Por que um bando de maritacas invadiu a fachada de um prédio em São Paulo?

Ontem falávamos sobre como alguns papagaios da Amazônia, conhecidos como lameiros, têm o estranho costume de comer barro, quando o amigo Zé Roberto Isabella enviou um vídeo, via e-mail, de 2023, que mostra um grupo invulgar de maritacas, da espécie periquitão-maracanã (Psittacara leucophthalmus) roendo os tijolos de um prédio em Tatuapé, na zona leste de São Paulo. Conhecidas também como aratingas, as aves se reúnem no paredão de um edifício e tornam a estrutura alaranjada em esverdeada durante seu frenesi comendo tijolos.

O biólogo Kayron Passos disse ao UOL que a rotina das aves está na necessidade de "afiar a moela", um comportamento comum em aves que consiste em comer pedrinhas ou terra -sobretudo com galinhas-, com o objetivo de deixar a moela mais dura, pois como as aves não possuem dentes, é a moela que fica responsável em moer o alimento ingerido.

No entanto isso parece uma opinião bem equivocada, já que as aratingas poderiam "afiar a moela" em seu próprio entorno. Ainda que isso possa parecer estranho, à primeira vista, de fato, todos os psitaciformes, incluindo papagaios, periquitos, araras, maracanãs, tirivas, jandaias, cacatuas, entre outros, praticam a geofagia, ou seja, têm o costume de comer terra.

A geofagia ocorre em todo o mundo e em muitos tipos de animais, e os cientistas propuseram muitas explicações para o comportamento. Uma seria a desintoxicação, pois a argila pode se ligar a toxinas na dieta da ave, impedindo que sejam absorvidas pela corrente sanguínea. Isso pode ajudar os psitaciformes a comer mais plantas tóxicas quando a comida é escassa.

No entanto a explicação mais estendida e aceita é a de complementação de minerais à sua dieta. A argila ou tijolo pode fornecer minerais que estão faltando na dieta vegetal de uma ave, sobretudo o sódio, cálcio e ferro. Esses minerais são importantes para o funcionamento saudável do sistema nervoso e dos músculos.

Comer terra é mais comum dos que se pensa. Você nunca encheu a boca quando criança? Em seu livro "Desejo pela Terra: Compreendendo a Pica - a Vontade de Comer Argila, Amido, Gelo e Giz", a antropóloga nutricional Sera Young, da Universidade Northwestern, em Evanston, Illinois, Estados Unidos, fala sobre a geofagia em outra espécie: humanos, particularmente as grávidas. Sera cita relatos de mulheres grávidas comendo terra em todo o mundo, da Tanzânia e Irã ao Brasil e Estados Unidos.

- "Mulheres grávidas são a marca registrada da geofagia", disse ela. Há riscos reais associados à prática. Alguns solos estão carregados de contaminantes como chumbo. E comer muita terra pode substituir outros alimentos vitais em uma dieta. Então por que mulheres grávidas fazem isso? Ninguém sabe ao certo. Enquanto alguns pesquisadores atribuem a prática à cultura, outros sugerem hipóteses semelhantes às que os cientistas estão testando em animais.

- "A explicação do sal não se sustenta para explicar a geofagia humana", disse Sera, já que as dietas humanas normalmente não são privadas de sal. Mulheres grávidas e papagaios podem não desejar argila pelos mesmos motivos. E mesmo com os papagaios, Sera diz que gostaria de ver os pesquisadores seguirem seu estudo com um teste mais direto usando experimentos controlados de laboratório.

Sera também está equivocada, pois isso já foi feito por Donald Brightsmith e sua equipe no Projeto Arara Tambopata. Eles descobriram que as araras que vivem as margens do rio Masnu, no Peru, só comem argila de uma faixa específica de um paredão de terra. Ao analisar amostras eles descobriram que esta faixa tinha níveis muito mais altos de sódio do que as de cima e baixo.

Claro, uma vantagem que Sera tem sobre os pesquisadores animais é que ela pode perguntar diretamente às suas sujeitas de estudo por que elas comem argila:

- "Elas falam sobre a textura e o cheiro", disse ela. - "Então elas dizem, 'Eu gosto do sabor, mas o que me atrai é o cheiro de terra úmida. Minha boca só quer isso.'"

A palavra "maritaca" tem origem no termo tupi mba'é taka, que significa "coisa ruidosa, barulhenta". No Brasil, a maritaca também é conhecida por outros nomes, como maitaca, baitaca, ,maracanã, tiriva, cocota, humaitá, maitá, sôia, suia, caturrita, entre outros.

As maritacas gritam como forma de expressar alegria, frustração e necessidades, sendo um reflexo natural da espécie. Elas são aves amigáveis que gostam de contato com humanos, mas o barulho que fazem pode ser desconfortante.

Se você notar maritacas invadindo o forro da sua casa, pode tentar protegê-lo com metal, pois o bico delas é forte e pode arrebentar plástico.

As maritacas são animais silvestres protegidos por lei. Ainda que seja possível adotar uma maritaca, o processo é uma dor de cabeça sobretudo se ela for silvestre. Ela deve ser legalizada pelo IBAMA e para legalizar é necessário adquirir o animal de um criadouro ou estabelecimento comercial autorizado pelo IBAMA ou por órgãos ambientais estaduais ou municipais. Durante a compra, é importante exigir a nota fiscal como comprovação legal da origem do animal.

A maritaca é um animal silvestre, e a criação de aves silvestres sem autorização dos órgãos competentes é crime ambiental. A multa para quem é flagrada com aves silvestres sem autorização pode chegar a R$ 6 mil.