As aldeias montanhosas do noroeste do Himalaia são o lugar habitado mais alto e remoto do planeta. Ali os modos de vida permaneceram inalterados nos últimos 2.000 anos, onde famílias exploram a questão universal de manter a unidade exibindo a extraordinária capacidade do espírito humano de sobreviver e prosperar em circunstâncias difíceis e com recursos escassos. Devido a vida extremamente difícil, as famílias, que não podem se permitir, enviam seus filhos, com não mais que 5 anos, para serem educados na capital, Catmandu, na esperança de dar a eles melhores oportunidades de vida. |
Em geral, quando falamos em internato ou colégio interno nos referimos a um estabelecimento escolar em que os alunos, além de estudar, também vivem entre seus pares, retornando para a casa dos pais nos fins de semana ou, no máximo, do mês. Mas devido a distância homérica entre Catmandu e a Região do Himalaia, complicada ainda mais pela dificuldade de alcançar suas aldeias remotas, por dez anos ou mais estas crianças não veem ou falam com seus pais.
As crianças não tem os meios para voltar nem seus pais para visitá-los no internato e muitos chegam mesmo a acreditar que foram abandonados ali, porque eles simplesmente não tem ideia da real dificuldade que é chegar até seus vilarejos.
A escola interna beneficente, chamada SnowLand -daí o nome do documentário-, é dirigida por um monge budista e tenta absorver o maior número de alunos -limitados a 150- vindos de famílias humildes que não tem acesso a educação ou alfabetização. Snowland, que depende integralmente de doações, funciona pelo método de coletivização: os alunos mais velhos cuidam dos menores e dos afazeres que mantém a funcionalidade do internato.
Quando se formam no segundo grau, muitos desses alunos, aos 15 ou 16 anos, vão buscar vagas no mercado de trabalho de Catmandu e usualmente conseguem empregos facilmente porque a escola tem cursos profissionalizantes. Só após esse período, em que juntam algum montante de dinheiro, eles podem decidir se querem voltar a ver seus pais ou não.
Só existem duas formas de alcançar as aldeias de montanhas do Alto Himalaia: de bimotor entre Catmandu e Lukla, no aeroporto mais perigoso do mundo, ou de ônibus entre Catmandu e Shivalaya seguido de uma caminhada de ao menos 7 dias até Lukla. Ambas não são necessariamente baratas: uns 1.200 reais de avião e 500 de ônibus, o que representa muita grana para estes jovens.
A partir de Lukla, a caminhada pode variar entre 3 e 12 dias com dependência da localização da aldeia e como o corpo desses adolescentes vai reagir a aclimatação ao mal da montanha, já que 10 anos na capital roubaram a maioria dos seus talentos e resistências xerpas, que, em realidade, eles nem tiveram tempo de desenvolver.
Os adolescentes que fazem a jornada de volta para casa enfrentam uma árdua e longa caminhada pelas montanhas que os leva ao lugar habitado mais alto do planeta; uma terra distante, fora da rede, onde o modo de vida não mudou por milhares de anos, e onde seus pais estão esperando para ver filhos criados em um mundo de telefones celulares, mídias sociais e conveniências mais modernas.
Estas são as histórias assustadoras, comoventes, tristes e engraçadas contadas pelo documentário "Children of the SnowLand", que foi lançado como uma prévia no Festival Internacional de Cinema de Montanha de Katmandu, o principal festival internacional de cinema do Nepal, e que ganhou prêmios em vários outros grandes festivais e agora está disponível e legendado em português no Youtube.
O documentário promoveu e acompanhou um grupo de 5 adolescentes a essa difícil volta à realidade tradicional de suas famílias em vilarejos remotos no Alto Himalaia, após anos e anos sendo expostas às conveniências da vida moderna em uma cidade grande. O episódio que ilustra este artigo mostra dois deles.
Nima, 17 anos, chegou a escola com 6 anos, depois de perder a mãe. Seu pai disse que ia conversar com a diretoria da escola e logo voltava. Ele nunca voltou. Dá para notar a mágoa e a tristeza do jovem quando ele conta o episódio, mas assim que sabe que é um dos escolhidos para fazer a jornada, seu rosto se ilumina e logo compra um par de botas para o pai porque ele idealiza "...amo meu pai mais do que a mim mesmo!""
Tsering, 16 anos, que chegou a escola quando tinha 4 anos pela mão de sua tia, também tem mágoa dos pais que nunca a visitaram, até que ela aprendeu que a escola era sua verdadeira casa, mas também fica radiante e não pode conter sua felicidade ao saber que vai ver sua mãe depois de 12 anos.
O legal é que parte deste documentário foi filmado pelos próprios adolescentes, armados com câmeras e carregadores solares -seus destinos estão totalmente fora da rede-, eles gravaram cada passo das maiores jornadas de suas vidas.
As câmeras permitiram que os adolescentes filmassem seu próprio diário, capturassem a vida familiar, por vezes conturbada, e alguns cenários inspiradores para adicionar ao documentário, o que o torna ainda mais interessante. Notem que eles falam inglês fluentemente, em um país que, diferente da Índia, quase ninguém sabe o idioma bretão.
O resultado é uma nova visão da cultura antiga do Himalaia e dos corações e mentes de jovens que cresceram se perguntando por que seus pais os mandaram embora e como é redescobrir a família depois de uma década de diferença.
Sobretudo, a gente infere que família é a mesma coisa em todos os lugares do mundo: um pai cachaceiro que incomoda a família ou outro vadio que não faz porra nenhuma o dia todo assistindo televisão, se aproveitando da condição de ser um ex-monge. Uma mãe que, paradoxalmente, mandou a filha embora porque a amava, e que não demonstra emoções, não porque é fria ou maldosa, senão porque já se fodeu tanto, que basta ver o sucesso da filha para manter a serenidade. Prepare um lenço. Imperdível!
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