Estranhos quadrúpedes humanos (5 fotos)

Antes de aprender a caminhar, os bebês engatinham, como muitas espécies de primatas e outros animais; mas estamos acostumados a pensar que ser quadrúpede é somente um estágio no processo de hominização junto a processos paralelos como a aquisição da linguagem. A evolução nos tornou bípedes, no entanto, há algumas exceções que põem em dúvida a ubiquidade de caminhar sobre nossas extremidades posteriores.

Como muita literatura antropológica já testemunhou antes, existem seres humanos que caminham em quatro extremidades sem que exista em aparência nenhuma diferença em seu cérebro. Inclusive em nossos dias: em 2004 o caso de uma família da Turquia fez com que os cientistas evolutivos questionassem a normalidade do movimento bípede. Os membros da família vivem em uma aldeia rural, afastada de todo contato humano alheio a eles mesmos. Todos caminham em "quatro patas".

Em uma série de estudos demonstraram que as crianças podiam caminhar nos dois pés, simplesmente nunca o tentaram. Também descobriram que alguns tinham um desenvolvimento deficiente do cerebelo, a área do cérebro que controla o equilíbrio; no entanto, alguns adultos sem cerebelo são capazes de caminhar, de modo que esta explicação não é lá muito satisfatória. Alheia às determinantes biológicas e fisiológicas, uma explicação cultural poderia explicar melhor os aparentemente estranhos hábitos da "família urso", como são chamados.

O pai da família caminhava em "quatro patas" mais de um quilômetro por dia para recolher latas e garrafas para vender e manter a sua família. A eficiência da locomoção quadrúpede mostrou-se muito útil tanto para ele como para seus filhos, que nunca receberam a pressão social para aprender a andar em duas pernas, esse estímulo extra que vem dos pais e que a criança provavelmente adquire, em um princípio, para comprazer seus pais. Aprender a caminhar, a falar e a ir ao banheiro sozinho são em boa parte aprendizagens motivadas e recompensadas culturalmente. Evolutivos? Nem sempre.

Ademais, a "família de ursos" vive em uma zona sumamente afastada de outros humanos, motivo pelo qual os cientistas consideram que construíram sua própria cultura, por assim dizer. Depois que sua história foi difundida através de um documentário (vídeo ao final do post), as crianças receberam terapia motora e se tornaram bípedes, mas a história segue propondo perguntas relacionadas com a literatura do século XIX que testemunhou histórias de meninos-ferozes, será que uma criança abandonada e sozinha aprenderia a falar e a caminhar? Será que nosso conceito de normalidade é uma série de hábitos culturalmente adquiridos? Poucos anos após a transmissão do documentário descobriram outros casos de meninos quadrúpedes, uma família de três irmãos no Iraque e também algumas famílias na América do Sul.

Ser bípede representou um salto evolutivo considerável: os fósseis de hominídeos mostram evidência de caminhadas pré-históricas inclusive milhões de anos antes do desenvolvimento de ferramentas simples, antes de que nosso cérebro adotasse sua forma atual e muito, muito antes do desenvolvimento da linguagem. Caminhar pode ser uma de nossas heranças evolutivas mais valiosas, mas pode ser menos importante do que assumimos. Após tudo, como espécie somos muito jovens no planeta, e nosso material genético pode nos surpreender com comportamentos -chamados pelos cientistas "evolução reversa"- que foram a norma durante mais tempo do que os seres humanos pisamos à Terra.

Fonte: Slate.