Se você mora em um dos códigos postais arborizados do Brasil, provavelmente já estendeu a mão para acariciar seu cão e notou o que parece ser um "feijão" gordo com patas grudadas à pele dele. Nove em cada dez vezes, essa criatura horrorosa acaba sendo um carrapato-de-cachorro, um aracnídeo que evoluiu para favorecer a alimentação de caninos que podem transmitir uma série de doenças aos humanos, que variam de perigosas a mortais. Para azar de nosso amigos caninos fieis esta praga é esperta. O carrapato pode atacar qualquer região do corpo do cão, porém é mais frequente que se agarrem no lombo superior e nas orelhas, onde o cão não alcança. |
A jornada evolutiva do carrapatos-vermelhos-de-cão (Rhipicephalus sanguineus) ainda não acabou. Um estudo da Universidade da Califórnia em Davis mostra que as mudanças climáticas podem levar essas pequenas bolsas de sangue de oito patas a começar a escolher pessoas em vez de cães. Meda!
No que diz respeito aos sugadores de sangue, os carrapatos estão no mesmo nível dos mosquitos na lista dos insetos mais insidiosos e sanguinários da natureza. Há uma variedade de tipos diferentes de carrapatos rastejando pelo mundo a qualquer momento, mesmo, infelizmente, no auge do inverno. Em todo o mundo, há mais de 900 espécies diferentes de carrapatos e 25% delas (230) chamam o Brasil de lar.
Por esse motivo há sempre que dar banhos com carrapaticidas e vasculhar a pelagem de seus animais, pois muitas vezes o que parece um cisco é um carrapato em seu estágio inicial. Quando começam a parasitar os cães, o carrapato-vermelho-de-cão é pouco maior que uma pulga. Ele só atinge este estado nojoso depois sugar sangue por vários dias e nesse estágio não tem carrapaticida que dê jeito. Será necessário catar um por um com cuidado para que não estoure e espalhe mil ovos na pelagem.
O aumento das temperaturas está inspirando muitos desses carrapatos a mudar seus alcances e se mudar para regiões onde as pessoas e os profissionais médicos não estão familiarizados com as doenças que eles carregam.
Quando um carrapato doente pica um humano, o tratamento bem-sucedido geralmente depende de que a pessoa receba atenção médica adequada imediatamente. Essa urgência é o que motivou Lauren H. Backus, autora principal do estudo sobre Rhipicephalus sanguineus, a dar uma olhada mais de perto na correlação entre temperaturas e preferências de carrapatos.
O carrapato-vermelho-de-cão é considerado o principal transmissor da babesiose canina e da erlichiose, mais conhecida como "doença-do-carrapato". Se infectado com a bactéria Rickettsia rickettsii ele pode transmitir uma doença chamada febre-maculosa, que causa dores de cabeça, dores musculares e outros sintomas semelhantes aos da gripe em humanos. É altamente tratável com antibióticos se a infecção for detectada nos primeiros cinco dias após o paciente apresentar os sintomas. Sem tratamento, a taxa de mortalidade pode chegar a 20%.
Outra praga, o carrapato-estrela, micuim, ou ainda carrapato-de-cavalo (Amblyomma cajennense), que tem como hospedeiros preferidos os equídeos, mas pode também parasitar bovinos, cães, animais domésticos e silvestres é o principal vetor da Rickettsia rickettsii.
Surtos contínuos da doença no Arizona levaram Lauren a analisar os hábitos alimentares desses carrapatos em particular. Para conduzir seu experimento, ela projetou um olfatômetro enorme com duas caixas duas caixas de madeira muito grandes conectadas por um tubo longo e transparente. Uma de cada vez, ela colocou uma variedade de raças de cães de médio porte em uma caixa e enfiou humanos diferentes na outra. Então, Lauren colocou duas linhagens genéticas de carrapatos-de-cão e ninfas crivadas de febre-maculosa no meio do tubo que conecta as caixas.
O experimento foi relativamente simples: observar para onde os carrapatos iam, primeiro em temperatura ambiente de 24°C e depois com o calor aumentado para cerca de 37°C. Ela descobriu que as ninfas não foram realmente afetadas pela mudança de temperatura, mas os carrapatos adultos, particularmente a cepa tropical de carrapatos-de-cães, desenvolveram um desejo por sangue humano sob o cenário mais quente.
- "Em temperatura ambiente, eles definitivamente preferiram os cães, que é o que esperaríamos", disse Lauren. - "Assim que aumentamos a temperatura para 37 graus, eles mudaram de direção. A preferência deles pelos cães diminuiu um pouco, mas cerca de duas vezes e meia mais carrapatos foram em direção às pessoas do que tinham ido em direção às pessoas em temperatura ambiente."
Lauren não sabe o que está por trás da mudança de preferência. A explicação mais plausível é que os carrapatos estão apenas fazendo tudo o que podem para sobreviver em condições quentes.
- "É possível que eles sejam mais levados a um hospedeiro quando está quente e seco porque não querem morrer", disse Lauren. - "Mas por que eles têm essa mudança sensorial onde, de repente, eles vão mais em direção a humanos em vez dos cães? Isso não está claro."
A premissa básica, de que temperaturas mais altas levam a mais carrapatos picando humanos, foi estabelecida pela primeira vez em 2008 em um estudo realizado por uma equipe de pesquisadores na França. O que essa nova pesquisa faz é focar no carrapato-de-cachorro como um possível vetor da febre-maculosa. O experimento mostra carrapatos fazendo ativamente a troca de cães para humanos, algo que o estudo francês não fez.
Lauren não sabe se os resultados de seu experimento se traduzem em outros tipos de carrapatos. Mas os casos de febre-maculosa-riquetiosa aumentaram drasticamente nas últimas duas décadas, de 495 casos em 2000 para um pico de 6.248 casos em 2017. Casos de outros tipos de doenças transmitidas por carrapatos também estão aumentando.
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig ID: c048e5ac-0172-45ed-b26a-910f9f4b1d0a
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários
Vou explicar amigo Padre. O estudo foi feito com cães, humanos e o carrapato-de-cachorro, exatamente a mesma espécie de carrapato que existe no Brasil. Ou seja, não existe nenhuma ilação conjectural baseada em analogia fora de sua área de validação aqui.
Não existe Rhipicephalus sanguineus americanus nem Rhipicephalus sanguineus brasilienses, existe apenas o Rhipicephalus sanguineus que parasita principalmente cães tanto aqui como lá. E muito provavelmente a condição aqui seja bem mais severa, pois afinal a temperatura média de nosso país é bem mais alta.
O carrapato-de-cachorro, da mesma forma, pode ser um vetor da Rickettsia rickettsii, que provoca a febre maculosa. Lá é chamada maculosa-das-Montanhas-Rochosas, aqui é chamada maculosa-brasileira, porque é transmitida em maior medida pelo micuim, que é nativo das Américas do Sul e Central. Só existe carrapato-de-cavalo no Sul do Texas e da Luisiana, provavelmente devido a fronteira com o México. Seja como for, ambas as febres são maculosas-riquetiosas, que podem ser transmitidas por mais meia dúzia de carrapatos, alguns piolhos e pulgas.
Em outras palavras, a pesquisadora da Universidade da Califórnia fez um experimento utilizando ciência dura, neste caso a biologia, cujos resultados podem ser aplicados em qualquer lugar do mundo, exceto na Antártida.
A extrapolação ou ilação conjectural baseada em paridade só ocorre nas ciências moles, geralmente baseada em estudos de opinião pública, metodologias sociais e comportamentais, que aí sim podem ser bastante diferentes de um país para o outro, inclusive, entre bairros da mesma cidade.
Não entendi. O estudo e os fatos ocorrem em outro país e não no Brasil. Porquê o alarmismo?