Pesquisadores interessados em evolução humana e ecologia geralmente se concentram no gasto de energia porque a energia é central para tudo na biologia. Pode-se aprender muito sobre qualquer espécie medindo seu metabolismo: a vida é essencialmente um jogo de transformar energia em filhos, e cada característica é ajustada pela seleção natural para maximizar o retorno evolutivo de cada caloria gasta. No entanto, por quase todos os últimos dois milhões de anos, os humanos e nossos ancestrais viveram e evoluíram como caçadores-coletores. |
A agricultura só começou há cerca de 10.000 anos; cidades industrializadas e tecnologia moderna têm apenas algumas gerações. Segundo Herman Pontzer, professor de antropologia evolucionária na Universidade Duke, em Durham, Carolina do Norte, populações como os hadzas, uma das últimas de caçadores-coletores restantes no mundo, são essenciais para entender como nossos corpos evoluíram e funcionaram antes das vacas, carros e computadores.
- "Caçar e coletar é cerebral e arriscado, um jogo de alto risco em que a moeda são calorias e falir significa morte", escreveu Herman em um estudo de 2016. - "Os hadzas gastam centenas de calorias por dia caçando e rastreando, uma aposta que eles esperam que valha a pena no jogo. A inteligência é tão crítica quanto a resistência. Enquanto outros predadores podem confiar em sua velocidade e força para obter presas, os humanos têm que pensar melhor que sua presa, considerando suas tendências comportamentais e vasculhando a paisagem em busca de sinais de caça."
Ainda assim, os homens hadzas caçam grandes animais como girafas apenas uma vez por mês. Eles morreriam de fome se as mulheres não estivessem executando uma estratégia igualmente sofisticada e complementar, usando seu conhecimento enciclopédico da vida vegetal local para levar para casa uma alimentação confiável todos os dias. Essa coleta complexa e cooperativa é o que tornou os humanos tão incrivelmente bem-sucedidos e é o cerne do que nos torna únicos.
Pesquisadores em saúde pública e evolução humana há muito tempo assumem que nossos ancestrais caçadores-coletores queimavam mais calorias do que as pessoas nas cidades e vilas hoje. Dado o quão fisicamente pessoas como os hadzas trabalham, parece impossível imaginar o contrário.
Muitos na saúde pública chegam a argumentar que essa redução no gasto energético diário está por trás da pandemia global de obesidade no mundo desenvolvido, com todas essas calorias não queimadas se acumulando lentamente como gordura.
O Brasil vive uma verdadeira epidemia de obesidade. Se você não é obeso, provavelmente ainda esteja um pouco acima do peso. Se hoje 56% dos adultos brasileiro estão com excesso de peso -34% com obesidade e 22% com sobrepeso-, em 20 anos, a prevalência chegará a 75%, dos quais 48% terão obesidade e 27% viverão com sobrepeso. Dito de outra forma, até 2044, 83 milhões de pessoas terão obesidade e 47 milhões viverão com sobrepeso, somando 130 milhões de brasileiros com excesso de gordura.
Foi isso o que apontou um estudo brasileiro publicado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
- "Com base nas tendências atuais, a carga epidemiológica e econômica do sobrepeso e da obesidade no Brasil aumentará significativamente, portanto políticas robustas precisam ser implementadas no país, incluindo o tratamento dos casos existentes e a prevenção do sobrepeso e da obesidade em todas as faixas etárias", escreveram os autores do estudo.
A ingestão alimentar da população brasileira adulta encontra-se dentro do recomendado, apesar da prevalência de pré-obesidade e obesidade ser alta. Isso tem a ver com a alta ingestão de colesterol, ácidos graxos saturados e lipídios totais associada à baixa ingestão de fibras.
Os hadzas da Tanzânia gastam centenas de calorias por dia em atividades, mas queimam o mesmo número de calorias que os moradores das cidades.
Por isso, uma das grandes motivações de Herman era medir o metabolismo dos hadzas para determinar o tamanho desse déficit energético e ver o quão deficientes nós, ocidentais, somos em nosso gasto diário. Ele enviou os frascos de urina dos hadzas o Colégio de Medicina Baylor, imaginando os totais de calorias colossais que eles revelariam.
Mas uma coisa estranha aconteceu no espectrômetro de massa de razão isotópica. Quando as análises voltaram, os hadzas pareciam com todos os outros. Os homens hadzas comiam e queimavam cerca de 2.600 calorias por dia, as mulheres cerca de 1.900 calorias por dia, o mesmo que os adultos nos EUA ou no Brasil.
Ao analisar os dados de todas as maneiras imagináveis, levando em conta os efeitos do tamanho do corpo, porcentagem de gordura, idade e sexo não havia nenhuma diferença. Como isso era possível? O que mais estava errando sobre a biologia e a evolução humanas?
Parece tão óbvio e inescapável que pessoas fisicamente ativas queimam mais calorias que todos aceitamos esse paradigma sem muita reflexão crítica ou evidência experimental. O resultado hadza, por mais estranho que pareça, não foi um raio do nada, mas mais como a primeira gota de água fria descendo pelo pescoço de uma chuva que vinha se formando, ignorada, por anos pelos pesquisadores.
Os humanos não são a única espécie com uma taxa fixa de gasto de energia. Um outro estudo mediu o gasto diário de energia entre primatas, o grupo de mamíferos que inclui macacos, símios, lêmures e nós. A conclusão foi que primatas cativos vivendo em laboratórios e zoológicos gastam o mesmo número de calorias por dia que aqueles na natureza, apesar das diferenças óbvias na atividade física.
Então como o corpo se ajusta a níveis mais altos de atividade para manter o gasto diário de energia sob controle? Como os hadzas podem gastar centenas de calorias por dia em atividade e ainda queimar o mesmo número total de calorias por dia que pessoas comparativamente sedentárias no Brasil e EUA?
Os pesquisadores ainda não têm certeza. Pode ser que pessoas com altos níveis de atividade mudem seu comportamento de maneiras sutis que economizam energia, como sentar em vez de ficar em pé ou dormir mais profundamente. Mas embora essas mudanças comportamentais possam contribuir, elas não são suficientes para explicar a constância vista no gasto diário de energia.
Outra possibilidade intrigante é que o corpo abre espaço para o custo da atividade adicional reduzindo as calorias gastas em muitas tarefas invisíveis que ocupam a maior parte do nosso orçamento energético diário: o trabalho de limpeza que nossas células e órgãos fazem para nos manter vivos.
Economizar energia nesses processos pode abrir espaço em nosso orçamento energético diário, permitindo-nos gastar mais em atividade física sem aumentar o total de calorias gastas por dia. Por exemplo, o exercício frequentemente reduz a atividade inflamatória que o sistema imunológico aumenta, bem como os níveis de hormônios reprodutivos, como o estrogênio.
Em animais de laboratório, o aumento do exercício diário não tem efeito no gasto energético diário, mas resulta em menos ciclos ovulatórios e reparo tecidual mais lento. E os extremos podem levar alguns animais a comer seus próprios bebês amamentados. Humanos e outras criaturas parecem ter várias estratégias evoluídas para manter o gasto energético diário restrito.
Todas essas evidências apontam para a obesidade como uma doença de gula e não de preguiça. As pessoas ganham peso quando as calorias que comem excedem as calorias que gastam. Se o gasto energético diário não mudou ao longo da história humana, o principal culpado na pandemia de obesidade moderna deve ser as calorias consumidas.
Isso não deveria ser notícia. Especialistas sabem por experiência própria e muitos dados que apenas ir à academia para perder peso é frustrantemente ineficaz. Mas a nova ciência ajuda a explicar por que o exercício é uma ferramenta tão ruim para perda de peso. Não é que não estejamos nos esforçando o suficiente, é que nossos corpos provavelmente estejam conspirando contra nós desde o início.
Mas isso não significa que devemos renunciar aos exercícios, longe disso. Os exercícios podem ser apenas um fator secundário na perda de peso, mas são um fator importante em quase tudo o mais relacionado à nossa saúde. Então, se quisermos perder peso, a melhor coisa a fazer é prestar atenção ao que, quanto e quando comemos. Todos nós precisamos nos exercitar, não importa qual seja nosso peso, devido ao gasto constante de energia que nossos corpos têm. Ela deve ser canalizada na direção certa.
Este artigo não é um bilhete da sua mãe te dispensando da aula de ginástica. O exercício tem toneladas de benefícios bem documentados, desde aumento da saúde do coração e do sistema imunológico até melhora da função cerebral e envelhecimento mais saudável. Na verdade, parece que a adaptação metabólica à atividade seja uma das razões pelas quais o exercício nos mantém saudáveis, desviando energia de atividades, como inflamação, que têm consequências negativas se durarem muito tempo.
Os alimentos que comemos certamente afetam nossa saúde, e exercícios combinados com mudanças na dieta podem ajudar a manter os quilos indesejados longe quando um peso saudável for alcançado, mas evidências indicam que é melhor pensar em dieta e exercícios como ferramentas diferentes com forças diferentes. Exercite-se para se manter saudável; concentre-se na dieta para cuidar do seu peso tendo cuidado para não adotar dietas malucas da moda.
Mesmo que a ciência recente em adaptação metabólica ajude a esclarecer a relação entre exercício e obesidade, um metabolismo restrito e adaptativo deixa os pesquisadores com questões existenciais maiores. Se o gasto diário de energia é virtualmente imóvel, como os humanos poderiam evoluir para ser tão radicalmente diferentes de nossos parentes macacos?
Nada na vida é de graça. Os recursos são limitados, e investir mais em uma característica significa inevitavelmente investir menos em outra. Não é coincidência que os coelhos se reproduzam prodigiosamente, mas morram jovens; toda essa energia investida na prole significa menos para manutenção corporal e longevidade. O Tiranossauro rex pode agradecer à sua grande cabeça de grandes dentes e poderosos membros posteriores por seus braços e mãos insignificantes. Nem os dinossauros podiam ter tudo.
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