As mentiras da reciclagem contadas pela indústria do plástico

Um estudo da ONG norte-americana Centro para Integridade Climática concluiu que apenas 9% do plástico produzido globalmente é reciclado. No Brasil, a porcentagem é ainda mais preocupante: apenas 1,3% do plástico passa pelo processo, mas por quê? As razões por trás da baixa porcentagem de reciclagem de plástico são múltiplas. A primeira delas é que a triagem rende um trabalho hercúleo que ninguém está muito a fim de fazer, como mostramos ontem na empresa indiana que recicla garrafas pet em forma de poliéster para ser usado como tecido. Exatamente por isso os países do primeiro mundo vivem enfiado seu lixo no terceiro.

Muitas vezes, simplesmente jogamos plásticos na lixeira de reciclagem, no entanto, devido às propriedades materiais dos plásticos, nem todos podem ser reciclados. Cerca de 75% dos plásticos produzidos globalmente são termoplásticos que podem ser derretidos e moldados repetidamente para produzir novos plásticos, o que, em teoria, torna todos os termoplásticos recicláveis.

Os 25% restantes dos plásticos são plásticos termofixos que não amolecem quando expostos ao calor, tornando-os quase impossíveis de reciclar. Exemplos de produtos nos quais esse tipo de plástico é usado incluem isolamento elétrico, cordas, cintos, bastidores de máquinas e canos. Exatamente por isso os catadores de reciclados se recusam a levar aquele plástico quebradiço de cor amarelada.

Vamos considerar o problema em um nível individual. Acredite ou não, alguns plásticos não são reciclados apesar de serem recicláveis e colocados em uma lixeira de reciclagem! Aqui vai um exemplo. Digamos que você é um consumidor consciente que descarta plásticos recicláveis no recipiente apropriado: guarda um recipiente de óleo vazio em uma lixeira de reciclagem, mas alguns resíduos de óleo permanecem na garrafa.

O recipiente não será reciclado porque não é adequado para reciclagem. A verdade é que plástico com resíduos de alimentos dentro ou sobre ele geralmente não pode ser reciclado. Apenas plásticos limpos e de boa qualidade podem passar pelo processo de reciclagem.

O certo seria que uma usina de reciclagem fizesse a lavagem, mas na maioria das vezes o plástico é considerado inútil, misturado com o resto do lixo e jogado em um aterro sanitário. A reciclagem é um processo que consome muita energia e se torna mais custoso à medida que etapas adicionais, como seleção pós-consumo e lavagem, são adicionadas.

O novo plástico ainda é relativamente barato de produzir e cria um ambiente competitivo no qual custos adicionais ao processo tornam o plástico reciclado significativamente mais caro. Além disso, em países onde o preço da eletricidade é alto, pode ser mais lucrativo incinerar em vez de reciclar.

Somando-se a esses desafios, o mercado é configurado de forma fragmentada, o que torna difícil para as pessoas que vendem plástico reciclado encontrarem compradores. As instalações de reciclagem são distribuídas de forma desigual, o que significa que em algumas áreas os plásticos recicláveis não podem ser reciclados porque não há maquinário que permita uma seleção e reciclagem eficientes.

Ademais existe uma verdade inconveniente sobre a industria do plástico. Muitas pessoas quando veem o rótulo reciclável (aquele símbolo triangular formado por setinhas com um número) e o colocam em uma lixeira de reciclagem sem olhar o número (são sete ao todo) que indica o tipo de plástico, que não devem ser misturados. Em tese você deveria ter até sete recipientes adequados só para o plástico.

Por isso a grande maioria dos plásticos não é reciclada, eles simplesmente acabam em aterros sanitários ou são queimados. Estes rótulos de recicláveis começaram a aparecer em produtos plásticos no final dos anos 80 como parte de um esforço para convencer o público de que o lixo plástico não era um problema porque pode ser reciclado.

Os promotores dessa iniciativa realmente não precisavam que o plástico fosse reciclado, senão que precisavam que as pessoas acreditassem que estava funcionando e que o plástico representava um problema menor. No estudo referido no início deste artigo, Davis Allen, um pesquisador investigativo do Centro de Integridade Climática, acusa a indústria de plásticos de uma campanha de décadas para enganar o público sobre a viabilidade da reciclagem de plástico apesar de saber das limitações técnicas e econômicas que tornam os plásticos não recicláveis em grande escala.

A indústria de plásticos dirá praticamente tudo o que precisam dizer para continuar vendendo plástico e ganhando dinheiro. Segundo Davis, em uma reunião do Conselho Americano de Plásticos, em 1994, um executivo da Exxon, a grande empresa multinacional de petróleo e gás dos EUA, disse que, quando se trata de reciclagem, estava comprometido com as atividades, não com os resultados. Ou seja, a indústria do plástico sempre viu a reciclagem não como um problema técnico real que precisava ser resolvido, mas como um problema de relações públicas.

Mais recentemente a indústria lançou uma campanha publicitária chamada "A Reciclagem é Real, e diz que está investindo no que chama de tecnologia avançada de reciclagem, afirmando que os fabricantes de plástico estão trabalhando duro para mudar a maneira como os plásticos são feitos e reciclados.

- "Esta é a mesma mentira que eles vem contando a pelo menos 30 anos", disse Davis. - "Minha resposta a isso é que é ficção científica pura."

A produção de plástico deve triplicar até 2050 e com tanto lixo plástico se acumulando na terra e no mar mais de 170 países estão trabalhando em um tratado das Nações Unidas para acabar com a poluição plástica, mas a indústria de plásticos diz que se opõe a qualquer proibição da produção de plástico e faz lobby no congresso americano.

A reciclagem tem sido uma história alimentada aos consumidores para nos fazer acreditar que as enormes quantidades de lixo que geramos não são tão ruins e estão sendo gerenciadas de forma responsável. Por anos, aqueles plásticos e recicláveis que você estava separando não teve o destino correto.

Isso não quer dizer que você deva deixar o hábito da reciclagem, mas sim fazer uma triagem mais criteriosa, retirando o rótulo e lavando a garrafa de óleo, por exemplo, para que possa ser realmente reaproveitada. Há uma necessidade urgente de abordagens novas e alternativas para prevenir e limitar nossos hábitos de desperdício, tentando evitar a todo custo produtos com embalagens plásticas sem dar ouvidos a indústria de plásticos cuja prática é reciclar suas mentiras repetidas vezes.