Quantas vezes você pode descobrir notícias que mudam a vida sobre seu pai? Para Eve Wiley, a resposta é três vezes. E sobre três homens diferentes. Eve Wiley teve três pais em sua vida. Um deles, infelizmente, faleceu quando ela tinha apenas sete anos. Um deles é um cara legal, mas não era quem ela pensava que era. E o outro era um monstro egomaníaco. Há anos, Eve tem feito campanha incansavelmente contra fraudes de fertilidade. Ela até apareceu na série documental de sucesso da Netflix "O Homem com 1.000 Filhos", que contava a história do doador serial de esperma Jonathan Meijer. |
Junto com Jonathan, há um número alarmante de doadores de esperma em série por aí que são obcecados com a ideia de engravidar mulheres sob falsos pretextos, por suas próprias razões distorcidas. Ninguém sabe disso melhor do que Eve.
Enquanto crescia, Eve sempre acreditou que Doug era seu pai biológico. Ele era casado com sua mãe, Margo, e era professor de ensino médio em sua pequena cidade na zona rural do estado norte-americano do Texas. Infelizmente, Doug faleceu quando ela tinha sete anos. Anos depois, Eve, de 16 anos, estava lendo os e-mails de sua mãe e fez uma descoberta.
- "Minha mãe era enfermeira na minha escola. Eu tinha esse pequeno hábito de entrar nos e-mails dela e encontrar todas as fofocas suculentas sobre meus colegas", disse Eve. - "Foi quando encontrei os e-mails na caixa de entrada pessoal da minha mãe do criobanco da Califórnia e vi minha data de nascimento neles."
Foi nesse momento que Eve percebeu que tinha sido concebida por doador de esperma. Doug não era seu pai biológico. Na verdade, o doador 106, cujo nome verdadeiro era Steve Scholl, era seu pai biológico.
- "Na manhã seguinte, invadi o banheiro onde minha mãe estava se arrumando e disse: 'Mãe, eu sei que Doug não é meu pai'. Só me lembro dela olhando para mim no reflexo do espelho e ela começou a chorar. Ela ia me contar, ela só não sabia como me contar", disse Eve sobre o dia que confrontou a mãe sobre a verdade.
- "Definitivamente, houve um nível de trauma em não ter uma figura paterna enquanto crescia", contou Eve. - "Tentei olhar para isso no sentido de Pollyanna, pensando em todos os meios-irmãos que provavelmente tive. Eu não sabia que o doador poderia decidir não ter contato comigo, ou que eu poderia ser rejeitada."
Durante a infância, havia piadas de amigos da família ou colegas de escola de que Eve era adotada. Ela era loira, tinha olhos azuis e sua irmã, que era 14 meses mais nova, tinha cabelo castanho escuro e olhos castanhos escuros. Eve não se parecia com ninguém em sua família.
Depois que Eve foi concebida por meio de doação de esperma, Doug recebeu tratamento médico que aumentou suas chances de fertilidade. Isso significou que ele e Margo deram as boas-vindas à sua segunda filha, que era biológica para ambos.
Eve decidiu entrar em contato com o doador de esperma que seus pais usaram.
- "A recomendação nos anos 80 era 'não pergunte, não conte'. Mas, felizmente, mamãe tinha guardado todas as informações em uma pasta verde", explicou Eve. - "Nós a retiramos e vimos os registros. O nome dele era Steve Scholl. Mamãe o escolheu porque ele tinha certas qualidades e um interesse em cinema e política que ela achava que era semelhante ao de Doug."
O casal se conheceu e formou um vínculo próximo. Steve disse a Eve que ele tinha sido doador anos atrás, enquanto estava na faculdade, fazendo isso para ganhar um dinheiro rápido. Agora sua vida parecia muito diferente.
- "Ele era pai de três filhos. Acabamos falando ao telefone por uma eternidade. Ele voou para me encontrar pela primeira vez, e foi incrível. Foi como um abraço enorme. Eu tinha 19 anos na época", contou Eve.
Steve vivia em um outro Estado e tinha sua própria família. Era casado e tinha filhos jovens. A esposa de Steve no começo não gostou da ideia de uma estranha bater na porta de casa da família dizendo ser filha de seu marido. Mas com a passagem do tempo, ela aceitou a situação. E ambos, ela e Steve, foram ao casamento de Eve. Aliás, foi Steve que conduziu o casamento da filha.
Anos se passaram. O relacionamento pai/filha se fortaleceu. Um ano depois de se casar, Eve teve um filho, Hutton, que começou, cedo, a ter problemas de saúde, e os médicos não conseguiam identificar a causa desses problemas.
Quando tinha três anos, foi feito um perfil genético do garoto e descobriu-se que ele sofria de doença celíaca, uma doença autoimune causada normalmente pelo consumo de glúten. O distúrbio é hereditário e seu gene foi detectado na mãe do menino, Eve.
- "Meu filho mais velho tinha todas essas alergias e ninguém conseguia descobrir o que era", explicou Eve. - "Ele tinha doença celíaca. Os médicos queriam um histórico médico melhor, então recomendaram que fizéssemos um teste de DNA, pois é uma condição hereditária."
Eve também fez o perfil genético de saúde e ancestralidade em uma empresa bastante popular nos Estados Unidos, que faz uma espécie de árvore genealógica do cliente a partir de seu DNA, e identifica uma série de parentes biológicos e seus graus de parentesco. Os resultados deixaram Eve perplexa: Steve não era seu pai biológico. Os testes indicaram que Kim McMorries, o médico de fertilidade de sua mãe, que havia usado intencionalmente seu próprio esperma. Ele não havia usado o doador que seus pais haviam selecionado e consentido.
- "O DNA não mente. Mas eu desejei desesperadamente nunca ter descoberto isso e ter continuado a viver uma vida de conto de fadas com meu pai Steve e minha mãe. Eu queria fingir que isso nunca tinha acontecido. A negação era forte", disse Eve. Logo a realidade bateu forte. - "Eu comparo isso ao estupro médico, porque não há consentimento."
Eve diz que dar a notícia a Steve foi incrivelmente difícil. Ela esperou dois meses para contar ao homem que por 13 anos ela acreditou ser seu pai. Ela esperou Steve receber os resultados de teste de DNA que ele tinha feito na mesma empresa em que Eve fez o seu teste.
‘- "Eu não contei a ele até semanas depois, porque acho que havia uma pequena parte de mim que realmente esperava que não fosse verdade. Mas eu sabia que a verdade precisava ser dita. Foi a parte mais difícil de todo esse processo. Foi como uma ferida de pai sendo aberta novamente, eu estava com tanto medo de rejeição. Eu sabia que não havia nada que desfizesse aqueles 13 anos de construção do relacionamento. Eu ainda estava preocupada", lembrou Eve.
- "Liguei para ele e foi devastador. Nós dois apenas choramos ao telefone. E no final da conversa, ele disse: 'Isso muda algumas coisas, mas não muda o fato de que você é minha filha. E vamos superar isso juntos.' Era tudo o que eu precisava ouvir", disse Eve.
Kim disse que usou frascos de esperma de anos anteriores. Mas em uma anotação de registros médicos de uma meia-irmã de Eve, que era alguns meses mais velha que ela, o próprio médico disse que usou uma amostra fresca.
- "Nós acreditamos firmemente que ele colheu a amostra dele na própria clínica e em seguida a depositou na minha mãe", explicou Eve.
Ao descobrir a verdade, Eve e sua mãe contataram as autoridades, bem como seus advogados. Elas foram informadas de que essa inseminação sem consentimento era um crime apenas em um estado dos EUA. Eve desde então decidiu mudar as leis no Texas e em outros estados criando causas civis e criminais de ações para as vítimas. Em 2022, oito estados dos EUA aprovaram algum tipo de projeto de lei sobre fraude de fertilidade. Eve também decidiu confrontar seu pai biológico por e-mail.
- "Ele é um pilar em nossa comunidade, as pessoas o amam. Fiz tudo por escrito e disse a ele que, por meio de testes, sou filha dele", contou Eve. - "Ele não ligou muito dizendo: 'Parece que você herdou parte da minha boa genética'. Sim, idiota. Por meio de testes comerciais de DNA, posso ver que tenho 14 meios-irmãos."
Ademais, Kim, disse que ela deveria apenas ser grata por estar viva por causa dele. Eve decidiu nunca mais falar com ele depois que começou a fazer lobby para tornar sua atitude um crime. Quando ela tornou pública sua história em 2020, a reação em sua área local foi difícil de lidar. Um pastor amigo do médico até disse que ele estava fazendo " - "...o trabalho do Senhor e que ela deveria ser grata por ter sua genética maravilhosa."
Eve diz que foi uma resposta muito decepcionante para muitos, com cerca de 90% da comunidade ficando do lado dele. Para piorar os defensores dele invadiram suas redes sociais com insultos gratuitos.
- "Recebi muitas mensagens de ódio através do Facebook e Instagram. Foi muito difícil. Muita gente pensa que eu estava arruinando a vida de um homem bom, que ele estava fazendo a obra do Senhor", revelou Eve. - "Acho que ouvi isso umas 100 vezes. Que eu era uma pirralha mal agradecida. Ou pessoas dizendo ‘você é bonita e inteligente e deveria estar grata por estar viva’. Que ‘se ele não tivesse feito isso, eu não estaria aqui’."
Os casos dela contra o médico ainda estão no sistema judicial correndo sobre segredo de justiça. Ela espera que a licença médica dele seja revogada.
- "Se eu realmente acredito que precisamos deixar este mundo melhor do que o encontramos, preciso encontrar o propósito na minha dor", disse a mulher. - "Preciso fazer isso, não apenas para o resto das pessoas que foram enganadas, mas também para ser um exemplo para minhas meninas, de que nem sempre é a tragédia que acontece com você. É o que você faz com ela. E isso é empoderamento."
Eve diz reconhecer e honrar sua identidade genética, mas que sua descoberta a aproximou ainda mais de Steve, porque sempre houve uma consistência na relação dos dois e continuam mantendo ela.
- "Hoje damos risada do que aconteceu, mas sem dúvida que tivemos que conversar, a situação era estranha. Mas todas as decisões que tomamos depois disso foram decisões de uma família."
Formada em psicologia e neurociência comportamental, com mestrado em ciências de aconselhamento parental, Eve Wiley hoje mora em Dallas, onde trabalha como terapeuta especializada em ajudar pais a lidar com comportamentos como ansiedade, depressão e dificuldades de aprendizado em crianças.
Casos como o de Eve estão longe de ser os únicos. O Brasil tem um "monstro" para chamar de seu: Roger Abdelmassih, o ex-médico, especialista em reprodução humana, e estuprador em série foi condenado a 278 anos de prisão por 52 violações.
Suas vítimas eram as clientes que procuravam tratamento em sua clínica e que ele atacava enquanto estavam sob efeito de sedativos usados durante o processo de fertilização. Segundo reportagens da época, - "...ocorria a penetração e algumas de suas vítimas podem até ter sido inseminadas com o seu esperma."
Os crimes, que aconteceram entre os anos 1990 e 2000, foram chamados de "monstruosidades". Referências a Roger também usam o termo "médico e monstro", em uma clara alusão ao livro famoso "O médico e o monstro", de Robert Louis Stevenson.
Abdelmassih teve seu registro profissional cassado em 20 de maio de 2011 e é mantido encarcerado no Hospital Penitenciário do Estado de São Paulo, após seus advogados tentarem prisão domiciliar para ele, sem sucesso.
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