É possível que você já tenha ouvido esta história. Em fevereiro de 1992, Stella Liebeck, uma idosa de 79 anos, foi a um McDonald's, em Albuquerque, Novo México, junto a seu neto. Ela pediu um café, colocou o copo no colo e quando foi abrir a tampa acabou derramando o líquido fervendo. As queimaduras permitiram que ela processasse o gigante da comida rápida e ganhasse perto de três milhões de dólares. Surpreendente, mas a história não foi exatamente assim como geralmente é contada. |
Stella May Liebeck nasceu em Norwich, Inglaterra, em 14 de dezembro de 1912. Em 27 de fevereiro de 1992, ela pediu um copo de café de 49 centavos da janela drive-through de um restaurante em Albuquerque, Novo México. Stella estava no banco do passageiro de um carro que não tinha porta-copos. Seu sobrinho estacionou o carro para que ela pudesse adicionar creme e açúcar ao café com o carro parado.
O café derramado
No entanto, a idosa, que levava o café entre suas pernas, teve um desgraçado acidente. Enquanto retirava a tampa derramou o líquido fervente sobre seu colo. O resultado foi terrível. O café, estimado posteriormente a uma temperatura dentre 82 e 87 graus, deslizou por suas pernas, virilha e nádegas. Para cúmulo dos males, suas calças de algodão absorveram o café extremamente quente e mantiveram-no diretamente contra sua pele.
Como consequência disso, sofreu queimaduras de terceiro grau sobre 6% de seu corpo e outro tipo de queimaduras em 10% adicional. Passou oito dias no hospital fazendo enxerto de pele e tratando as as feridas em seus genitais, pernas e traseiro.
Durante esse tempo, perdeu 20% de seu peso corporal (chegou a pesar apenas 40 quilos) e teve que suportar uma série de enxertos de pele junto a um procedimento onde os médicos eliminaram o tecido morto das feridas, conhecido como debridamento ou asseio cirúrgico (tremendamente doloroso). As queimaduras também deixaram a senhora com cicatrizes significativas e parcialmente incapacitada durante dois anos.
O McDonald's não quis assumir a responsabilidade
A primeira vez que Stella entrou em contato com o McDonald's para contar o que tinha acontecido, ela pediu que cobrissem apenas o custo total de suas faturas médicas. Ao que parece, precisava de uns 10.000 dólares. O McDonald's pensou desde o primeiro momento que eles realmente não tinham nada a ver com a forma em que ela derramou o café, portanto, não eram responsáveis. Em qualquer caso, ofereceram um pagamento de 800 dólares. Stella recusou a oferta e decidiu contratar um advogado.
Tratava-se de Reed Morgan, que decidiu rapidamente aceitar o caso de Stella. A verdade é que, por incrível que pareça, não era a primeira vez que Reed enfrentava uma demanda por derramamento de café quente do McDonald's. Alguns anos antes representou uma mulher de Houston que também teve queimaduras de terceiro grau por culpa do café. Aquele caso foi resolvido fora do tribunal com a demandante recebendo 27.000 dólares em danos e prejuízos.
Resulta que se a gente observar o número de processos daquela época, nem o caso da idosa nem este último foram únicos. O McDonald's teve que lidar com um grande número de demandas contra a temperatura de sua bebida. De fato, na década entre 1980 a 1990, a empresa recebeu mais de 600 reclamações de clientes que se queimaram com o café, e pagou mais de meio milhão de dólares para resolvê-las. Um detalhe importante: muitos dos ferimentos relatados nestes casos eram surpreendentemente similares aos de Stella.
A infrutífera tentativa de resolver o caso amigavelmente
Reed ofereceu-se a resolver o caso antes que fosse a julgamento por uma soma de 300.000 dólares, mas a equipe legal do McDonald's se negou inexoravelmente. Ambas as partes também assistiram a uma mediação antes do julgamento, e o mediador recomendou à companhia pagar a Stella um acordo de 225.000 dólares. Uma vez mais a McDonald's negou-se.
Neste ponto é fácil perguntar-se a razão que levou a empresa a se fechar em copas, quando no passado tinha aceitado outros acordos. Alguns especulam que queria dar um soco na mesa, resolver a questão de uma vez por todas para evitar ter que seguir tratando com estas demandas "frívolas" sobre o café quente.
No entanto, escolher um caso no qual uma mulher frágil, uma idosa para o grande público, que tinha se queimado gravemente, como objetivo, talvez não tenha sido o plano mais inteligente. Seja qual for o motivo, o julgamento começou pouco depois.
O gigante “sem coração”
Stella no julgamento Via: AP
A equipe de advogados do McDonald's argumentou que, em primeiro lugar, Stella foi descuidada segurando o café entre suas coxas, e que ela deveria ter tirado as calças imediatamente depois de derramar o café. Também declararam que teriam que baixar a temperatura do café a níveis desagradáveis para eliminar por completo o risco de tais queimaduras.
Por sua vez, a equipe da idosa disse que, a 87 graus -a temperatura que McDonald's servia o café- demorava uns três segundos em produzir queimaduras de terceiro grau, e que baixar a temperatura a 70 graus seria bem mais seguro, precisando então de 20 segundos para causar queimaduras similares.
Então chegou a vez do depoimento do senhor Christopher Appleton, um gerente de controle de qualidade do McDonald's. Quando o homem foi interrogado por Reed, revelou que sabia que o café era servido a temperaturas perigosas para os clientes, quando assim foi questionado:
- "O Senhor sabe que, de fato, o café é um perigo a 87 graus?". No que o home respondeu:
- "A essa temperatura alta o café é um perigo!"
Christopher também disse que os clientes não podiam beber o café com segurança nos primeiros minutos após recebê-lo, deviam esperar que esfriasse um pouco. Reed prosseguiu com a seguinte questão:
- "Tenho curiosidade, porque lhe mostrei aqui gravações de umas 700 pessoas que foram queimadas pelo café do McDonald's no passado. Obviamente, para você 700 pessoas queimadas não é um número suficientemente alto para reduzir o calor", disse o advogado. - "Você tem em mente um número de quantas pessoas teriam que se queimar para que isso passe a ser uma preocupação e a empresa insista com os especialistas para que façam algo e que se venda a uma temperatura menor?"
- "Não, não tenho um número em mente", respondeu o gerente de controle de qualidade. Christopher também declarou que a companhia não tinha nenhuma intenção de mudar suas políticas de temperatura do café, apesar do que aconteceu a Stella e a outros antes dela, enfatizando que:
- "Temos problemas mais graves nos restaurantes."
Apenas um número estatístico
Já o McDonald's contou com um engenheiro como testemunha, que assinalou que o número de lesões era estatisticamente insignificante quando comparado com a venda anual de milhares de milhões de copos de café.
Justamente aqui temos uma das chaves. Ainda que isso fosse inequivocamente verdadeiro em todos os aspectos que defendiam, ser indiferente -ainda que aparentemente- sobre as lesões dos clientes, foi realmente o problema, o xis da questão que explicava por que o McDonald's perdeu este processo.
Foi assim que esta frivolidade deixou constância, sobretudo após as entrevistas que foram realizadas com alguns dos membros do júri após o julgamento. Um deles disse que se no começo via como um julgamento "bobo" onde não - "entendia muito bem se tudo se devia a um derrame de café", com a passagem dos dias todos mudaram de opinião.
A punição: dois dias de venda de cafés - 2,7 milhões de dólares
Isto ocorreu, nem tanto pelo que aconteceu a Stella ou as circunstâncias do caso específico, senão, como um dos membros do júri assinalou mais tarde, pela - "... aparente insensibilidade e desprezo pela segurança das pessoas que o McDonald's exibiu no caso". Outro jurado assinalou que - "... tinha uma pessoa por trás de cada número, e não acho que a companhia estivesse dando suficiente importância a isso, para eles era puro número".
Finalmente, o júri passou pouco tempo decidindo que
o McDonald's era responsável pelas feridas de Stella. Inicialmente concederam-lhe 200.000 dólares por seus ferimentos, ainda que foi reduzido a 160.000 dólares após decidir que a mulher confessou pelo menos 20% da responsabilidade pelo incidente.
Ademais, outorgaram-lhe danos punitivos ou danos utilizados com o fim de enviar uma mensagem à parte responsável, por um montante de 2,7 milhões de dólares adicionais. O júri chegou a este número após determinar que o McDonald's estivesse vendendo aproximadamente 1,35 milhões de dólares em café a cada dia, e o montante deveria ser equivalente a dois dias de vendas de café para a companhia.
O valor recebido por Stella
Em qualquer caso e contrário à lenda, Stella não embolsou essa dinheirama, ao menos relativo ao registro público. O juiz reduziu os danos punitivos a 480.000 dólares, levando o julgamento a um total de 640.000 dólares.
Esta história, além de se transformar em uma pequena lenda onde uma pobre idosa venceu o gigante da comida rápida com uma processo milionário, foi curiosa por outra razão: a maioria das grandes companhias passaram a acrescentar grandes etiquetas de advertência em suas bebidas quentes. A ironia é que as etiquetas advertem que essas bebidas quentes, estão muito quentes.
Stella morreu em 5 de agosto de 2004, aos 91 anos. Segundo sua filha, as queimaduras e os processos judiciais cobraram seu preço e nos anos seguintes ao acordo sua mãe não teve qualidade de vida. o McDonald's não reduziu a temperatura de serviço de seu café. Já o McDonald's não reduziu a temperatura de serviço de seu café e continua a enfrentar ações judiciais sobre café quente com a mesma frivolidade.
Fonte: Huff Post.
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