Nas colinas dos arredores da antiga capital de Nanquim, no sudeste da China, fica a antiga pedreira de Yangshan. Trabalhado desde a época das Seis Dinastias, do início do século III d.C. ao final do século VI, o calcário da pedreira foi usado para a construção de edifícios, paredes e estátuas em Nanquim e arredores. Especialmente depois que Zhu Yuanzhang fundou a dinastia Ming em 1368, a pedreira de Yangshan tornou-se a principal fonte de pedra para todos os grandes projetos de construção que mudaram a face de Nanquim. |
A base da estela inacabada na pedreira de Yangshan.
Hoje, a pedreira é pouco conhecida, mesmo entre os moradores de Nanquim. No entanto, pessoas interessadas na história chinesa visitam periodicamente o local para ficarem boquiabertas com o tamanho da gigantesca estela inacabada que ali está abandonada.
A referida estela foi encomendada pelo Imperador Yongle, cujo nome verdadeiro era Zhu Di, no início do século XV, com a intenção de erguer o monólito sobre o túmulo de seu pai, Zhu Yuanzhang, o fundador da dinastia Ming.
O Imperador Yongle.
Yongle foi um dos grandes imperadores da China, mas também foi excepcionalmente brutal, torturando e matando qualquer pessoa que se rebelasse contra a sua administração. Assim como seu pai, Zhu Di gostava particularmente da execução por um método excruciante conhecido como morte por mil cortes, onde uma faca era usada para remover metodicamente partes do corpo durante um longo período de tempo, fazendo com que o traidor sangrasse até a morte.
Zhu Di punia não apenas o traidor, mas também sua família e parentes, matando avós, pais, tios e tias, irmãos por nascimento ou por vínculo, filhos, sobrinhos e sobrinhas, netos e todos os integrantes de qualquer família.
Yongle tornou-se imperador em 1402 ao organizar uma rebelião e depor seu sobrinho, Zhu Yunwen. Quando Yongle convidou o estudioso confucionista Fang Xiaoru e pediu-lhe que escrevesse um discurso inaugural, Fang recusou categoricamente.
Quando o imperador exigiu terminantemente que ele escrevesse a manifestação, Fang pegou um pedaço de papel e escreveu "O Bandido de Yan é um usurpador". Fang foi ameaçado com a execução de todos os nove graus de seu parentesco, ao que ele respondeu tolamente: - "Não importa os nove! Estou bem com dez!"
A estela Shengong Shengde no Mausoléu Xiao.
Fang teve seu desejo atendido. Junto com toda a sua família, todos os ex-alunos ou colegas de Fang Xiaoru que os agentes do Imperador Yongle puderam encontrar também foram mortos como o décimo grau de parentesco. Ao todo, cerca de 870 pessoas teriam sido executadas. O próprio Fang foi cortado ao meio na cintura. Reza a lenda que antes de morrer, ele molhou o dedo no próprio sangue e escreveu no chão a palavra "usurpador".
Em 1405, o Imperador Yongle ordenou o corte de uma estela gigante na pedreira de Yangshan. A estela deveria ser cortada em três pedaços separados, uma base retangular, um corpo alto e plano e uma cabeça coroada. Yongle queria que o memorial ao seu pai fosse o maior da China.
No canto superior direito da imagem é visível o corpo e a coroa da estela. Na parte inferior está a base.
As dimensões que ele ordenou aos engenheiros da corte foram surpreendentes: a base deveria ter 16 metros de altura e 30 metros de comprimento na lateral, o corpo tinha 50 metros de altura, enquanto a cabeça tinha outros 10 metros de altura. Se a estela tivesse sido finalizada e montada, teria 73 metros de altura.
Milhares de trabalhadores passaram anos limpando a encosta e esculpindo a pedra da montanha. Segundo a lenda, os trabalhadores que não conseguiam produzir a cota diária de brita de pelo menos 33 shengs (uma medida chinesa equivalente a 8 litros) eram executados no local.
O corpo e a coroa da estela.
Em memória de todos aqueles que morreram no canteiro de obras, incluindo aqueles que morreram por excesso de trabalho e doenças, uma aldeia próxima ficou conhecida como Fentou, ou "Monte do Túmulo".
O corpo e a coroa da estela.
Após enormes despesas e trabalho inimaginável, as três partes foram cinzeladas quase inteiramente da montanha. Então os engenheiros perceberam a loucura de seu imperador: não havia como mover a gigantesca estela, pesando 31 mil toneladas juntas, da pedreira até o túmulo.
Como resultado, o projeto foi abandonado e o Imperador Yongle teve que se contentar com uma estátua muito menor conhecida como Shengong Shengde. Ela foi instalada no Mausoléu Xiao em 1413. A estela consiste em uma tartaruga de pedra que sustenta uma estela de pedra esculpida, coroada por dragões sem chifres entrelaçados. A estela tem apenas 9 metros de altura, mas mesmo assim é um monumento impressionante.
Embora a estela da pedreira de Yangshan tenha sido um empreendimento tolo, o Imperador Yongle fez grandes coisas pela China. Foi ele quem ordenou a reparação do Grande Canal que ligava o norte e o sul da China.
Ele mudou a capital de Nanquim para Pequim, onde encomendou a construção da Cidade Proibida, um feito arquitetônico monumental que se tornou a residência dos imperadores chineses durante séculos. Ele também foi responsável pela Torre de Porcelana de Nanquim, considerada uma das maravilhas do mundo antes de sua destruição pelos rebeldes Taiping em 1856.
Yongle também promoveu a exploração marítima, principalmente através das viagens do almirante Zheng He, que ampliaram a influência chinesa tão longe quanto a África e o Oriente Médio.
O reinado do Imperador Yongle foi marcado por conquistas notáveis e brutalidade severa. As suas contribuições para a infra-estrutura, cultura e influência global chinesas são inegáveis. No entanto, as suas purgas violentas e a aplicação estrita da lealdade garantiram que a dissidência fosse recebida com punição rápida e severa, deixando um legado complexo e contraditório.
Em meados de 1424, um Yongle, de 64 anos, provavelmente com obesidade mórbida e muito irritadiço, lançou uma grande campanha no deserto de Gobi para perseguir um exército de Oirates, tribos nômades de pastores de origem mongol. Frustrado com sua incapacidade de alcançar seus oponentes velozes e espertos, o Imperador caiu em profunda depressão e depois adoeceu, possivelmente devido a uma série de pequenos derrames. Ele morreu em 12 de agosto de 1424 e foi sepultado em Changling, um local a noroeste de Pequim.
O mausoléu de Changling onde o imperador Yongle foi enterrado.
A estela abandonada na pedreira de Yangshan serve como um lembrete dos seus ambiciosos empreendimentos e do impacto indelével que teve na história chinesa. Alguns canais do Youtube que se arvoram a contar história, mas sucumbem a própria ignorância, costumam listar as estelas da pedreira de Yangshan como - "...estruturas erigidas por civilizações avançadas muito antes do início dos registros históricos atuais."
O problema destes contadores de história de meia pataca é que eles não procuram os dados históricos e preferem se basear nas conspiranóias encontradas em fóruns e similares. Ainda esta semana nós falávamos sobre as pirâmides de Anlong, na província de Guizhou, no sudoeste da China, formações naturais resultado da erosão na rocha cártisca, mas muitas pessoas preferem continuar acreditando que são túmulos de antigos imperadores ou que foram criadas por alienígenas.
- "A pedreira de Yangshan e as numerosas pirâmides espalhadas por toda a China, muitas vezes envoltas em mistério, sugerem um legado de megaestruturas pré-diluvianas", escreve o canal sensacionalista Universe Inside You. - "Todos esses locais antigos e estruturas megalíticas têm algum tipo de marca de máquina que sugere que foram construídos por uma civilização avançada perdida na história."
E o pior de tudo isso é que o canal tem mais de 1 milhão de assinantes, que se embevecem com este conteúdo duvidoso e falso. A verdadeira história e o peso dos fiáveis relatos chineses contemporâneos daquela época podem não ser tão interessantes como as "civilizações avançadas" e as "megaestruturas pré-diluvianas" (quanta bobagem!), mas o povo chinês, incluindo os trabalhadores que morreram, merecem reconhecimento e respeito pela sua incrível habilidade, trabalho e visão. Aff!!!
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