Ontem, quando escrevia o artigo sobre o pássaro-do-paraíso rei-da-saxônia lembrei de uma ave brasileira que é tão ou mais bizarra que ele: o jacu-cigano (Opisthocomus hoazin), também conhecido como cigana. Esta bela ave do tamanho de um faisão é nativa dos deltas do Amazonas e do Orinoco e é a única espécie de seu gênero, o que é parte do motivo pelo qual é tão evolutivamente distinto. Efetivamente o jacu-cigano é uma ave tão rara, que quando foi descoberta, os cientistas não conseguiram determinar se tratava de um fóssil vivente ou um exemplo de retrocesso evolutivo. |
De fato, a classificação das ciganas é fonte de polêmica na comunidade ornitológica. A espécie já foi considerada como pertencente aos galiformes, depois cuculiformes e por fim a uma ordem própria: os opistocomiformes.
Eles são herbívoros, na verdade a única ave folívora, alimentando-se principalmente de folhas, por vezes suplementada por frutos e flores. Este tipo de alimentação folívora só é possível por causa de um sistema digestivo único na classe das aves, caracterizado pela presença de bactérias simbiontes no papo, que ajudam à decomposição da celulose das folhas ingeridas. Os filhotes são alimentados à base de secreções esofágicas e material regurgitado, rico nestas bactérias.
A evolução operou parte de sua anatomia digestiva, para fazê-la funcionar como o rúmen de uma vaca -daí o apelido-. Como resultado, o papo é tão grande que desloca músculos que, de outra forma, seriam usados para voar. Eles ainda podem, mas não são voadoras pouco eficientes, que preferem circular empoleiradas nos ramos das árvores. Seu grasnido também é tão peculiar, que é descrito como "a respiração dificultosa de um fumante empedernido".
No entanto, este sistema digestivo diferenciado carrega um inconveniência, os jacus-ciganos acabam fedendo bastante. Na verdade, ele também é conhecido em alguns locais da Amazônia por "ave-fedida" ou "vaca-voadora" por seu odor vagamente semelhante a estrume. Por essa razão, não é ameaçado pela caça furtiva humana; é uma espécie de refeição de último recurso. Alguém teria que estar muito, muito faminto para tentar capturar uma dessas criaturas.
As ciganas tem outra característica única entre todas as aves do mundo: os filhotes têm um par de garras funcionais na ponta das asas, que se perde quando alcançam a maturidade As garras permitem que os filhotes se movam pelos galhos das árvores sem cair na água logo que eclodem.
Com efeito esta estrutura incomum é mais usada como forma de proteção contra predadores. Se ameaçadas por macacos ou cobras, os juvenis usam as garras para trepar pelas árvores e fugir do perigo. Outra estratégia consiste em atirarem-se para dentro da água e nadar para a segurança da margem, regressando depois ao ninho trepando com a ajuda das garras.
Para saber como os pintinhos usam suas garras, os pesquisadores coletaram quatro filhotes de cigana nas margens do rio Cojedes, na Venezuela e os colocaram em diferentes situações, mostradas no primeiro vídeo que ilustra este artigo. Em um tanque de água, os filhotes nadaram movendo ambas as asas juntas em um padrão semelhante ao nado de peito. Esses movimentos simultâneos das asas são a norma para os pássaros, embora a maioria os empregue para voar em vez de nadar.
Quando os filhotes de cigana foram colocados em árvores, seus movimentos de membros eram inconsistentes, guiados pelas formas emaranhadas dos galhos. Às vezes, um pintinho usava a cabeça como um quinto membro, enganchando galhos com o bico.
As descobertas mais interessantes vieram quando os pesquisadores colocaram os filhotes em um declive coberto com uma toalha. O progresso do pássaro pela encosta era lento e hesitante, e às vezes eram necessárias algumas tentativas antes que as garras das asas conseguissem agarrar o tecido. Mas o padrão básico era claro: asa direita, pé esquerdo, asa esquerda, pé direito. Os filhotes andam como animais de quatro patas, usando suas asas como patas dianteiras.
A lenda diz que quando os primeiros homens viram pequenos jacus-ciganos aferrando-se "a quatro patas" nos ramos, pensaram que aquele animal era uma cruza entre um macaco e uma ave.
Por causa de suas garras, alguns pesquisadores se perguntam se a cigana era uma descendente direta do archaeopteryx,que tinha três garras em cada asa. Outros pensam que as garras são uma adaptação mais recente, surgindo como resultado da pressão seletiva causada pela predação.
De qualquer forma, o jacu-cigano pode ser uma das aves mais esquisitas do mundo. Eles são um bom lembrete de que os dinossauros ainda vivem entre nós.
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