O dia em que Dom Pedro se enfiou no meio do mato para imortalizar uma das maiores obras de seu tempo

Todos temos um ou mais passatempos que nos ajudam a viver a vida com mais leveza, qualidade e alegria. Eu tenho vários, só não tenho muito tempo para praticar todos. O meu mais recente hobby é colorizar fotos antigas dando a elas as cores que permitam que nos aproximemos muito mais do passado, muitas vezes já esquecido. Algumas vezes compartilho estas fotos no meu perfil do Facebook e hoje alguém me lembrou, que esta, em questão, não deveria estar apenas na rede social.

A foto completa feita por Marc Ferrez.

Ocorreu que alguns dias atrás encontrei uma foto no acervo da Biblioteca Nacional que é simplesmente fantástica. A foto foi feita, ainda com o processo de colódio úmido, por um cara chamado Marc Ferrez, em cuja história e talento vamos mergulhar em um artigo futuro. A imagem retrata a família imperial e toda uma comitiva enfiada no meio do mato, na divisa entre os estados de São Paulo e Minas nos idos de 1882. Mas que diabos eles faziam ali?

Bem, para responder a esta pergunta é preciso primeiro um pouco de contexto histórico. No final do século XIX, Minas era um dos maiores produtores rurais do país, mas não havia vias para o estado escoar sua safra para o porto de Santos ou do Rio, os únicos existentes à época. No meio do caminho tinha uma serra, a da Mantiqueira.

A foto original feita com o processo de colódio úmido.

Dom Pedro II tinha claro em mente que era necessário construir uma ferrovia que ligasse Minas com a malha já existente entre São Paulo e Rio. Foi assim que gestou a ideia de The Minas and Rio Railway, todo um desafio de engenharia naquele tempo.

Como trens não sobem serras inclinadas, sobretudo carregados, era necessário a construção de um túnel que transpusesse os paredões da Mantiqueira por baixo dela. O paredão menos inexpugnável ficava entre as cidades de Cruzeiro, no Vale do Paraíba paulista e Passa Quatro, no sul de Minas e minha cidade natal.

A foto apenas com a família imperial e sua comitiva.

Hoje temos o Túnel de Lærdal, com mais de 25 km, na Noruega, mas nos anos 1800, construir um túnel com mais de 1 km era coisa de gente maluca, uma utopia. Mas o bom Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança e Bourbon achou que não era devaneio. Foram precisos 3 anos para a empreitada e em 1882, Dom Pedro e toda a família imperial foram até o local do túnel, quando ainda estava em construção, fazer uma foto para a posteridade.

No primeiro plano da fotografia podemos ver Dom Pedro II, sua esposa Dona Teresa Cristina e os filhos Afonso Pedro, Pedro Afonso e princesa Isabel (de vermelho) com seu marido conde D'Eu. Atrás da imperatriz, no último plano, aparece o Ministro da Guerra Afonso Augusto Moreira Pena, de chapéu depois de engolir uma andorinha. Há outros personagens estranhos na foto: um russo, um chinês e um cara que parece usar uma perna de pau.

O túnel está localizado no fundo de um abismo, um verdadeiro cafundó que esconde as botas do Judas. Inclusive hoje é de difícil acesso se não for pelo meio ferroviário. Então é difícil imaginar o que toda esta gente fez para chegar até ali naquele dia chuvoso de 1882.

Dona Teresa Cristina fazendo uma pose duas e dez: - "Ai... Pedrão, com esta adaga você me mata."

A passagem subterrânea também foi cenário de triste destaque durante a Revolução de 1932, quando se tornou cenário da principal batalha travada entre as tropas paulistas e as mineiras leais ao ditador Getúlio Vargas, quando mais de 250 paulistas perderam a vida no local.

Este trecho da ferrovia comporta também mais dois túneis menores, que, à primeira vista, parecem desnecessários. Não se sabe ao certo se a construção desses foram preceitos de aprendizado para o túnel maior ou apenas a tara de um engenheiro.

A parte superior da foto, que eu ainda não colorizei (espero uma resposta do acervo se existe alguma outra foto com maior resolução) mostra alguns operários da obra, que, eu acredito, que sejam em sua maioria de escravos já que faltava ainda seis anos para a Lei Áurea.