Era 31 de maio de 2019. Pela segunda vez Songmi Park tentava cruzar o rio Yalu, que separa a Coreia do Norte da China, que proporciona aos fugitivos a rota de fuga mais fácil. A primeira vez que ela atravessou amarrada às costas de sua mãe quando criança. Mas a fuga é só um primeiro estágio de uma jornada assustadora. Uma vez na China eles tiveram que se esconder na casa de um parente para evitar a polícia chinesa que tem um acordo de reassentar fugitivos coreanos. Quando a polícia foi procurá-los, Sua mãe e seu pai imploraram para não serem mandados de volta. |
- "Pode me levar, mas deixes minha filha e esposa em paz", disse o pai. A polícia o espancou até seu rosto sangrar. De volta à Coreia do Norte, ela se lembra do pai com as mãos algemadas nas costas. Ali na plataforma da estação de trem ela viu seus pais sendo levados para um dos infames campos de prisioneiros da Coreia do Norte. Ela tinha apenas quatro anos.
Songmi foi enviada para morar com os avós em sua fazenda em Musan, a meia hora da fronteira chinesa. Ir para a escola não era uma opção. Ainda que a educação seja gratuita na Coreia do Norte, muitas vezes se espera que as famílias subornem os professores, e os avós de Songmi não podiam pagar.
Songmi passou a infância vagando pelo campo, colhendo ervas para alimentar os coelhos da fazenda. Ela ficava doente com frequência, mesmo durante o verão, porque estava sempre estado de depressão e não comia muito.
Uma noite, cinco anos depois que seus pais foram levados ao campo de prisioneiros, seu pai deslizou suavemente na cama atrás dela, envolvendo-a em seus braços. Ela zumbiu de excitação. A vida poderia recomeçar. Mas três dias depois, ele morreu. O tempo que passou na prisão acabou com sua saúde. parece que ele reuniu suas últimas forças para dar um último abraço na filha.
Quando a mãe de Songmi, Myung-hui, chegou em casa na semana seguinte e encontrou o marido morto, ela ficou perturbada. Ela tomou uma decisão impensável: tentaria escapar da Coreia do Norte novamente. Desta vez sozinha.
Na manhã em que sua mãe foi embora, Songmi diz que sentiu que algo estava diferente. Sua mãe se vestia de maneira estranha, com as roupas da avó.
- "Eu não sabia o que ela estava planejando, mas sabia que, se ela fosse embora, não a veria por muito tempo", disse ela. Quando sua mãe saiu de casa, Songmi se enrolou sob o lençol e chorou. Os próximos 10 anos seriam os mais difíceis de sua curta vida.
Dois anos depois seu avô morreu. Agora ela estava sozinha aos 10 anos, cuidando de sua avó acamada, sem fonte de renda. Em tempos de desespero, se você souber o que procurar, as densas montanhas da Coreia do Norte podem fornecer escasso sustento. Apenas uma criança com nenhum conhecimento de planejamento, todos os dias ela tentava não morrer de fome, para sobreviver ao dia.
Todas as manhãs, Songmi começava a caminhada de duas horas montanha acima, em busca de plantas para comer e vender. Certas ervas podiam ser vendidas como remédios no mercado local, mas primeiro precisavam ser lavadas, aparadas e secas à mão, o que significava que ela trabalhava até tarde da noite.
Enquanto isso, depois de um ano, Myung-hui se estabeleceu na cidade industrial de Ulsan. Desesperada para ganhar dinheiro que pudesse pagar a fuga de sua filha, ela limpava o interior de navios em uma fábrica de construção naval todos os dias sem descanso. Fugir da Coreia do Norte é caro. Requer um intermediário que possa ajudar a superar os obstáculos e dinheiro para subornar qualquer um que se interponha no caminho.
Ela conseguiu juntar 26.904.540,00 wons, pouco mais de 100 mil reais, com os quais finalmente conseguiu organizar a fuga de sua filha. De repente, a década de espera de Songmi, com esperança cada vez menor, acabou.
Escapar da Coreia do Norte é uma façanha perigosa e difícil. Nos últimos anos, Kim Jong Un reprimiu com mais força aqueles que tentavam fugir. Soldados ao longo da fronteira receberam ordens de atirar e matar qualquer um que encontrassem tentando escapar. Então, no início da pandemia, ele fechou as fronteiras do país, tornando Songmi, então com 17 anos, uma das últimas pessoas conhecidas a conseguir sair.
Antes de 2020, mais de 1.000 norte-coreanos chegariam à Coreia do Sul todos os anos. Em 2020, ano em que Songmi chegou, o número havia caído para 229.
Seguindo praticamente a mesma rota que a mãe fizera 8 anos antes, depois de cruzar o rio Yalu para a China, ela se manteve escondida, movendo-se furtivamente entre os moradores locais à noite, com medo de ser pega mais uma vez. Ela pegou um ônibus pelas montanhas e entrou no Laos, onde se abrigou em uma igreja, antes de chegar à embaixada sul-coreana. Ela dormiu na embaixada por mais três meses, antes de ser enviada para a Coreia do Sul. Quando chegou, passou meses em uma instalação de reassentamento, o que é típico para fugitivos norte-coreanos. A jornada inteira durou um ano, mas, para Songmi, pareceu 10.
Finalmente reunidas, ela e sua mãe estão ainda se conhecendo. Songmi também está conhecendo o meio-irmão que ela nem sabia que tinha. Em contraste com o complexo de culpa da mãe, Songmi transmite alegria e uma energia contagiante. Ri e brinca enquanto conforta a mãe, ocultando qualquer sinal de seu trauma de infância.
Na verdade, no dia anterior a sua alta do centro de reassentamento, ela estava preocupada em parecer bonita na frente dela. Myung-hui não reconheceu de imediato a filha, que vira pela última vez quando tinha oito anos. Agora está conhecendo uma jovem de 18 anos.
Como geralmente acontece com jovens que conseguem fugir do estado mais fechado do mundo, Songmi diz que agora encontrou seu propósito: defender a reunificação das duas Coreias. Hoje, um dos maiores expoentes na defesa das vítimas da falta de direitos humanos na Coreia do Norte é Yeonmi Park, que fugiu do país em 2007 e hoje mora nos Estados Unidos.
Yeonmi chamou a atenção global depois de fazer um discurso no One Young World Summit 2014 -uma cúpula anual que reúne jovens de todo o mundo para desenvolver soluções para problemas globais- em Dublin, Irlanda. Seu discurso (acima), sobre sua experiência de fuga da Coreia do Norte, recebeu 50 milhões de visualizações em dois dias no YouTube e nas redes sociais, com um total atual de mais de 100 milhões.
Songmi quer seguir o mesmo caminho e acha que este é o futuro com o qual os sul-coreanos devem sonhar, mas muitos não acreditam no sonho da reunificação. Quanto mais o tempo passa desde que o país foi dividido, menos pessoas, principalmente os jovens, veem a necessidade de se recompor.
Nesta reportagem de Jean Mackenzie, correspondente da BBC News em Seul, e com fotos, vídeo e edição de Hosu Lee, contam a história de Songmi e de seu reencontro emocionado com a mãe, Myung-hui.
Songmi visita escolas para ensinar os alunos sobre o Norte. Ela pergunta quem entre eles pensou em reunificação e, normalmente, apenas algumas mãos se levantam. Mas quando ela pede que desenhem um mapa da Coreia, a maioria esboça o contorno de toda a península, incluindo o norte e o sul. Isso lhe dá esperança.
Fonte: BBC.
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