presidente sul-coreano Park Chung Hee, e acabou fracassando. Depois da falha, três meses depois, os sul-coreanos clamam por vingança e o governo planeja uma vendeta: nasce a unidade 684. |
Para esta missão foram recrutados 31 homens, todos criminosos de alta periculosidade que estavam na prisão, que foram levados até uma ilha no Mar Amarelo para a realização de um treinamento especial.
Só assim poderiam ser capazes de tentar uma missão, a priori, suicida. Deviam passar furtivamente pela fronteira, entrar em Pyongyang, e assassinar o líder norte-coreano: Kim Il Sung. Esta foi sua história, a da Unidade 684.
Os sicários da Coréia do Norte
Guerra de Coréia. Via: Wikimedia Commons
Quando terminou a Guerra da Coréia, depois das negociações em 1953 entre a ONU e as forças comunistas, o conflito não acabou, ao menos tecnicamente. Isto fez com que a Península Coreana permanecesse em um contínuo estado de guerra desde 1950 até praticamente hoje.
Passaram muitos episódios desde então, ainda que poucas como a ocorrida no final dos anos 60. Naquelas datas, as duas Coreias dedicaram-se a treinar equipes de operações para assassinar cada um dos líderes do bando contrário.
Primeiro foi a Coréia do Norte, que originalmente formou a denominada como Unidade 124, composta por 31 soldados do exército de elite da KPA. O objetivo desta unidade era passar pela famosa fronteira DMZ, infiltrar-se na cidade de Seul, chegar até a Casa Azul, e assassinar o presidente sul-coreano.
Os treinamento rigoroso
A Casa Azul. Via: Wikimedia Commons
O treinamento destes soldados transformados em sicários foi especialmente rigoroso. Por exemplo, deviam correr a cada dia 80 quilômetros em temperaturas abaixo de zero. Os soldados eram fanáticos leais a Kim il-Sung, treinados para usar todo tipo de armas pequenas, facas, inclusive suas próprias mãos. O treinamento chegou a obrigar-lhes a dormir em cima de cadáveres, um teste que media a valentia dos homens e os treinava ante o pior.
Quando a equipe estava pronta, a operação foi colocada em marcha. Em 21 de janeiro de 1968 a Unidade 124 saía do acampamento improvisado onde tinham permanecido nos últimos meses. De caminho a Seul foram descobertos por um grupo de irmãos sul-coreanos. Os quatro garotos estavam buscando lenha nas montanhas, a uns 40 quilômetros ao norte da capital.
Depois de sua captura, levaram-nos até o comandante, que teve que decidir em poucos minutos que fazer com os quatro adolescentes que estavam ameaçando a missão de suas vidas na qual estavam trabalhando por dois anos. O comandante decidiu perdoar-lhes a vida, fez um discurso sobre os ideais comunistas, e libertou-os após que os jovens juraram lealdade ao comunismo (quem não iria jurar?).
Kim Il Sung. Via: Wikimedia Commons
No entanto, aquilo foi um truque para escapar. Tão logo se viram livres, os quatro irmãos desceram a montanha e foram à polícia para alertar sobre o comando.
O incidente atrasou a missão 48 horas, o tempo que a unidade decidiu permanecer escondida. Finalmente, em 21 de janeiro chegaram à capital sul-coreana. A unidade usava uniformes do Exército da Coréia do Sul e conseguiu infiltrar-se nas áreas da Casa Azul. De forma muito calma, os sicários passaram vários controles de segurança fazendo-se passar por membros da polícia.
De repente, um sentinela alertou da presença do grupo. Iniciou-se um tiroteio e a Unidade 124 foi encurralada. Às forças de segurança somaram-se rapidamente os guardas do palácio e a polícia, impedindo toda a possibilidade de fuga.
Park Chung Hee. Via: Wikimedia Commons
O dia terminou com apenas dois membros da equipe vivos. Um deles, Pak Jae-gyong, conseguiu cruzar a DMZ na Coréia do Norte. De fato, converteu-se em um herói passando a ser general de quatro estrelas do KPA. O segundo, Kim Shin-jo, foi capturado pelos sul-coreanos e desertou em 1970. Como resultado, seus pais e familiares foram executados.
No entanto, a tentativa de assassinato não podia ficar assim. O presidente Park Chung-hee queria vingança, a cabeça de Kim il-Sung. De modo que fez exatamente o mesmo que seus "colegas" do norte: criar sua própria equipe de assassinos. Nascia a Unidade 684.
Os sicários da Coréia do Sul
Militares norte-coreanos em 1971. Via: AP
A Agência Central de Inteligência da Coréia (KCIA) formou a Unidade 684 três meses depois. O grupo devia infiltrar-se na Coréia do Norte e assassinar ao líder norte-coreano. A unidade era composta por 31 homens, mas em vez de serem soldados de elite do exército como seus vizinhos, seriam criminosos tirados das ruas e da prisão. Se conseguissem o objetivo, receberiam o indulto.
A unidade foi enviada à ilha de Silmido, uma ilha desabitada a 50 quilômetros da cidade de Incheon, onde realizaram um duro treinamento. O trabalho foi tão intenso que os tribunais sul-coreanos disseram anos depois que aconteceram violações dos direitos humanos.
Só para que tenhamos uma ideia, até sete homens morreram durante o treinamento, número que reduziu a equipe inicial. Ocorre que, após meses de trabalho onde mal podiam descansar, após, literalmente, suar e sangrar quase diariamente com os treinamentos mais sádicos imagináveis, a Unidade 684 jamais conseguiria luz verde para a missão.
O levante
Ilha de Silmido.
As relações entre Coréia do Norte e Coréia do Sul começaram a melhorar nos anos posteriores, e o presidente Park Chung-hee não considerou necessário um assassinato de alto nível.
O que ocorreu então? Que em 23 de agosto de 1971, os homens da Unidade 684 decidiram que tinham esperado o suficiente em Silmido. Bem mais do que o prometido pelo governo no começo. O que aconteceu depois foi um dos capítulos mais sangrentos na história do exército sul-coreano.
À noite antes do motim, dez oficiais compraram grandes quantidades de álcool com a permissão de seus superiores, e começaram a consumir a primeira gota dos últimos anos. Assim, na manhã de 23 de agosto, quase todos os oficiais estavam bêbados ou com ressaca enquanto os homens da Unidade 684 esperavam o momento oportuno.
O fim da Unidade 684
Fotograma de Silmido, o filme baseado na unidade 684. Via: AP
Às seis da manhã, a unidade irrompeu no acampamento de um dos oficiais e o mataram golpeando-o de forma selvagem na cabeça com um martelo, antes de passar ao restante. Naquele dia, só seis oficiais sobreviveram ao motim, os outros 18, de 24, foram assassinados a sangue frio.
A Unidade 684 conseguiu fugir de barco ao continente e sequestraram dois ônibus com direção a Seul para matar os homens que ordenaram sua conversão em armas. Após serem parados pelo Exército da Coréia, aconteceu um tiroteio no qual todos, exceto quatro, foram assassinados ou se suicidaram com granadas de mão. Os quatro membros restantes foram declarados culpados por um tribunal militar. Poucos dias depois foram executados.
Após o incidente, a Unidade 684 foi acobertada pelo governo sul-coreano. O tiroteio ocorreu em Seul, mas o governo afirmou que foram agentes comunistas armados. Ninguém sabia nem sequer que a Unidade 684 existia como parte da Força Aérea ou inclusive do exército até que a informação começou a vazar nos anos 90.
Mapa que mostra a posição de Silmido. Via: Wikimedia Commons
Foi depois disso que chegou Silmido, uma novela sobre a Unidade, junto ao posterior filme com o mesmo nome que estreou em 2003 e que ajudou a dar visibilidade e chamar a atenção entre o povo sul-coreano sobre o que tinha acontecido com a Unidade 684.
Seja como for, o governo sul-coreano não desclassificou de maneira oficial nenhum relatório sobre o grupo até 2006. Posteriormente, em 2010 a Corte Central do Distrito de Seul ordenou ao governo pagar 273 milhões de wons coreanos às famílias dos homens da unidade.
O tribunal considerou que os agentes de Silmido não estavam informados do nível de perigo que entranhava sua formação, e a dureza do treinamento violava seus direitos humanos básicos. Ademais, reconhecia a dor emocional que o governo causou a seus familiares ao não revelar oficialmente suas mortes até 2006.
Fonte: NY Times.
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