Ontem quando falávamos sobre a maior distância que pode ser percorrida de carro no planeta, citamos en passant o Vazio de Darién e achamos que seria uma boa ideia falar sobre o local em específico. Para muitos dos viajantes que tentaram percorrer a América dirigindo um carro, há uma obsessão, um pequeno pedaço de selva, uma brecha no caminho que lhes obriga a parar. Trata-se dessa região de Darién, ainda que como é conhecida popularmente já dá uma pista do que vamos encontrar: um estreito instransponível. |
O Livro Guinness dos Recordes diz que a estrada mais longa do mundo é a Panamericana, em realidade todo um sistema de vias de com aproximadamente 50.000 quilômetros que vincula "quase" todos os países do Continente Americano com um trecho unido de estrada.
Desde que a estrada Dalton do Alasca foi inaugurada em 1974, a Panamericana se estendeu para o norte até os campos petroleiros da Baía Prudhoe. Enquanto seu termo mais meridional é um estacionamento de cascalho no Parque Nacional Terra do Fogo, no extremo sul da Argentina. Ali, um letreiro assinala claramente ao que você irá se expor se pretender ir até o norte: "Alasca: 17.848 km".
Dois parágrafos acima, quando falamos que a Panamericana "quase" liga o continente, é porque há uma exceção de aproximadamente 130 quilômetros, o "estreito". Quando chegamos ao enclave encontramos uma área de selva e pantanosa localizada no limite da América Central, no Panamá, com a do Sul, na Colômbia, e que historicamente funcionou como uma barreira natural ligação rodoviária entre ambos os continentes.
A região do Darién é uma mistura de contrastes, desde o vasto pântano do lado colombiano até os picos com mais de um quilômetro do lado panamenho. Em qualquer caso, dirigir ali é pouco menos que uma questão de fé porque é muito difícil construir estradas. Ademais, a região também está dominada por uma selva tropical protegida, lar de várias tribos indígenas, e, à princípio, proporcionaria uma barreira útil para mitigar o narcotráfico e a propagação de doenças.
Um Corvair abandonado na mata durante uma tentativa de travessia fracassada em 1961.
Tanto é assim, que na atualidade a maioria dos viajantes evitam a brecha de 130 quilômetros de barco ou avião. Por suposto, nem todos. Algumas almas aventureiras tentam a caminhada por terra. Por exemplo, uma expedição de 1960 cruzou o vazio de Jeeps e Land Rovers durante cinco meses, com uma média de 200 metros por hora, e o livro de 1988 de George Meegan, "The Longest Walk", descreve sua passagem de sete anos desde a Terra do Fogo ao Alasca, incluindo seu trânsito por Darién a pé.
Por verdade, com a pesquisa que foi feita junto a à expedição do 60, conseguiram ajudar a estabelecer o Parque Nacional Darién como Patrimônio da Humanidade da Unesco.
Doze anos depois, o navegador e Coronel John Blashford-Snell, dirigiu uma equipe de 60 pessoas em Range Rovers no que ficou conhecida como a primeira viagem completa por estrada entre o Alasca até o Cabo de Fornos, e sim, através de Darién também. De fato, a seção da rota foi descrita como o desafio mais difícil de sua carreira.
Se remontamos ao princípio da história, os espanhóis fizeram seu primeiro assentamento no continente americano na região em 1510, ainda que não se saíram muito bem durante vários anos antes de serem expulsos pelas tribos dali. Depois foram os escoceses.
Após estabelecer uma colônia comercial costeira em 1698, a maioria dos colonos pereceu de doenças e ataques. A perda esgotaria a riqueza escocesa o suficiente para comprometer sua independência menos de uma década depois, quando o país optou por assinar o Tratado da União.
Hoje, o estreito é ainda mais perigoso do que foi no passado, um deserto sem lei onde, inclusive com um guia, não é fácil se manter afastado dos perigos derivados do narcotráfico e de imigrantes que não tem nada a perder.
Mas por que é tão difícil construir uma rodovia ali?
Na verdade não é. Com a tecnologia atual seria fácil superar os acidentes geográficos e construir uma autoestrada transpondo o Darién, os verdadeiros obstáculos hoje são sócio-econômicos e ecológicos:
- Os conservacionistas acreditam que abrir um estrada ali faria do Darién um espaço não protegido ecologicamente, já que abriria uma "avenida" no coração da selva.
- A nenhum dos governos tem interesse devido aos altos custos, para basicamente levar a civilização a um lugar onde nunca chegou.
- O transporte fluvial, o de drogas e de migrantes é o único sustento para muitas famílias.
- O estreito é uma grande rota do narcotráfico proveniente da Colômbia, Equador e Venezuela, disputado por cartéis mexicanos, guerrilheiros e paramilitares.
Com efeito, em 2018, um turista americano tentou cruzar o vão caminhando, encontrou um grupo guerrilheiro que o confundiu com um informante e o metralhou.
Para que ocorra um semelhante projeto de rodovia, seria necessário um enorme investimento privado em hotéis, postos de gasolina e outra infraestrutura que possa representar algo de utilidade, de modo que já não seria unicamente traçar a estrada senão também alterar drasticamente o ecossistema e rezar para que os políticos não roubem o dinheiro das obras...
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig ID: c048e5ac-0172-45ed-b26a-910f9f4b1d0a
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários
Nâo há interesse porque não tem lucro envolvido. Se tivesse petróleo na região já tinha até Hyperloop entre os dois países.
é... pelo jeito essa estrada vai demorar mais alguns séculos para aparecer =\