Fugu, ou baiacu, é uma delícia gastronômica no Japão, Brasil e Estados Unidos. Nestes três países o prato é uma verdadeira iguaria. Na Europa, porém, as coisas mudam. Ali, pelo menos legalmente, é impossível encontrar algum restaurante que sirva baiacu. A razão é porque seu consumo é proibido, e isso porque estamos falando de uma criatura extremamente tóxica -a segunda espécie de vertebrado mais venenosa-. Na verdade, muito poucas pessoas no mundo conseguem cozinhar este prato perigoso e, há poucos dias, uma menina de 10 anos juntou-se à pequena lista. |
Karin Tabira é o nome de uma menina japonesa de 10 anos que está nas manchetes do país. A aluna da quinta série passou em um exame neste verão que a certifica para cortar e estripar fugu para consumo. Desta forma, ela se torna a mais jovem autorizado a preparar o prato.
Karin estava entre as 60 pessoas, a maioria chefs profissionais, que passaram no exame na província de Yamaguchi neste verão, das 93 que participaram da competição anual. Passar no exame fez parte de "felizes férias de verão", disse ela à mídia. Na verdade, ela usou suas novas habilidades para servir uma bandeja com fatias finas de sashimi de fugu ao governador da província de Kumamoto, onde a jovem mora.
A província de Yamaguchi não tem limite de idade para testes de preparação de baiacu, mas na província de Kumamoto, Karin só pode preparar pratos de fugu acompanhada por um adulto licenciado. Aparentemente, o interesse da menina foi despertado pela notícia de que outra criança, um pouco mais velha, de outra região, havia passado no teste. Assim, desde fevereiro vem treinando na Fukunari, fazenda e atacadista em Kumamoto.
Conforme noticiado pela mídia do país, a menina usou um martelo para furar os ossos duros do baiacu com sua faca de açougueiro e teve que subir em uma plataforma para usar o balcão da cozinha.
- "Mesmo nossa equipe adulta pode falhar no teste. É incrível que uma menina de 10 anos passe na primeira tentativa", disse Yuki Hirao, executivo da Fukunari.
Por que é tão perigoso? Tudo se resume a uma palavra: tetrodotoxina, uma potente neurotoxina encontrada em várias partes do corpo, especialmente no fígado, ovários e pele. Esta toxina é extremamente mortal. Estima-se que seja até 1.200 vezes mais venenosa que o cianeto. Apenas uma pequena quantidade pode paralisar os músculos, causar insuficiência respiratória e, se não for tratada rapidamente, a morte.
No sentido "culinário", o que o torna particularmente perigoso é que o seu preparo incorreto pode levar à contaminação da carne comestível com partes venenosas. É por isso que os chefs que preparam a antiga iguaria devem ser altamente treinados para eliminar cuidadosamente "o veneno" e servir apenas carnes seguras para consumo. Ainda assim, existe um pequeno risco, que acrescenta um elemento de perigo à experiência de degustar o prato.
Nos restaurantes sofisticados do Japão, o fugu é frequentemente servido cru, e os cozinheiros devem ter uma licença que comprove que podem cortar com segurança os órgãos que contêm tetrodotoxina -sim, ocorreram mortes como resultado da ingestão de peixe preparado por pessoas sem licença-. Daí o processo para servi-lo é muito rigoroso.
Em primeiro lugar, é necessário passar por meses de formação, seja em uma escola ou com um chef experiente, onde não só aprende a cozinhar, mas também a manusear e preparar com segurança as diferentes partes do peixe. Depois, o candidato deverá passar em dois exames, primeiro um teórico sobre normas sanitárias, efeitos da tetrodotoxina e medidas de segurança, e por último um prático, onde deverá demonstrar que consegue filetar o peixe e preparar pratos sem contaminar a parte comestível. Este exame costuma ser realizado em condições estritas onde o candidato acaba degustando seu prato.
Existem pelo menos 20 espécies de baiacu no Brasil, algumas com maior concentração de veneno -inclusive na pele e não somente no fígado-, outras com menos. Os baiacus-arara são uma espécie bastante consumida no país e vendida em várias peixarias. Não há registro de envenenamento pelo consumo desse peixe.
No entanto, por conta dos cuidados necessários na hora da limpeza, a recomendação é sempre comprar o baiacu nas peixarias e nunca comer o baiacu que você ou um amigo pescou no mar. No ano passado um capixaba de 46 anos morreu após comer um baiacu presenteado por um amigo. Em fevereiro deste ano, 3 pessoas da mesma família faleceram em Salinópolis, no nordeste do Pará, após comerem baiacus.
No entanto, apesar do perigo, não há regulamentação específica para a pesca ou consumo de baiacu no Brasil. A maioria dos restaurantes familiares litorâneos de Santa Catarina servem baiacus-arara para seus comensais. Ainda que não seja conhecido nenhum caso de intoxicação com esta espécie, sim seu fígado contém tetrodotoxina.
Contamos isso há alguns meses, quando as pesquisas conseguiram sintetizar o veneno, um grande avanço para a nova geração de analgésicos. Como? Sim, com o passar do tempo foram conhecidas mais criaturas capazes de produzir a neurotoxina letal, entre outras, os polvos. Assim, descobriu-se que na verdade não era algo produzido por animais.
Pelo contrário, é algo biossintetizado por certas bactérias que infectam estas espécies; algo que se acumula nos corpos dos seus hospedeiros e, em última análise, desempenha um papel fundamental na sua defesa contra predadores. O que é realmente surpreendente é que a toxina tem muitos usos além dos peixes, e pode ser usada na luta contra o câncer ou mesmo enxaquecas.
Na verdade, se nos concentrarmos nas suas utilizações práticas atuais, a tetrodotoxina tornou-se uma ferramenta indispensável na investigação neurológica porque permite o bloqueio seletivo dos canais de sódio e, portanto, pode ser utilizada para silenciar sinais elétricos dentro de circuitos específicos.
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