Em 1980, Portugal ficou chocado com a história de Maria Isabel Quaresma dos Santos, uma menina de 9 anos que passou toda a sua infância em um galinheiro, privada de qualquer interação e afeto humano. Por causa dos efeitos da convivência com as aves, que derivaram em seu comportamento, Isabel ficou conhecida como "Menina-Galinha". No entanto, investigações mais recentes da imprensa portuguesa indicam que há um boa dose de fakenews nas notícias de antanho. |
De acordo com um artigo publicado pelo Diário de Notícias em 1980, Maria Isabel Quaresma Dos Santos nasceu em 6 de Julho de 1970, numa quinta em Tábua, no distrito de Coimbra. Quando tinha apenas um ano de idade, sua mãe, que os médicos mais tarde diagnosticaram com problemas mentais graves, a trancou no galinheiro, porque não considerava a filha parte da família. Maria Isabel passaria os próximos 8 anos de sua vida neste lugar, cercada apenas por galinhas e sobrevivendo da mesma comida que as aves: milho, repolho picado e quaisquer sobras que a família usava para alimentar as aves.
Curiosamente, os irmãos mais velhos de Maria Isabel não compartilharam seu destino. Viviam vidas normais, dormiam na casa da família, frequentavam a escola e interagiam com outras crianças da comunidade local.
Mais tarde foi revelado que todos em Tábua sabiam sobre a menina que vivia dentro do galinheiro da família Santos, mas ninguém nunca os denunciou às autoridades ou tentou ajudá-la. Tábua era uma pequena comunidade rural naqueles tempos, e as pessoas se concentravam em trabalhar nos campos em vez de se meterem nos assuntos de seus vizinhos.
Jornal da época.
Embora a história da "Menina-Galinha" só chegou às manchetes em janeiro de 1980, a menina teve a oportunidade de escapar de sua prisão desumana quatro anos antes. Em 1976, uma de suas tias apresentou queixa contra seus pais e tentou fazer com que ela fosse examinada por médicos.
Maria Isabel foi diagnosticada com uma deficiência grave por médicos em Coimbra, que acrescentou que ela precisava ser hospitalizada para reabilitação. No entanto, não havia instituições que a levassem, então depois de ser rejeitada por vários hospitais e instalações mentais, a tia não teve escolha senão levá-la de volta para sua família.
Em 1980, Maria Bichão, técnica de radiologia do Hospital Torres Vedras, expôs o caso da menina à mídia e as coisas começaram a se mover na direção certa. Maria tinha conhecimento da situação de Maria Isabel por outras enfermeiras do hospital e queria ajudar.
Maria Isabel em 1988.
Ela levou a menina para casa por 15 dias, mas logo percebeu que precisava de ajuda profissional, então contatou jornalistas da capital para expor as condições em que ela vivia e os efeitos que isso teve em seu estado físico e mental, esperando criar consciência sobre o caso de Isabel.
- "É difícil imaginar que alguém possa sobreviver nas condições em que essa criança vive há anos. Mas ainda mais chocante é que o caso dela foi denunciado há quatro anos sem que nenhuma instituição tomasse as medidas necessárias para resolvê-lo", escreveu Maria Catarina, jornalista lisboeta.
Manuela Eanes, a primeira-dama de Portugal na época, desempenhou um papel importante nessa história, conseguindo que Isabel fosse levada para um centro de reabilitação em Lisboa. Os médicos ficaram chocados com o comportamento animal e a grave deficiência mental.
- "Pelo que observei até agora, posso dizer que se trata de uma criança que sofre de uma insuficiência intelectual causada, provavelmente, pelo abandono afetivo e social. O comportamento de Isabel é a nível biológico elementar, ou seja, reações primárias de um animal ou ser humano", disse João dos Santos, diretor do Centro de Higiene Mental da Criança em Lisboa, em fevereiro de 1980.
O jornal português Expresso relatou que apesar de estar profundamente triste e com medo, Maria Isabel nem sabia chorar, porque chorar é a primeira forma de comunicação entre os seres humanos e ela quase não teve contato com humanos durante a maior parte de sua infância.
Ainda mais chocantes foram os relatos sobre a maneira como Maria Isabel imitava o comportamento das galinhas. Ela dava pequenos passos e constantemente movia os braços, como se fossem asas. Ela não falava e só emitia cacarejos para se expressar. Como tinha sido alimentada apenas com restos de galinha, a menina apresentava sérios problemas de desenvolvimento e, apesar de ter dez anos, seu cérebro havia estagnado ao nível de dois anos de idade.
Mesmo uma década depois, Maria Isabel Quaresma dos Santos continuava a exibir gestos e comportamentos característicos do lugar onde crescera. Movia-se com passos pequenos e rápidos e, batendo os braços, continuava sendo uma das principais maneiras de se expressar. Aos 27 anos, ela começou a se mover sozinha em superfícies planas e se tornou menos agressiva.
- Apesar de não falar, ela é muito inteligente, independente e se adaptou muito bem ao seu ambiente. Ela sabe como mostrar o que quer e o que não quer", disse Cristina Conceição, psicóloga que trabalhou com Maria Isabel, em 2002.
Maria Isabel vive em uma clínica em Fátima há 16 anos e, sem revelar muitos pormenores, para preservar a dignidade da paciente, o jornal Expresso informa que ela estava muito bem quando recentemente completou 48 anos de idade.
A história da Menina-Galinha de Portugal foi recontada por quase quatro décadas, mas no início deste ano, uma investigação do Expresso revelou que os jornais da década de 1980 podem ter exagerado suas reportagens.
Maria Isabel em 1991.
Foi verdade que Maria Isabel vivia em um galinheiro, mas apenas porque sua mãe, que sofrera danos cerebrais devido à meningite, a deixava sozinha enquanto trabalhava na agricultura. No entanto, os vizinhos dizem que não havia galinhas, pois a família era muito pobre.
A imitação de galinha de Isabel aparentemente foi toda inventada pelos jornais para vender mais cópias. De fato, ela sofria de graves deficiências mentais devido à falta de contato humano e afeto, mas seu comportamento aparentemente não tinha nada a ver com a imitação de aves, senão que era exatamente como ela se expressava.
Cuidadores da instituição em que Isabel vive há 22 anos sempre foram muito protetores, recusando-se a permitir que alguém a fotografasse e até negando pedidos de cientistas portugueses e estrangeiros que desejavam estudá-la. Ela aparentemente tem o nível cognitivo de uma criança de 4 anos de idade.
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