Já passa das 21h quando Sergei Klokov é finalmente levado ao tribunal distrital de Presnensky, ladeado por dois policiais. O ex-motorista de 38 anos da sede da polícia de Moscou é colocado em uma gaiola de vidro antes que suas algemas sejam removidas. Ele parece cansado e desgrenhado de dois meses de detenção. Ele foi uma das primeiras pessoas a serem presas na Rússia sob uma nova lei que proíbe a divulgação de "informações deliberadamente falsas sobre as forças armadas russas". É proibido referir-se à chamada "operação militar especial" do Kremlin como guerra. |
Um russo-ucraniano, Sergei é originalmente de Bucha, nos subúrbios de Kiev. Ele foi preso depois que seu telefone foi grampeado pelas autoridades. Eles alegam que ele infringiu a lei ao contar aos colegas de trabalho o que estava ouvindo de amigos e familiares ucranianos sobre a invasão russa, que civis inocentes estavam sendo mortos e, ao contrário da propaganda estatal, a Ucrânia não é invadida por nazistas. Se condenado, Sergei pode pegar até 10 anos de prisão.
Na prática, essa nova lei, aprovada no dia 9 da invasão, está sendo usada para silenciar todas as críticas à invasão russa. Até agora, pelo menos 1.500 pessoas foram multadas e cerca de 70 outras estão enfrentando pena de prisão.
A audiência no tribunal deve decidir se Sergei pode ser transferido de um centro de detenção para prisão domiciliar antes de seu julgamento real. Sua mãe, Lyudmila Klokova, observa que esperou mais de 6 horas para ver seu filho. Ele foi detido longe de sua família e seus dois filhos pequenos.
- "Eu o vi hoje pela primeira vez em dois meses. Mas ele está em minha mente todos os dias", diz Lyudmila, enquanto sua voz falha. - "Eu não acho que meu filho seja culpado de nada. Eu gostaria de acreditar que nosso sistema de justiça é justo. Que eles verão que ele não é um traidor. Estou esperando o melhor, uma sentença mais branda, prisão domiciliar."
Mas a juíza não concorda, citando "o alto perigo público das ações de Sergei e seu caráter" ao estender sua prisão preventiva. Essa falta de clemência não é surpreendente na Rússia, onde a taxa de condenação é de cerca de 99%. Quando Sergei é levado para fora do tribunal, Lyudmila pede ao filho que seja forte enquanto as lágrimas enchem seus olhos.
De acordo com a organização de direitos humanos OVD-Info, cerca de 26.500 pessoas foram detidas desde o início do conflito na Ucrânia, sob várias leis por suposta atividade antiguerra. E cada vez mais, os próprios russos estão denunciando à polícia sobre amigos, vizinhos e até parentes por expressarem oposição à guerra do Kremlin.
Em julho, uma professora recebeu uma pena de 5 anos depois que um aluno a filmou falando sobre a invasão. Uma mãe denunciou seu filho por fugir do serviço militar, e um moscovita denunciou sua própria esposa. Esta atmosfera de suspeita está sendo encorajada pelo próprio Kremlin.
Em março, Putin afirmou que o Ocidente estava tentando minar a Rússia com a ajuda de traidores dentro do país, afirmando:
- "Estou convencido de que uma auto-desintoxicação natural e necessária da sociedade fortaleceria nossa nação."
Elmira Khalitova, estudante e blogueira de Moscou que foi denunciada à polícia por seu próprio pai porque se opõe à guerra, diz que - "...é nojento que tudo isso seja incentivado. Que o governo incentive as pessoas a fazer isso."
Ela mostra a gravação que ela tem do telefonema de seu pai com a polícia, onde ele afirma falsamente que ela está pedindo que russos sejam mortos on-line e insiste que eles "invadam" seu apartamento. Apesar do homem demonstrar que está francamente bêbado na ligação, a polícia ainda a levou para interrogatório. Os policiais pegaram seu celular e tentaram encontrar declarações incriminatórias em seu Instagram, mas como o aplicativo agora está bloqueado na Rússia, eles não conseguiram abri-lo. Eles finalmente a deixaram ir por falta de provas.
Elmira diz que sua experiência lembra as denúncias da era soviética, onde centenas de milhares de pessoas foram enviadas ao Gulag, muitas vezes por causa de informações fornecidas por pessoas que conheciam. Mas ela acha que não está tão ruim... ainda.
- "Acho que alguns anos precisam passar, alguns anos marinando nisso, para que alcance a mesma escala que atingiu durante a União Soviética", diz ela.
Poucos informantes querem falar sobre suas motivações para trair seus amigos e colegas, mas um cara chamado Sergei Chmykhun concordou em explicar porque entregou seu amigo Oleg Belousov, por se manifestar contra Putin e a guerra em um bate-papo em grupo. Como consequência, Oleg, que vive com seu filho deficiente foi submetido a uma batida policial pesada e humilhante. Depois que sua porta da frente foi arrancada de suas dobradiças, a polícia o pressionou a se desculpar diante das câmeras, algemado e seminu.
- "Por vários anos, Oleg criticou livremente a Rússia e Putin, e ninguém realmente prestou atenção", disse Sergei. Quando questionado se ter uma opinião política diferente justifica uma sentença criminal, ele simplesmente diz que - "...quando temos um inimigo externo, não há política. E Oleg estava falando em apoio aos nossos inimigos."
Oleg pode ser condenado agora a 10 anos de prisão, mas Sergei não se arrepende.
- "No mínimo, ele é um traidor de sua pátria", diz ele.
Para tornar toda essa situação ainda mais bizarra. Apenas alguns dias atrás, a Rússia divulgou um anúncio com a mensagem "mude para a Rússia, não temos cultura de cancelamento". Eu diria que o tempo de prisão por falar a verdade objetiva é praticamente a definição de cultura do cancelamento.
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