Durante um verão mormacento de 1935, o público se acotovelava no aquário Coogee, de Sydney, para ver um tubarão-tigre do qual tanto falavam. O animal nadava solto no tanque temático onde estava exposto, mas de repente começou a dar sinais de agitação e em poucos instantes vomitou um pássaro, uma ratazana enorme e um braço humano intacto. Como assim? Semanas antes deste estranho acontecimento aquele tubarão vivia em liberdade, o que também não explica como demônios foi parar em seu estômago um braço humano intacto, sem mordedura. Como chegou até ali? |
Aquele vômito ia ser o princípio de uma investigação policial lendária. Uma que muito provavelmente só poderia ocorrer na Austrália. No início do mês de abril de 1935 um homem capturou um tubarão-tigre de 4 metros. Tratava-se de Bert Hobson, um pescador local que se encontrava a três quilômetros da praia Coogee, em Sydney. Bert capturou o tubarão por acaso, já que o animal ficou enredado na rede da embarcação enquanto tratava comer outro tubarão menor.
Para o pescador não era a primeira vez, ainda que jamais tinha visto um tão grande. O homem decidiu levá-lo à orla para depois transladá-lo ao Coogee Aquarium and Swimming Baths, um negócio tocado por seu irmão. Depois de alguns dias de cuidados e mimos por parte dos cuidadores, o tubarão-tigre parecia sentir-se a gosto e já havia se adaptado a seu novo "lar". Uma semana depois o irmão de Hobson decidiu que já está pronto para o grande público.
25 de abril de 1935 foi o dia escolhido. O aquário estava lotado porque tinham anunciado a exposição de um enorme tubarão-tigre que faria as delícias das crianças. Às 2 da tarde as lonas que cobriam o tanque onde estava o animal foram retiradas e as pessoas começaram a aplaudir. O tubarão nadava sinuosamente de um lado para outro para o assombro das crianças que o viam através do vidro.
Praia de Coogee no início dos anos 1900.
Os jornalistas e repórteres dos principais jornais também tinham ido ao local para cobrir a apresentação do espécime. Mas após 10 minutos de admiração ao animal na água, algo estranho aconteceu. O tubarão começou a se mover-se violentamente, parecia muito irritado. Seus movimentos passaram a ser erráticos e começou a bater a cauda contra o vidro do tanque. Nadou em círculos, a princípio muito lento e depois cada vez mais rápido.
Finalmente começou a vomitar e um uníssono "Óh" ressoou em meio ao público. Os presentes falavam de uma espécie de espuma preta que saía da boca, uma espuma que deu passagem em primeiro lugar a um pássaro, depois a uma ratazana enorme ou algo muito parecido, e quando parecia que o animal estava se recuperando, cuspiu um braço esquerdo humano com um pedaço de corda marrado nele.
Rapidamente os promotores do espetáculo cobriram o tanque, conduziram o público para fora e chamaram a polícia. A polícia trouxe consigo um especialistas em tubarões, mas ninguém sabia muito bem como explicar o que estavam vendo. Sim, era um braço humano, mas era um braço intacto, sem mordedura alguma do tubarão, não tinha nem uma marca de dentes e a extremidade parecia ter sido seccionada com um instrumento afiado, provavelmente uma espada, pensaram.
Aquilo era sem nenhuma dúvida o caso mais estranho que tinha chegado à polícia de Coogee. Como diabos podia o tubarão ter engolido um braço intacto? Baseando-se em conjecturas, nada sério ainda, deram à investigação um caráter de homicídio. Um jornal local teve acesso aos relatórios iniciais da investigação e constatou a tatuagem de dois boxeadores lutando, que se encontrava no bíceps do braço. A ideia, ainda que possa parecer surrealista, era que o jornal publicasse a imagem com a esperança de que, ou bem o dono do braço, ou bem algum conhecido, explicasse como pôde chegar até ali.
E assim foi. Poucos dias depois um homem ligou para a polícia dizendo que tinha reconhecido a tatuagem. Ele disse à polícia que o braço pertencia a seu irmão James Smith, um bookmaker entusiasta do boxe, além de um ladrão "pé-de-chinelo" e informante ocasional da polícia, cujo paradeiro era desconhecido a várias semanas.
Os investigadores já tinham uma pista. Foram até as casa dos familiares e amigos de James para tentar averiguar quais foram seus últimos passos antes de desaparecer. A última vez que o viram vivo foi em uma pousada de Cronulla, um subúrbio de Sydney. Um conhecido viu James bebendo e jogando cartas com seu amigo Patrick Brady, outro pequeno delinqüente fichado pela polícia com numerosas penas de falsificação.
À medida que a investigação avançava ia ficando mais claro que aquela noite algo tinha dado muito errado para os dois amigos. O senhorio de Patrick disse à polícia que seu inquilino havia desaparecido do apartamento pouco depois que James desaparecesse (e antes que o aluguel vencesse). Quando os policiais entraram com o locatário no apartamento descobriram que o colchão e o baú do dormitório tinham sido substituídos, as paredes foram lavadas e um bote, incluído com o apartamento,estava molhado.
Recorte de jornal da época.
Parece que já tinham um suspeito, Patrick. Agora faltava o motivo. E não demoraram muito a encontrar. Pouco depois um taxista disse à polícia que no dia seguinte que James foi visto pela última vez, ele tinha levado Patrick até o norte de Sydney e o deixou em uma casa de um homem de negócios chamado Reginald Lloyd Holmes. Também disse aos investigadores que Patrick parecia nervoso e muito sujo quando entrou no carro.
Reginald Holmes era um tipo temido da época, um construtor de barcos e um empresário de sucesso, mas também um homem muito próximo do submundo criminoso de Sydney na década de 1930. Foi com base nisso que a polícia descobriu que tanto James como Patrick trabalhavam no contrabando para Reginald. Eles eram os encarregados de usar as lanchas para ir buscar cocaína e cigarros transportados anteriormente por barcos que trabalhavam com o empresário.
O tipo também orquestrou fraudes de seguros em que Patrick e James tinham colocado fogo e afundado, de forma intencional, vários barcos para depois receber o dinheiro do seguro. Os detetives pensaram então que na possibilidade de que um destas fraudes tivesse fracassado e a companhia de seguros tivesse se negado a pagar, alguém relacionado com Reginald teria matado James.
Patrick e Reginald foram detidos e interrogados pela polícia, mas ambos se negaram a cooperar. Patrick finalmente foi acusado de assassinato e ante as pressões da polícia acabou entregando Reginald. Quando este notou que estava encurralado, tentou fugir em uma de suas lanchas. Mais tarde deu um tiro na própria cabeça e caiu na água, com a má (ou boa?) sorte que a bala apenas roçou sua testa.
Reginald recuperou se na água, voltou ao barco, ligou o motor só para ver como barcos da patrulha da polícia marítima se aproximava. Assim começou uma perseguição ao estilo Miami Vice (mas em Sydney) onde depois de uma hora e através do porto da cidade o público acompanhou as peripécias de Reginald com sua incrível lancha rápida em frente aos barcos antigos da polícia.
Região onde ocorreu a cena "Miami Vice".
Quando por fim o combustível acabou e sem poder driblar os policiais, Reginald se rendeu e a polícia o levou ao hospital, pois o homem estava jorrando sangue na testa devido disparo frustrado. Depois chegou o momento de dar explicações. À princípio Reginald tentou alegar uma suposta tentativa de suicídio e a fuga no barco dizendo que fora atacado em sua casa -confundindo posteriormente à polícia com os agressores-.
Mais tarde afirmou que Patrick tinha assassinado James no apartamento do primeiro, logo fez picadinho dele e enterrou a maior parte do corpo no mar dentro do baú que fora trocado no quarto. No entanto, e aqui vem por fim a explicação do braço, ficou com o membro e o levou até a casa de Reginald, ameaçando que ele ia terminar da mesma forma se não lhe pagasse o que devia. Depois Patrick amarrou um peso no braço e jogou na água, onde provavelmente já sabemos onde foi parar: o tubarão tigre engoliu.
A verdade é que esta foi a versão de Reginald, a mesma que tinha pensado repetir no tribunal. Ocorreu que o homem foi assassinado a noite anterior do começo do julgamento, quando dispararam três vezes em seu carro. Ainda que a cena do crime e o comportamento recente do empresário podiam fazer pensar que se tratava de um suicídio, seu iminente depoimento apontava a um assassinato para mantê-lo calado.
Cronulla (Sydney).
Com o tempo muitos passaram a pensar que Reginald efetivamente havia se suicidado. Supostamente teria feito para evitar qualquer vergonha a sua família em relação a seus crimes (só foram divulgados no julgamento) e sobretudo, para permitir-lhes que recebessem um polpudo seguro de vida. Com Reginald morto o caso de Patrick veio abaixo. Seu advogado argumentou que todas as provas eram circunstanciais e, talvez mais importante, que “um braço não é um corpo, e sem corpo não há homicídio".
O advogado foi tão sarcástico que chegou a insinuar que seria possível que em algum lugar do planeta existisse um James Smith com apenas um braço. O juiz, com base nas alegações rocambolescas (mas legais) alegações da defesa, não teve outra alternativa que acatá-las e d Patrick foi solto.
De modo que o assassinato de James jamais foi resolvido. Patrick morreu em 1965 e o pobre tubarão-tigre que engoliu seu braço tatuado foi sacrificado pouco depois em busca de mais partes do corpo de James. Não encontraram mais nada.
Hoje, apesar de decorridos mais de 80 anos desde aquela curiosa cena no tanque de Coogee, nunca, nem antes nem depois, foi possível ver um espetáculo tão insólito em um aquário do planeta. A investigação sobre o assassinato de James Smith (e seu braço cortado) é contada como uma das mais lendárias da história legal na Austrália.
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig ID: c048e5ac-0172-45ed-b26a-910f9f4b1d0a
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários
Agora só resta entender como a ratazana e o pássaro foram parar na barriga do tubarão.