A imagem que ilustra este artigo já foi usada mais de um par de vezes em compilações de fotos históricas do MDig. As compilações são bacanas, mas muitas vezes deixam as considerações e contextos à margem. Por isso hoje decidi falar um pouco desta fotografia. Foi feita em algum momento de 1948, no interior de um lar para crianças com transtornos mentais em Varsóvia. A pequena se chamava Tereszka, e a fotografia foi tomada instantes depois da professora pedir que ela desenhasse o que lhe lembrava a palavra "lar". |
Para falar a verdade, nem antanho muito menos agora é possível verificar com exatidão o mistério dessas linhas caóticas que mostravam o que a menina expressava como um "lar", ainda que, sabendo de onde vinha Tereszka, é possível teorizar e tentar entender o arrepiante rabisco.
Como muitos outras crianças que sofreram o nazismo, a menina teria crescido dentro de um campo de concentração. Daí que anos depois, o fotógrafo David "Chim" Seymour, autor da fotografia, tenha explicado que tanto ela como alguns outros desenharam rabiscos de forma similar em sua particular visão de "lar".
Portanto, nessas linhas retorcidas bem poderia estar representado o horror dos campos, provavelmente o arame-farpado em que viveu e que acabou corrompendo e deformando sua mente. Vemos também em seus olhos, nem um brilho de inocência em um olhar penetrante e tenso,levando não poucos a pensar que este é o semblante mais macróbio de uma criança.
Mas, atenção, tem truque. Não os truques digitais que conhecemos na atualidade e nem muito menos que o famoso fotógrafo polonês tenha se prestado a fazer qualquer classe de edição no negativo. O truque se resumia na escolha pincelada das fotos.
Chim foi contratado pela UNICEF para fazer fotografias de crianças no pós guerra e nada melhor do que manifestar os horrores da mesma com o olhar perturbado de uma criança. Junte-se mais a isso a foto publicada na revista Life, com a legenda: "Os ferimentos das crianças não são todos externos. Aqueles feitos na mente por anos de tristeza levarão anos para se curar."
No entanto, as duas primeiras fotos não foram as únicas em que Chim fotografou a menina. Em uma terceira (abaixo), muito menos exposta na mídia, notamos que Tereszka não era todo aquele poço de perturbação. Pelo menos em aparência, não. Uma menina comum, eu diria.
Contam os livros de história que uma grande parte dos pequenos que sobreviveram ao Holocausto emergiram de esconderijos em coberturas, sótãos, conventos, mosteiros e casas distribuídas por toda parte da Europa. Até não faz muito tempo, muitos achavam que o terrível passado de Tereszka, possivelmente o que aconteceu em sua vida depois, uma vez libertada, também não foi especialmente liberador.
A maioria das crianças menores que foram salvas do genocídio acabaram com problemas mentais, órfãos, e sem sequer saber seu nome, os dos pais ou o país de origem. Por verdade, o futuro também não seria muito promissor para os maiores. Calcula-se que dos aproximadamente 200.000 jovens judeus deportados a Auschwitz, em torno de 7.000 adolescentes foram selecionados para trabalhos forçados. O resto foi enviado diretamente às câmeras de gás.
Nesta conjuntura e conhecendo o ideal higienista alemão, seria plausível imaginar que a assustadiça garota tenha sido gaseada. Mas é aqui que temos uma reviravolta na história e é muito pior do que qualquer roteirista de filme de guerra e drama poderia imaginar. A identidade de Tereska permaneceu um mistério por quase 70 anos, até que no ano passado uma jornalista e uma historiadora decidiram investigar a fundo história da menina.
Tereska Adwentowska vinha de uma família católica e era uma das duas filhas de Jan Klemens, ativista do Estado Undergrond Polonês, a Resistência. Viu seu ser pai ser surrado e, provavelmente, morto; mais tarde a avó foi baleada por soldados ucranianos que estavam ajudando os alemães a aniquilar a Revolta de Varsóvia. Nesse dia Tereska, também foi atingida por um estilhaço que causou danos a seu cérebro.
Ao fugir de Varsóvia após os atentados, Tereska, de 4 anos de idade, e sua irmã, Jadwiga, de 14, passaram três semanas tentando chegar a uma vila a 60 quilômetros da capital... a pé... em um país devastado pela guerra. Elas estavam morrendo de fome e aquele episódio cobrou um pedágio enorme na condição física e mental já debilitada da pequena.
Neste ponto há uma pequena lacuna na investigação. Lacuna esta que contempla o período em que Tereszka foi fotografada por Chim. Já em 1955 ela foi enviada para um lar para jovens especiais em Świecie, a 300 quilômetros de Varsóvia. Desde a mais tenra infância ela adorava desenhar, principalmente flores e animais.
Quando adolescente, acabou viciada em cigarros e álcool e começou a bater no irmão caçula. Foi ai que, a partir de meados dos anos sessenta, foi internada novamente, desta vez em um manicômio, o Asilo Tworki, perto de Varsóvia. Ali, as únicas coisas que significavam alguma coisa para Tereszka, eram cigarros, comida e seus desenhos.
Em 1978, quis o destino dar um epílogo ainda mais bizarro a vida da já moça, no referido asilo. Teresa roubou uma salsicha de outro paciente, saiu em disparada pelo corredor enquanto engolia o embutido inteiro, acidentalmente se engasgou e morreu. Se fosse viva hoje ela teria 78 anos.
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Comentários
Ela foi uma no meio de tantos milhões....
Ao ler este post, não consigo deixar de pensar nas crianças palestinas de hoje e no como somos indiferentes ao futuro delas.
Fácil trazer a lembrança do que ocorreu na Alemanha durante a guerra.
A tortura, o sofrimento, a crueldade retratada em imagens que sempre são mostradas mundo a fora.
Difícil de ver, compreender ou mesmo buscar qualquer justificativa para tal ocorrido.
70 anos se passaram e até hoje a impressão que tenho é que guerra e seus resultados ocorreram apenas naquela época em uma Europa que ficou arrasada, destruída e com sérios traumas para aqueles que sobreviveram ou mesmo que vieram ao mundo em um ambiente confuso e conturbado... mas... "a vida dá um jeito"
O presente que nos pertence e com todas as suas potencias tecnológicas e de informação nos fazem ficar em uma espécie de "zona de conforto" e indiferente ao que ocorre no mundo hoje.
São dezenas de conflitos e guerras ocorrendo simultaneamente, milhões de pessoas vivendo em abrigos sem perspectiva de ter o que comer ou para onde ir, crianças sendo diariamente sacrificadas e entregues a uma guerra de um mundo cruel e sem fim.
Penso que olhar exemplos do passado nos arremetem apenas a reflexões onde jamais poderemos modificar o que ocorreu, mas se observarmos o presente talvez ainda possamos fazer algo.
Não sejamos indiferentes ao que ocorre em nosso mundo hoje, mas claro sem tirar os olhos do passado.
Bela matéria.
HITLER LIXO FELIZMENTE SE MATOU, QUANTO AOS MALDITOS NEO NAZISTAS ESTA ESCÓRIA TEM QUE SER MORTA :D !!!