Muitas culturas celebram O Ano Novo duas vezes: uma vez em 1º de janeiro e outra em uma data culturalmente específica. Os persas têm o Nowruz, os tailandeses têm o Songkran, e alguns russos comemoram o Ano Novo em 13 ou 14 de janeiro, seguindo o antigo calendário cristão ortodoxo. Mas para o povo Sakha da Iacútia no extremo norte da Rússia, o Ano Novo é celebrado duas vezes por ano: no inverno com o resto dos cidadãos da Rússia, e em 21 de junho, no solstício de verão, resultando em um feriado duplo único conhecido como Yhyakh. |
- "Quando eu era criança, sempre fazia parte do nosso verão", disse Maria Solko, que faz vídeos sobre a cultura Sakha em seu canal no YouTube, Life in Yakutia. - "É muito importante para nós."
Maria hoje mora em Almaty, no Cazaquistão, mas tem boas lembranças da celebração do Yhyakh com sua família na República de Sakha. Também chamada de Iacútia, a República semiautônoma de Sakha é a maior subdivisão de país do mundo, com 3 103 200 km²; uma área maior que a Argentina. Embora rica em belezas naturais, recursos e cultura, a região é mais famosa pelos seus invernos árticos, com a capital, Yakutsk, apelidada de "cidade mais fria do mundo".
O inverno na República de Sakha é longo, escuro e frio. De meados de novembro a meados de março, a temperatura permanece bem abaixo de -20°C; a mínima recorde em Yakutsk foi de -64°C. Os residentes devem tomar medidas extremas para sobreviver a tais condições, como preencher as menores lacunas das suas casas com musgo para isolamento, tomar banhos de vapor regulares e manter os carros estacionados em funcionamento para evitar que os motores congelem. Ninguém sai de casa sem camadas de agasalhos forrados de pele e, às vezes, até mesmo os resistentes cavalos e gado locais são levados para um ambiente aquecido para protegê-los.
- "As pessoas ficam tão cansadas do longo inverno, que esperam o tempo quente para que todos possam se reunir", disse a youtuber Kiun B, que também faz vídeos sobre a cultura Sakha em seu canal no YouTube.
Embora a Iacútia receba apenas quatro horas de luz do dia em janeiro, o fenômeno ártico do sol da meia-noite durante o breve e quente verão dá um significado único ao solstício para o povo Sakha. O dia 21 de junho é o dia mais longo e a noite mais curta. O sol quase não se põe. Escurece por apenas duas ou três horas. Então esse dia é muito especial. E os habitantes optam por comemorar nesta data, porque nesta época começa o verão e aí a natureza desperta.
Em um lugar onde o ciclo da vida é definido pelo inverno -preparando-se para ele, suportando-o e celebrando o seu fim- o solstício é visto como o feliz começo de um novo ano. A antropóloga Eleanor Peers, do Instituto Max Planck de Antropologia Social, descreveu o Yhyakh como o único momento em que os iacutas podem relaxar e aproveitar o clima quente, pouco antes de iniciarem as intensas atividades de seu curto verão: feno, coleta de alimentos, caça, construção e execução de outras tarefas ao ar livre em preparação para o longo inverno.
Historicamente, o feriado também cumpre uma importante função social como um momento para diferentes comunidades se reunirem em um só lugar.
- "O Yhyakh era tradicionalmente o único momento do ano para interação social em massa", escreveu a antropóloga iacuta Kathryn Yegorov-Crate. - "Portanto era a justificativa perfeita para vestir as melhores roupas, visitar amigos e familiares, e para os jovens se divertirem, cortejarem e se casarem."
Maria acrescenta que - "...na crença Sakha, neste dia, os deuses vêm até as pessoas e dão bênçãos. E neste dia você pensa nos seus antepassados, você pensa na tradição. Portanto, também tem uma conexão com o seu passado."
Embora alguns iacutas agora vivam em cidades modernas, o Yhyakh, que significa literalmente "abundância", ainda é celebrado ao ar livre como era nos séculos passados, em um relevo local chamado alaas, que significa "prado na floresta". Alaas é um campo gramado aberto e afundado na terra, muitas vezes com um lago no centro, formado pelo degelo do gelo do Ártico. Estes oásis no Ártico são há muito tempo pontos focais para as comunidades Sakha porque fornecem pastagens vitais para o gado.
O governo local organiza encontros Yhyakh, que misturam entretenimento semelhante a um festival com a adoração da natureza. As coisas começam ao meio-dia com os Algys, uma bênção liderada por um xamã chamado Algyschyt.
- "Ele pede aos deuses um bom ano, muita comida e abundância", disse Kiun B. O Algyschyt acende uma fogueira e faz oferendas de comida aos deuses, incluindo um gole de kumis, leite de égua fermentado, sobre as chamas.
Em seguida, os celebrantes dão as mãos para realizar o ohuokhai uma antiga dança circular de adoração ao Sol. O movimento circular lembra o movimento da Terra em torno de um corpo celeste, que ela realiza em um ano. Acredita-se que a participação em ohuokhai promete bem-estar e preenchimento de energia e novas forças. As famílias então desfrutam de um piquenique com iguarias de verão, como panquecas com creme e frutas silvestres.
Durante a noite ensolarada, os celebrantes comem espetos de carne e assistem ou participam de entretenimento ao vivo, com música, dança e uma série de competições atléticas chamadas Jogos Dygyn. Isso inclui formas tradicionais de luta livre, bem como tiro com arco e corridas a pé e a cavalo.
Em algumas aldeias os vencedores dos Jogos ainda são premiados da forma tradicional, com o melhor corte de carne de cavalo ou de vaca, mas os prêmios monetários tornaram-se mais comuns. Os prêmios também podem ser concedidos para conquistas não atléticas, como a melhor culinária ou para a garota com o cabelo mais comprido.
No final destas atividades, passada a noite breve e escura, também há um ritual de pedir sorte aos deuses, boa saúde e assim por diante. Os celebrantes estendem as mãos para saudar o sol nascente e absorver o calor e a luz que desejaram durante todo o inverno.
Os primeiros relatos escritos sobre Yhyakh remontam aos anos 1600 quando europeus visitaram a Iacútia pela primeira vez, mas as origens do feriado provavelmente remontam a muito mais tempo. Segundo uma lenda, o primeiro Yhyakh foi realizado por um dos fundadores dos iacutas, Elley Bootur, no Monte Chochur-Muran.
Alguns dos símbolos religiosos e rituais do Yhyakh têm profundas raízes turcas que os iacutas partilham com povos aparentados como os Cazaques e os Tártaros. Mas embora o Yhyakh tenha sido praticado durante séculos, não permaneceu inalterado. Durante a era soviética, o governo limitou as celebrações, e aquelas que ocorreram tiveram que ser despojadas da espiritualidade Sakha e modificadas de acordo com os princípios coletivistas soviéticos.
Embora seja possível que aldeias remotas continuassem a celebrar da maneira tradicional, o Yhyakh só se tornou um feriado oficial na República de Sakha depois da queda da União Soviética, com Yakutsk realizando sua primeira celebração do Yhyakh em 1992. Hoje, o Yhyakh realizado em Yakutsk é o maior da Iacútia.
Durante anos de estagnação, sobretudo depois das restrições soviéticas, a cerimônia tradicional foi quase esquecida. No entanto, o século 21 viu um renascimento da cultura Sakha, incluindo o Yhyakh. Até 1992, quando o primeiro Yhyakh foi realizado em Yakutsk, as celebrações tradicionalmente precisas eram realizadas apenas em algumas regiões da república.
Agora Yhyakh se torna maior e mais festivo a cada ano, com mais dançarinos, trajes mais elaborados e públicos maiores, embora a programação principal, incluindo os elementos religiosos, permaneça a mesma. Algumas celebrações de Yhyakh agora são escalonadas para que as pessoas possam participar de várias celebrações, com a ajuda de um serviço de ônibus de longa distância, e tem havido um número crescente de estrangeiros como turistas.
E com a chegada de turistas, para não ocorrer desrespeito às tradições, o festival tem algumas regras implícitas. É proibido ficar bêbado, ficar com raiva e brigar. Todos devem se divertir e aproveitar as guloseimas. Cada convidado deve experimentar carne, tomar uma dose de kumis e passar por pelo menos uma dança de roda comum. Outra proibição está relacionada aos cães, eles não podem ser levados para a festa. Esse tabu é muito antigo e provavelmente ninguém será capaz de dizer a que está relacionado.
Como dizíamos, o festival em Yakutsk é o mais popular e mais concorrido. Geralmente acontece no primeiro fim de semana após 21 de junho. Mais de 200.000 pessoas vão à capital da Iacútia! Pense nisso: um em cada cinco cidadãos da república. Ele é realizado no centro etnográfico Us Khatyn, cerca de 25 km ao norte de Yakutsk. Segundo a lenda, era onde viviam os ancestrais do povo iacuta. Toda a aldeia etnográfica, que mais parece uma cidade com capacidade para acolher 250 mil pessoas, foi construída especialmente para este festival anual de dois dias. Durante o resto do ano está fechado.
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