A antiga arte italiana da fiação de "seda marinha" quase se perdeu, na atualidade somente uma mulher ainda sabe como produzir o tecido incrivelmente raro, quase mágico. Enquanto a seda moderna é fiada por lagartas, Chiara Vigo coleta a saliva de uma variedade rara de mexilhão, Pinna nobilis, o maior molusco bivalve nativo do mar Mediterrâneo (pode alcançar até 1 metro), e o transforma em um material brilhante dourado, chamado bisso ou linho fino. |
Diz a lenda que o bisso foi o tecido que Deus instruiu Moisés a colocar no primeiro altar. Acredita-se que este foi o tecido mais fino conhecido no Egito, Grécia e Roma. Se tratado adequadamente com suco de limão e especiarias, o material notável brilha quando exposto ao sol. Também é incrivelmente leve, tanto assim que a pessoa não pode sequer senti-lo tocar a pele. Dizem que o bisso é tão fina quanto uma teia de aranha, resistente à água, ácidos e álcoois.
Entre os antigos povos do Mediterrâneo, cuja vida era ligada ao mar, o bisso era fartamente produzido. Fenícios, caldeus e egípcios foram os maiores protagonistas da história do bisso. As quantidades recolhidas de Pinna nobilis eram abundantes e suficientes para confeccionar teias e bordados destinados aos faraós, pessoas abastadas, políticos e religiosos.
Com a difusão da lagarta da seda, o molusco não podia competir com a contínua e ilimitada produção e, ademais, estava condicionado pela trabalhosa técnica, na qual se especializavam apenas poucas famílias.
Chiara reúne a matéria-prima necessária para tecer a seda marinha a cada primavera: ela sai no início da manhã para mergulhar e cortar a saliva solidificada do molusco. Ela dominou a técnica de corte especial que permite retirar o material secretado sem matar o mexilhão. 300 a 400 mergulhos mais tarde, ela é capaz de reunir cerca de 200 gramas de material.
Uma vez que ela tem o material pronto, ela começa o processo de tecelagem em seu estúdio, o Museu do Bisso, na ilha de Sant'Antioco da Sardenha. Ela começa por deixar o material de molho em uma mistura de oito algas. Quando está seco, ela enrola os filamentos finos em conjunto com um fuso, para formar o fio dourado. Ela gira os fios várias vezes para fortalecê-lo, para que possa então ser utilizado em um tear antigo. O bisso é muito delicado e arrebenta quando colocado em um tear moderno.
De acordo com Chiara, essa forma de arte nasceu há 10.000 anos pelo menos no antigo Oriente Médio, e foi trazida para Sant'Antioco pela princesa Berenice, a bisneta de Herodes, o Grande, durante a segunda metade do primeiro século.
- "A própria Bíblia menciona indiretamente o bisso", diz Angela Corrias, uma editora do Go Nomad. - "Lembre-se, quando se diz que o rei Salomão apareceu 'brilhante' em público? Por que você acha que isso aconteceu? Ele estava vestindo roupas feitas de bisso, que no escuro parece marrom, mas uma vez na luz, brilha como ouro".
As peças de Chiara são exibidas em museus em Roma, Londres, Nova York e Paris, e foram presenteados a presidentes e papas. Cada peça é estimada em centenas de milhares de dólares, mas, surpreendentemente, ela não aceita nenhum dinheiro em troca do material que ela produz tão meticulosamente.
- "Seria como comercializar o vôo de uma águia", diz ela. - "O bisso é a alma do mar. É sagrado". Acreditam realmente que o tecido traz boa sorte e fertilidade, de modo que ela dá o tecido de graça para todas as pessoas que se aproximam para ajudá-la.
- "Antes eram imperadores [que usavam linho], agora são as mulheres jovens e casais recém-casados. Eu teço para pessoas comuns, pobres, pessoas em necessidade".
Chiara, que aprendeu a arte da tecelagem do bisso com sua avó, disse que tecer a seda do mar é um ofício que a sua família vem fazendo ao longo dos séculos:
- "Não é questão de dinheiro, jurei a minha avó e ao mar que conservaria a arte do bisso. O segmento mais importante para a minha família foi o fio de sua história, sua tradição". Ninguém em sua família ganhou um centavo com isso. Chiara e seu marido moram em sua pensão e recebem doações ocasionais feitas por generosos transeuntes.
Aparentemente, ninguém na história foi capaz de comercializar a tecelagem de linho fino, que provavelmente é a causa de ser uma arte esquecida. Evangelina Campi, uma professora de história italiana, revelou que existia um número de mulheres hábeis com o bisso até a era de Mussolini. Algumas delas até tentaram montar um negócio e ganhar dinheiro com isso.
- "A fábrica funcionou apenas três meses e fechou", disse ela. - "Esta é uma coisa que você não pode lucrar. Estranhamente, algo ruim aconteceu com todas as pessoas que queriam fabricar bisso em larga escala no passado. É como se Deus enviasse uma mensagem".
A porta do Museu do Bisso está sempre aberta e a entrada é grátis. Quem visita o museu encontra uma Chiara Vigo sempre disposta a falar com os visitantes. A visita começa diferente a cada vez, porque é modificada segundo a necessidade das visitas. É possível observar o trabalho de Chiara: a fiação, o tear e o tecido das fibras. A pedido, podem ser realizadas lições a alunos que tenham escolhido este tema como tese de estudo.
Acredita-se que algumas mulheres idosas da região saibam como tecer a seda do mar, mas Chiara é a única pessoa na Itália, que colhe e produz o tecido regularmente. Ela também passa suas noites falando sobre a arte para aqueles que estejam interessados. Sua filha, uma estudante no norte da Itália, tem a intenção de seguir os seus passos.
Segundo a tradição, um mestre percebe quando é o momento de ir, cedendo o lugar a quem lhe sucederá. Chiara crê ser só um instrumento desta arte, que deverá ser mantida pela filha ou quem quiser aprender, mas, de preferência, que sua sucessora também não venda jamais o bisso.
Fonte: BBC
Fotos Chiara Vigo.
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Comentários
Museu Pigorini, localizado na Praça Guglielmo Marconi.
Olá Bom dia!
Você poderia me dizer em qual Museu de Roma posso ver essas seda?
Estarei em Roma em setembro e quero muito ver de perto essa Seda;
Desde já muito obrigada!
Att,
Queila Vendramin
Muito interessante!
Que Deus lhe dê muitos e muitos anos de existência,para que possamos aprender mais com seus conhecimentos.Parabéns!
Mto massa a reportagem! Apenas algumas conaiderações para torna la mais fidedigna: o maior bivalve do mundo nao eh esse, eh a familia dos tridacna, que abertos podem atingir 3 metros.
O bisso também não é a saliva do molusco, e sim uma secreção que ele ultiliza pra se fixar no chão.
Otima materia!
Me deu vontade de ir lá, ver o tecido,pegar. Incrível! Mais incrível porque nem sabia da existência do bisso!!
Benditas as maos de quem a produz ganhar ou aprender essa técnica é um milagre divino
Impressionante.
Bah... Imagina...
Nunca ia saber disso..!!!
Fiquei louco pra pegar esse tecido na mão...!
:-o