Vestida com um sari vermelho de borda dourada, Meenakshi Raghavan empunha uma espada e um escudo. A pequena mulher assume uma postura formidável e combina cada golpe de seu oponente -duas vezes seu tamanho e menos da metade de sua idade- com uma ferocidade alerta que se reflete em seus olhos. Meenakshi Amma, como sua família e discípulos a chamam carinhosamente, treina seus alunos nos movimentos da arte marcial do kalaripayattu no "kalari", ou arena, em Vadakara, uma pequena cidade no norte de Kerala, na Índia. |
Um discípulo, como seus alunos são conhecidos, balança sua espada no ar, mas Meenakshi Amma de repente se contorce no chão de lama, esquivando-se do ataque e contra-atacando, pegando seu discípulo de surpresa.
Tudo sobre Meenakshi Amma é uma surpresa. Aos 81 anos de idade, Meenakshi Amma é a mulher mais velha "gurukkal", ou professora, praticando ativamente essa antiga técnica do estado de Kerala, no sul da Índia. Ela é creditada por popularizar a prática outrora proibida e por inspirar mulheres –há muito excluídas do kalari– a adotar a arte marcial como meio de autodefesa.
Derivado da palavra sânscrita "khalurikaL", que significa campo de batalha ou campo de treinamento militar, o kalaripayattu, ou simplesmente payattu, remonta a milhares de anos e era tradicionalmente praticado pelos guerreiros da comunidade Nair de Kerala. Posturas de ioga combinadas com bastões de madeira, lâminas de metal e técnicas de combate com as mãos nuas fazem dela uma das artes marciais mais complexas.
- "Kalaripayattu é uma forma de arte marcial completa que tem a graça de um dançarino e movimentos letais de um guerreiro. Ela sincroniza as faculdades mentais e físicas e testa os limites extremos do corpo e da mente", explica Meenakshi Amma.
Durante séculos, o kalarippayattu esteve profundamente enraizado na cultura de Kerala. Era tanto um modo de guerra quanto um método de resolver disputas entre famílias rivais. Durante todo esse tempo, as mulheres treinavam junto com os homens. Algumas, como Unniyarcha, identificada como uma mulher guerreira do século XVI, tornaram-se figuras do folclore de Kerala.
Mas a proeminência do kalaripayattu já havia começado seu lento declínio com a chegada de europeus às margens de Kerala por volta do final do século XV. As suas armas tradicionais não eram páreo para as armas de fogo dos portugueses. O golpe final veio com o domínio britânico.
Uma revolta armada entre 1796 e 1805 pelas forças combinadas de Pazhassi Raza, guerreiros Nair e tribos Kurchiya de Wayanad, resultou no oficial britânico Lord William Bentick emitindo uma ordem do governo em 1804, proibindo permanentemente a posse de armas e treinamento de armas para conter revoltas futuras. Por quase 150 anos sob o domínio opressivo britânico, os jovens homens e mulheres não puderam aprender e praticar a arte marcial tradicional.
A proibição da prática de kalaripayattu pelos britânicos durou até que o Movimento Swadeshi em todo o país, desafiando o domínio britânico, começou no início de 1900. A proibição de um século e meio quase acabou com a tradição da prática sistemática da arte marcial.
Com o movimento Swadeshi, no entanto, começou o lento renascimento quando alguns dos gurus tradicionalmente treinados recomeçaram a treinar aldeões secretamente. Foi apenas em 1958, quase uma década após a independência da Índia, que um esforço organizado para o renascimento das artes marciais começou com a formação da Associação Estadual de Kalaripayattu.
Meenakshi Amma tinha sete anos, a idade tradicional para iniciar o treinamento de kalaripayattu, quando seu pai a apresentou à prática por conselho de seu professor de bharatanatyam (dança clássica indiana). Ela começou a treinar com seu futuro marido, o lendário vice-presidente Raghavan Gurukkal em 1949 no Kadathanad Kalari Sangham em Kerala.
Mas em meados do século 20, era incomum ver uma mulher no kalari. As mulheres tornaram-se confinadas em casa, e as lendas de guerreiras do século XVI, como Unniyarcha, eram história, citadas e exaltadas apenas em baladas.
- "Mas recebi muito encorajamento", diz Meenakshi Amma. - "Meu guru da dança e a maior parte da família apoiaram a ideia de eu ser treinada em uma atividade que era predominantemente um bastião masculino."
Enquanto a maioria do pequeno número de mulheres que estudou kalaripayattu desistiu após o casamento e o parto, Meenakshi Amma, que se casou com seu professor, continuou sua prática.
- "Fiz uma pausa durante a gravidez e quando meus filhos eram mais novos, mas sempre estava ao lado do meu marido todos os dias no kalari. Preparava os óleos de ervas e remédios aiurvédicos para marmchikilsa (tratamento de massagem para pontos vitais de pressão do corpo), cortes, contusões e dores, parte essencial do treinamento de kalaripayattu", lembra.
Meenakshi Amma assumiu o lugar de seu marido como gurukkal após sua morte em 2009 e vem treinando jovens e idosos, homens e mulheres de todo o país e do exterior. Em 2017, Meenakshi Amma recebeu o Padma Shri, um dos maiores prêmios civis da Índia por seu trabalho.
Com efeito, a cobertura massiva da mídia que Meenakshi recebeu após seu reconhecimento nacional colocou o kalaripayattu em destaque nas manchetes nacionais, tornando-se um ponto de discussão popular, levando ao renascimento da arte marcial em toda Kerala contemporânea.
Ver uma senhora manuseando lanças, espadas e paus sem esforço gerou nas jovens o desejo e a confiança de aprender kalaripayattu.
- "As mulheres devem aceitar o payattu para se empoderarem", diz Meenakshi Amma. - "Isso não apenas torna o corpo mais forte, mas também ajuda a melhorar a resistência, a concentração e o controle sobre as habilidades motoras. Ademais, aprender as artes marciais torna as mulheres destemidas", conclui a fantástica mulher.
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