Algumas pessoas pensam que todos os povos indígenas do Brasil falam tupi. Isso não é verdade. O tupi nem é uma língua em si. É uma família linguística. A confusão é causada em parte pelo fato de muitas palavras do português brasileiro serem oriundas de línguas do ramo linguístico tupi-guarani. Na verdade, existem mais de 180 línguas e dialetos indígenas diferentes falados no Brasil, ainda que o número exato seja motivo de discordância entre especialistas, com dependência dos critérios considerados na hora de definir o que é uma língua e nomeá-la. |
Via: - Marcelo Camargo - Agência Brasil
O país abriga hoje apenas 20% das estimadas 1.175 línguas que tinha em 1500, quando chegaram os portugueses. E, ao contrário de outros países da América Latina, o Brasil não reconhece como oficiais nenhuma de suas línguas indígenas em âmbito nacional.
Algumas línguas indígenas são semelhantes, mas não todas. Quando as línguas são semelhantes, significa que começaram como uma língua original, mas mudaram ao longo dos anos. Este processo é chamado de diversificação. Por isso os linguistas analisam as semelhanças e diferenças entre as línguas e descobrem a que lugar elas pertencem nas árvores genealógicas linguísticas. Diferentes línguas pertencem a diferentes ramos dessas árvores genealógicas.
Diferentes línguas se desenvolvem dentro da mesma família linguística. Sua origem foi outra língua mais antiga que não é mais falada. Como esta língua original existia há milhares de anos, pode ser difícil ver as semelhanças entre todas as línguas que dela surgiram.
Então por que ainda não sabemos exatamente o número de línguas faladas pelos povos nativos brasileiros? A resposta é complicada. O Censo de 2010 contabilizou 274 línguas indígenas no Brasil, enquanto os números do Censo 2022 ainda não foram divulgados. Mas linguistas ligados às principais instituições do país, falam em 160 a 180. No entanto, se considerarmos dialetos -variações de uma mesma língua que podem ser compreendidas mutuamente- chega-se a 218.
Um ramo linguístico é um grupo de línguas que se tornaram diferentes umas das outras mais recentemente. O português é um exemplo disso. O português pertence ao ramo latino da árvore genealógica linguística indo-europeia. Você acha que o português é mais parecido com o francês e o espanhol, ou com o russo, o galês ou o alemão?
A resposta correta, lógica, é francês e espanhol. Eles pertencem ao mesmo ramo da mesma árvore genealógica linguística! Isso não significa que quem fala português possa compreender ou falar francês, ou vice-versa. Mas as duas línguas têm muitas coisas em comum e podem ter sido muito semelhantes quando a sua diversificação começou.
Via: Josue Marinho - Wikimedia/CC BY-SA 4.0
Se você comparar o português e o russo, porém, encontrará poucas semelhanças. Na verdade, existem diferenças muito grandes entre as duas línguas! Isso ocorre porque, embora ambos pertençam à mesma árvore genealógica linguística, são de ramos diferentes dela. O português pertence ao ramo latino. O russo pertence ao ramo eslavo.
As línguas indígenas podem ser encaradas exatamente da mesma maneira! Existem línguas do mesmo ramo linguístico e isso significa que são semelhantes em muitos aspectos. Existem línguas de diferentes ramos linguísticos e isso significa que não são nada semelhantes.
Existem também línguas que pertencem a diferentes árvores genealógicas linguísticas. Isto torna as diferenças ainda maiores. Existem também línguas que pertencem a diferentes árvores genealógicas linguísticas. Isso torna as diferenças ainda maiores.
No Brasil, existem duas grandes árvores genealógicas linguísticas. Uma delas chama-se Macro-Jê e a outra se chama Tupi. A árvore genealógica Tupi possui 10 ramos linguísticos diferentes. A árvore genealógica Macro-Jê possui 9 ramos diferentes. Existem outros 20 ramos linguísticos que apresentam tão poucas semelhanças que não podem ser agrupados em árvores genealógicas linguísticas.
Muitas palavras comumente utilizadas no Brasil, provêm de línguas do ramo linguístico Tupi-Guarani, que incluem as línguas faladas pelos índios Tupinambá e Tupiniquim. As palavras dessas línguas usadas pelos brasileiros incluem nomes de objetos, lugares e cidades. Por exemplo, "Araraquara" quer dizer "formigueiro do arará"; "Itaquaquecetuba", "onde cresce muito capim taquara-faca"; "Jacareí", “rios onde são encontrados jacarés”; "Ipiranga", "rio vermelho"; "Piracicaba", "onde chegam os peixes"; etc.
Ademais, o nome de muitos bichos, plantas e frutas também se originaram no ramo linguístico: baiacu, piaba, piranha, jararaca, sucuri, jabuti, jacaré, capivara, paca, cutia, abacaxi, cajá, jenipapo, maracujá, copaíba, embaúba, jatobá são exemplos de palavras que descendem do Tupi-Guarani.
Museu da Língua Portuguesa - São Paulo. Via: Marilane Borges - Wikimedia/CC BY-SA 4.0
Curiosamente, muitos povos indígenas falam ou entendem mais de uma língua. Em algumas comunidades, a maioria das pessoas fala mais de um idioma. Às vezes, na mesma aldeia indígena, você encontra pessoas que só falam uma língua indígena, outros só falam português e outros são multilíngues. O fato de falarem línguas diferentes normalmente não impede os povos indígenas de se relacionarem, de se casarem, de trocarem bens, de realizarem festas ou de estudarem juntos.
Um bom exemplo disso seriam os povos indígenas que falam línguas do ramo linguístico Tukano. Essas pessoas vivem principalmente ao longo do rio Uaupés, na fronteira entre o Brasil e a Colômbia. Muitos deles falam entre três e cinco idiomas. Alguns falam mais!
Os índios multilíngues da região do Rio Uaupés não conhecem apenas línguas do ramo linguístico Tukano. Entre eles estão pessoas que falam línguas dos ramos linguísticos Aruak e Maku e também a Língua Geral Amazônica (também conhecida como Nheengatu), Português e Espanhol.
De fato, a língua Tukano desempenha um papel social especial entre as pessoas que falam outras línguas do mesmo ramo. Isto porque se tornou a língua franca da região. Às vezes o português serve como língua franca também. Em algumas regiões da Amazônia, povos de diferentes grupos indígenas e assentamentos ribeirinhos usam o Nheengatu para se comunicarem entre si.
A Língua Geral Amazônica desenvolveu-se nos séculos XVII e XVIII, nos estados brasileiros do Maranhão e Pará. Surgiu da língua Tupinambá, falada ao longo da costa brasileira. Aos poucos esta língua tornou-se tão comum que no início do século XVIII se espalhou junto com a expansão colonial portuguesa na Amazônia. Assim passou a ser utilizada ao longo de todo o vale do rio Amazonas e até seus afluentes. O uso da língua geral amazônica se espalhou pelo rio Negro até regiões da Venezuela e da Colômbia.
A maioria dos colonizadores e missionários da época aprenderam esta língua. E foi ensinada aos povos indígenas em suas aldeias. A partir do final do século XIX, a Língua Geral Amazônica passou a ser conhecida como Nheengatu (que significa 'boa língua'). O Nheengatu passou por muitas mudanças, mas ainda hoje é falado, principalmente na região do Rio Negro. Além de ser a língua materna de muitas pessoas que vivem em assentamentos ribeirinhos, serve como meio de comunicação entre índios e não-índios. Também oferece uma forma dos índios de diferentes grupos conversarem entre si.
Infelizmente, a grande maioria dos povos indígenas do Nordeste já não fala a sua língua nativa. O Nordeste foi a primeira região do país a ser colonizada. Hoje em dia é a região com menor população indígena e onde se fala menos línguas nativas, justamente porque foi a região onde foram construídos os primeiros complexos missionários.
Esses complexos eram os locais onde os missionários davam educação religiosa aos índios e pessoas de diferentes grupos indígenas foram forçadas a viver juntas nelas. Isto fez com que renunciassem às suas terras tradicionais, às suas tradições culturais e às suas línguas. Os missionários tentaram de tudo para converter os povos indígenas à fé católica romana e ao modo de vida dos colonizadores.
Foi um período longo e violento, em que muitos povos indígenas foram escravizados e abusados. Sofriam com a fome, com doenças transmitidas por não-índios, com discriminação e preconceito. Muitas de suas tradições culturais foram proibidas. Caso contrário, eles seriam perseguidos por mantê-los. Devido à forte pressão sobre seus modos de vida, muitos povos indígenas foram exterminados e outros perderam o interesse nas suas tradições e nas suas línguas nativas.
No mundo, segundo o Fórum Permanente sobre Questões Indígenas da ONU, ao menos 40% dos mais de 6 mil idiomas mundiais falados em 2016 estavam sob risco de desaparecer, e a maioria deles eram indígenas. Em 2019, quatro em cada 10 línguas indígenas corriam esse risco De forma que cada idioma contém o conhecimento e a sabedoria únicos das pessoas que o falam, a perda de uma língua é, no final das contas, uma perda para toda a humanidade.
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