Seguindo dica do amigo Roger Laz, via FB, descobrimos que em meados do século XVI, a costa japonesa começava a ser frequentada por barcos portugueses e espanhóis, que por aqueles tempos já singravam o Pacífico. Além das sedas e especiarias, nestes mercantes costumavam ir também, como parte do lote, grupos de missionários, jesuítas em sua maioria, desejosos de coletar almas frescas para o Senhor naquelas terras pagãs. E há que dizer que não eram poucos os nobres japoneses que viam com curiosidade, e até com bons olhos, esta nova religião. |
Escultura de Yasuke. Via: Nicola Ross.
Entre estes afeiçoados às novidades estrangeiras estava Oda Nobunaga, o primeiro dos três grandes unificadores do império insular, que em 1580 tinha conseguido controlar meio país. Não era exagerado considerá-lo o rei de fato do Japão. Homem de inquieta inteligência e vanguardista, Nobunaga se dava bem com os jesuítas e, ainda que converter-se ao cristianismo não estava nos planos de um ateu convencido como ele, gostava de receber de quando em quando os frades em audiência para se informar de como era o mundo para além dos confins do arquipélago nipônico.
Imagem ilustrativa, possivelmente de uma representação teatral sobre Yasuke.
Mas contam as crônicas que, em um bom dia de 1581, a paz, que com tanto esforço tinha conseguido impor Nobunaga na capital, foi de repente alterada pela chegada de um pitoresco convidado. Recém chegado a Quioto, o missionário Alexandre Valignano, trazia em sua comitiva alguém cujo verdadeiro nome desconhecemos, mas a quem os japoneses não demorariam em batizar como Yasuke, um vassalo tão retinto como os etíopes da Guiné, mas nativo de Moçambique.
Não sabemos se Yasuke era a primeira pessoa de etnia negra a por os pés no Japão, já que não era raro encontrar escravos africanos nos galeões europeus da época. Mas, pelo jeito, devia ser o primeiro negro que viam na capital nipônica, porque as pessoas de Quioto ficaram loucas com ele.
Uma multidão efervescida se acotovelava dia e noite muito próximo da residência dos jesuítas. Aconteceram até grandes brigas para conseguir um bom lugar que possibilitasse divisar o portentoso homem. Todos queriam ver aquele ser misterioso de pele escura como o carvão.
As autoridades tiveram que intervir para pôr ordem naquela confusão. E a autoridade máxima de Quioto era Nobunaga. Assim que inteirou-se do reboliço, rapidinho convocou o responsável pela congregação jesuíta à corte para comprovar em pessoa a causa de tanta algazarra. Quando viu Yasuke surgir ante seus olhos, ficou fascinado. Não podia acreditar que essa pele tão escura fosse real.
De fato, suspeitando que os jesuítas estivessem tentando enganá-lo e pensando que se tratasse de um homem pintado de betume, Nobunaga mandou trazer uma enorme tina de água e pediu a seus servos que ensaboassem o pobre escravo. Só após ver que, banho após banho, aquilo não destingia, Nobunaga se convenceu de que não era uma enganação. Efetivamente, tinha ante sim um fulano negro como a noite sem lua.
O senhor dos Oda, sempre amigo das novidades, ficou encantado com a descoberta, e conseguiu que os jesuítas lhe cedessem Yasuke para trabalhar para ele. Mas Yasuke, um homenzarrão jovem, espevitado e sem papas na língua, seria algo mais que uma nova aquisição para a coleção de raridades de Nobunaga. As crônicas da época descreviam-no assim:
- "Aparenta entre 26 ou 27 anos, grande e escuro como um peixe-boi; tem a força de dez homens e bom discernimento."
Segundo contam, converteu-se em um membro destacado de seu séquito, até ao ponto de despertar invejas e intrigas no palácio. As más línguas diziam que Nobunaga, tão satisfeito com seus serviços como estava, acabaria por nomeá-lo senhor de algum castelo. Ainda que não há relatos sobre isso, há quem assegure inclusive que chegou a se tornar um samurai.
Este extremo é pouco provável mas, conhecendo o senhor dos Oda e seu gosto pelas excentricidades, também não é do todo descartável. De fato, alguns contos infantis japoneses assim o relatam e desenham. Se alguém chegou a ter alguma vez um samurai negro a seu serviço, esse foi Nobunaga.
Ninguém sabe quão longe poderia ter chegado o africano na corte japonesa, já que quando Nobunaga morreu em 1582, o nome de Yasuke sumiu definitivamente entre as brumas da História. Dizem que estava presente na fatídica noite da traição em que Nobunaga foi vítima do ataque de Akechi Mitsuhide, um de seus próprios generais.
Em um dos episódios mais famosos da história do Japão, por razões que ainda 400 anos depois não foram esclarecidas, Mitsuhide decidiu se rebelar contra seu senhor e invadiu o templo de Honnoji, em Quioto, onde Nobunaga pernoitava placidamente protegido por uma reduzida guarnição antes de se reunir com o grosso de suas tropas e partir à batalha. Ao amanhecer, as chamas tinham consumido Honnoji até os alicerces e o cadáver de Nobunaga desapareceu para sempre entre suas cinzas.
Segundo dizem, Yasuke teria feito parte dessa pequena guarnição de leais e teria lutado como um samurai mais tentando evitar o inevitável. Entre rescaldos fumegantes, as tropas rebeldes encontraram o homem ainda vivo, que foi levado ante seu general. Mitsuhide, que deve ter pensado que não valia a pena acrescentar sua cabeça à sua grande coleção e enviou Yasuke ao "templo bárbaro" -ou seja, a igreja dos jesuítas em Quioto- para que os seus cuidassem dele.
O mais provável é que, sob a tutela dos frades, tenha acabado em Goa ou em alguma outra de suas missões na Ásia. Quem sabe, até pode ser que o bom Yasuke tenha tido a sorte de voltar para casa e acabar seus dias em sua Moçambique natal.
Sem dúvida, teria um bom repertório de histórias com as quais assombrar seus compatriotas no seu regresso. Samurai ou não, podia presumir-se de ter servido na corte do senhor mais poderoso do Japão. Nada mau para alguém que começou sua viagem coberto de correntes em um barco negreiro.
Fonte: Rusmea.
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Comentários
Muito Bom!
Uau! Impressionante.
É só colocar o roteiro na mão do Francis Ford Copolla e isso vira um épico.