De forma um pouco estranha, o kiwi (Actinidia deliciosa) está associado com o Japão para os brasileiros e com a Nova Zelândia no mundo, quando não deveria ser nem um e nem outro. O kiwi é originário do sul da China, que também é o maior produtor mundial, seguido da Itália e tão somente depois vem a Nova Zelândia. A primeira descrição registrada do kiwi data da China do século XII, durante a dinastia Song. Como o fruto era geralmente coletado na natureza e consumido para fins medicinais, a planta raramente era cultivada com fins comerciais, mas tudo isso mudou no início do século 20 quando chegou a Nova Zelândia. |
Foi ali que ocorreram os primeiros plantios comerciais que no pai[is se chama groselha chinesa. Durante as décadas de 1940 e 1950, a fruta tornou-se uma commodity agrícola por meio do desenvolvimento de cultivares -entre eles o dourado- comercialmente viáveis, práticas agrícolas, transporte, armazenamento e comercialização.
A fruta tornou-se popular entre militares britânicos e americanos estacionados na Nova Zelândia durante a Segunda Guerra Mundial, e mais tarde foi exportada, primeiro para a Grã-Bretanha e depois para a Califórnia na década de 1960.
Onipresente nas prateleiras dos supermercados e nas lancheiras, o humilde kiwi é a exportação hortícola mais valiosa da Nova Zelândia. Batalhas recentes pelo controle da fruta, intituladas "Guerra do Kiwi", no entanto, iluminaram as tensões no relacionamento da Nova Zelândia com a China.
Em meados da década de 2010, um produtor de kiwi pegou o lucrativo segredo da cepa dourada da Nova Zelândia e a levou para a China. Milhares de hectares de pomares surgiram desde então, e a Nova Zelândia passou anos lutando para proteger sua propriedade intelectual, quando a China passou a ser o maior exportador de kiwi dourado.
O kiwi é um grande negócio para a Nova Zelândia. A Zespri, a cooperativa de kiwis do país, teve receitas operacionais de NZ$ 3,9 bilhões (12 bilhões de reais) no ano passado onde o mais valioso é o kiwi dourado que ajudou a salvar a indústria local da catástrofe. Em 2010, os pomares de kiwi do país foram destruídos por uma nova doença chamada PSA. As videiras vazavam um líquido vermelho, as flores apodreciam e os frutos desabavam. Foi um pesadelo hortícola e econômico e as novas variedades douradas populares estavam entre as mais atingidas.
A Zespri juntou-se a outros financiadores e investiu milhões de dólares na busca de uma alternativa. Ela reduziu 50.000 variedades para uma lista de apenas 40, das quais quatro chegaram aos testes de pomar. Desses testes surgiu a Gold3, a cepa que acabaria chegando às prateleiras dos supermercados como Sungold.
Seus atributos representavam um santo graal das propriedades do kiwi: robusto e atraente na prateleira, doce com um sabor agradável, rico em vitamina C, barato e abundante para cultivar. Crucialmente, também era resistente ao cancro da videira que dizimou a indústria na Nova Zelândia e na Itália.
A Sungold era a galinha dos ovos de ouro da Zespri, e a empresa agiu rapidamente para registrar sua propriedade exclusiva em países ao redor do mundo. O kiwi dourado ultrapassou o verde nas exportações de kiwi, e a indústria de kiwis da Nova Zelândia foi parcialmente reconstruída nas costas da Sungold.
Pode ter sido um final "de ouro" para anos de problemas para a Zespri. Mas em 2016, um boato chegou à sede de que a Sungold havia sido flagrada crescendo na China. A empresa contratou investigadores particulares e descobriu que os rumores eram verdadeiros.
Uma investigação rastreou a fonte até Haoyu Gao, um empreendedor que comprou um pomar de kiwis em Opotiki, uma pequena cidade em Bay of Plenty, na Nova Zelândia. De acordo com documentos judiciais, ele contrabandeou uma carga preciosa de brotos para Sichuan, onde vendia brotos femininos por até 180 mil reais cada. No final, porém, a aposta não deu certo. Ele negou qualquer irregularidade, mas o tribunal superior da Nova Zelândia decidiu contra ele e ordenou que ele pagasse 42 milhões de reais por danos.
A Zespri venceu a batalha no tribunal, mas perdeu a guerra para controlar a disseminação do Gold3 pela China. Suas tentativas de tomar medidas legais subseqüentes fracassaram sem forte apoio do governo de Pequim e, enquanto isso, as videiras Gold3 se espalharam. Em um relatório recente aos produtores, Zespri escreveu que a área sob cultivo "ilícito" dobrou entre 2019 e 2022 para mais de 5.200 hectares.
Se você está confuso sobre o registro de propriedade intelectual de uma planta, não está sozinho, mas ele realmente existe e se chama "proteção de cultivares". A proteção de novas variedades de plantas é um aspecto dos direitos da propriedade intelectual, denominado proteção sui generis, e como tal, procura reconhecer as pesquisas dos criadores de novas variedades de plantas, conferindo-lhes, por um determinado prazo, direito exclusivo sobre sua comercialização.
Com o avanço tecnológico, o crescente investimento em pesquisas agrícolas, tanto por parte da iniciativa privada quanto de instituições públicas, novos cultivos de variedades e produção de sementes com propriedades melhoradas, houve a necessidade de se criar uma regulamentação que garantisse ao melhorista criador o retorno financeiro para o capital investido com essa finalidade.
Mas, assim como na China, muito provavelmente a Gold3 não seria reconhecida como propriedade da Nova Zelândia no Brasil, de acordo com a Lei nº 9.456, conhecida como a Lei de Proteção de Cultivares, porque ela não cobre totalmente os pré-requisitos que fariam do kiwi dourado um "novo fruto". No início dos anos 80, uma empresa japonesa tentou registrar a propriedade de um cupuaçu melhorado, que tinha poucas diferenças do fruto encontrado nas matas da Amazônia. Depois de um imbróglio diplomático a empresa desistiu da petição de direitos autorais.
Há uma certa ironia no fato da Nova Zelândia ter cepas de kiwi cooptadas na China. Afinal, a fruta era originalmente chinesa e chegou à Nova Zelândia em 1904. Ela prosperou no clima local e o país começou a exportá-la na década de 1950. Em um momento de gênio do marketing, os exportadores cunharam o termo "kiwi" em homenagem ao pássaro icônico da Nova Zelândia, com quem compartilha um exterior marrom felpudo. Aos olhos do mundo, a fruta gradualmente se tornou sinônimo da Nova Zelândia.
Naquela época, a China tinha poucos recursos contra uma fruta de origem local sendo comercializada em massa como motivo de outra nação. Hoje, porém, é a Nova Zelândia que se encontra em uma posição difícil e a Zespri propôs um acordo audacioso aos produtores: se você não pode vencê-los, junte-se a eles, ou pelo menos compre-os. Em vez de ir atrás de pomares "ilegais", ela propôs um teste de um ano de compra e comercialização de kiwis cultivados na China sob a marca Zespri. Os chineses não toparam.
Ainda sobre os frutos: há uma diferença notável na aparência entre o kiwi verde e o dourado. O kiwi verde tem pele fofa, peluda e formato oval. Em contraste com o menor kiwi dourado, cuja casca é lisa e sem pelos, com um tom marrom dourado. Cortar essa fruta ao meio nos exporá a diferenças adicionais. O verde contém carne verde com sementes pretas, conforme previsto. A carne de um kiwi dourado é amarelo brilhante, com menos grânulos menores. O dourado pode custar até 3 vezes o valor do verde.
No Brasil o cultivo de kiwi concentra-se na região Sul, porém a produção ainda é bastante restrita, devido às limitações tecnológicas que permitam o avanço do cultivo. O Estado do Rio Grande do Sul é o maior produtor, com cerca de 120 hectares, e o município de Farroupilha, o maior em área de cultivo.
A cultura do kiwizeiro representa uma alternativa de produção, podendo agregar rendimentos significativos às famílias produtoras, visando a diversificação e sustentabilidade de pequenas e médias propriedades familiares. No Brasil, o avanço da cultura é motivado pela sua característica de rusticidade, pela adaptação às regiões de cultivo e pela demanda interna, uma vez que quase a totalidade da fruta consumida no país é importada, tendo um nicho de mercado interno a ser preenchido e explorado pelos produtores.
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