A última coisa que pensou David Jessen no dia em que chamaram à polícia porque tinha um mendigo em seu sítio era que horas depois ia estar irreconhecível. Nesse dia acabaram montando uma operação policial similar ao de um filme de Michael Bay. Uma operação surrealista para capturar o misterioso homem, que supostamente era perigoso e estava armado, e que causou um tremendo prejuízo ao dono do imóvel. A história aconteceu no final de 2016 na localidade de Clovis, condado de Fresno, no estado americano da Califórnia. |
Segundo podemos ler no processo aberto por David em março de 2017, seu sítio, nos arredores da cidade, ficou destroçado depois da entrada em ação de vários agentes policiais.
No dia dos fatos descobriram um andarilho dormindo em um armário de uma casa abandonada. Este homem foi expulso da casa, saiu pacificamente e foi à casa de Jessen. Ali foi descoberto por um dos funcionários que trabalhava para Jessen e este fez o que devemos fazer nestes casos: chamar a polícia.
A cidade de Clovis
Jessen foi notificado pouco depois, foi a sua casa e encontrou quatro carros oficiais da polícia estacionados em sua residência (um deles no gramado). Quando desceu do veículo viu um agente gritando com um megafone na frente da casa.
A polícia disse a ele que o mendigo se negou a sair e ameaçava disparar em qualquer pessoa que entrasse. A polícia perguntou então a Jessen se ele tinha armas na casa. O homem disse que sim, mas duas estavam descarregadas e sem munição e a terceira estava escondida tão bem que só ele poderia encontrar.
Nesse momento pediram que ele removesse a sua caminhonete e saísse da área para sua própria segurança. Os policiais também pediram uma chave da casa e que abrisse a garagem antes de que fosse. Jessen e sua família foram então para a casa de um amigo. Várias horas mais tarde ligaram dizendo que podia regressar a seu lar.
Quando Jessen voltava dirigindo seu carro para o sítio, ele viu ao longe algo incomum. Contou aproximadamente uns 55 ou mais veículos da polícia. Ao chegar a um ponto não conseguiu continuar, um policial pediu que estacionasse o carro e que a partir dali fosse caminhando até sua residência.
Jessen não deu muito crédito ao que estava vivendo. No caminho tropeçou com um agente da SWAT, este o deteve, Jessen disse que era o dono e o policial comunicou que:
- "Não há nada a temer, a operação foi um sucesso."
- "Operação? Mas que porra de operação é essa?", pensou Jessen.
Depois cruzou com um segundo Xerife do Condado de Fresno. A conversa foi mais inquietante desde o momento em que o homem lhe deu um cartão dizendo
- "Temos um seguro para tudo isto, não se preocupe."
Se Jessen não tinha entendido errado, um xerife acabara de entregar-lhe um cartão de um seguro porque as coisas não saíram exatamente como o planejado. Efetivamente, aquilo era um convite para consertar todos os defeitos durante o "assalto" a sua casa. Quando o homem chegou finalmente ao sítio, encontrou outro Xerife do Condado que lhe mostrou a magnitude dos danos.
Jessen não acreditou no que viu, aquilo era injustificável. Mais ainda se levarmos em conta que a "operação" se tratava de capturar uma única pessoa desarmada, provavelmente faminta e rodeada de policiais. Alguém que não deveria representar nenhum perigo e que havia cooperado horas antes para sair da casa próxima em que se encontrava.
A ação policial, cujo registro histórico para deter um andarilho, incluiu:
- Mais de 50 viaturas.
- Uma unidade K-9.
- Dois helicópteros.
- Duas ambulâncias.
- Um caminhão de bombeiros.
- Uma equipe de negociação de crise.
- Um robô.
- Uma equipe da SWAT.
É verdade que os oficiais poderiam estar preocupados de que a pessoa sem-lar tivesse utilizando uma das armas de Jessen -apesar de que reafirmou que estavam descarregadas, mais uma oculta-. Mesmo assim, deviam ter um monte de opções disponíveis que não incluíssem tudo o que acabaram fazendo:
- Arrancaram as portas de ferro forjado da casa.
- Quebraram ao meio a porta interna do escritório de Jessen.
- Derrubaram a parede do escritório.
- Arremessaram bombas de fumaça nos banheiros resultando na quebra de toda a louça.
- Quebraram a porta de vidro de correr dos fundos da casa para a entrada do robô.
- Arrancaram a porta de ferro da lavanderia, além de lançar bombas de fumaça inutilizando tudo o que tinha ali dentro.
- Quebraram outras seis janelas da casa.
- Arremessaram bombas nos dormitórios e cozinha inutilizando todos os armários e quebrando todos os utensílios.
- Finalmente também patrolaram grande parte do exterior da residência destruindo todo o jardim e derrubando plantas e pequenas árvores.
Quanto ao andarilho, seus estragos ascenderam a uma janela quebrada, um caixa de leite e um picolé, a “arma” que segurava debaixo da mesa quando este descomunal destacamento policial entrou na casa (com robô incluído).
David Jessen alega uma longa lista de violações constitucionais, uma atividade militar que foi implementada e completada sem a solicitação, aprovação ou consentimento do homem. Uma operação que acha que finalmente se transformou em algo mais próximo a um treinamento "no mundo real", um em uma zona perfeita: uma área sem carros e afastada da urbe com a qual podiam colocar em prática táticas ou o próprio armamento.
Desde o início Jessen já sabia que seria pouco provável que o litígio resultasse favorável a ele, pois isso implicaria que as agências policiais utilizaram deliberadamente suas equipes de treinamento na casa de um civil. E ele não estava errado. Em abril passado, o Tribunal de Apelações do Nono Circuito deu más notícias a ele: desestimou seu processo e afirmou que não seria ressarcido em um tostão dos 150 mil dólares que teve que gastar para reformar o sítio depois da operação policial desastrosa.
O tribunal negou todas as acusações de Jessen, inclusive a sua teoria de que seu sítio foi utilizado como um campo de treinamento perfeito para membros inexperientes da equipe da SWAT.
A decisão chegou mesmo a conclusão deprimente de que os cidadãos e suas casas estão à mercê dos policiais em situações como essas. O tribunal disse que a ocorrência promoveu apenas as consequências não intencionais da aplicação da lei e que todo cidadão tem que arcar com elas.
E o que ocorreu com o andarilho "perigoso"? Segundo Jessen, o homem agora corta a grama de seu jardim para ganhar uns trocados e, lógico, um picolé.
Fonte: TechDirt.
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig ID: c048e5ac-0172-45ed-b26a-910f9f4b1d0a
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários