Segundo a BirdLife International existem atualmente no mundo cerca de 10,5 mil espécies de aves, sendo que mais da metade pertence a ordem passeriforme. No Brasil são pouco mais de 1,9 mil espécies (342 canoras), segundo dados do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos. Com isso, o país está entre os três com maior diversidade de aves do planeta. Os passeriformes são apreciados não apenas pelas cores de sua penas, senão que também por seu canto. Por muito tempo acreditou-se que apenas os machos tivessem a habilidade de cantar, mas um estudo de 2014 derrubou este mito, revelando cerca de 30% das fêmeas também cantam. |
A maioria das fêmeas de pássaros não cantam, mas emitem outros sons, como piados e chamados, para se comunicar com os parceiros ou filhotes. Mas algumas cantam ainda que de forma diferente dos machos, como no caso do canário-belga, que tem um canto menos complexo que o do macho.
Por falar em complexidade, o pássaro-debulhador (Toxostoma rufum) tem mais de mil melodias diferentes em sua siringe. E ele não é o único virtuoso aviário. Um tordo-do-bosque (Hylocichla mustelina) pode cantar duas melodias de uma só vez. O rouxinol pode combinar os sons ao seu redor para combinar com seu canto. De qualquer forma, nenhum é páreo para o australiano lira (Menura novaehollandiae). Estas são apenas algumas das 6 mil espécies de aves canoras.
A maioria dos pássaros produz piados e cantos curtos e simples, mas as aves canoras têm um repertório de padrões vocais complexos que as ajudam a atrair fêmeas, a defender território e a fortalecer seus vínculos sociais.
Cada espécie de ave canora tem padrões próprios e distintos de melodia, alguns com características dialetais regionais. Ouvintes experientes podem até distinguir aves individuais por suas melodias exclusivas. Mas como diabos estes pássaros aprendem essas melodias? Como sabem imitar as melodias de suas próprias espécies? Elas nascem sabendo como cantar?
Muito do que cientistas sabem sobre a melodia dos pássaros vem de estudos com tentilhões-zebra (Taeniopygia guttata), também conhecido com mandarim, devido a sua facilidade de adaptação ao cativeiro.
Um pintinho de mandarim aprende a cantar com seu pai ou outros machos, já que sua mãe apenas pia, começando enquanto ainda está no ninho, prestes a voar. Primeiro vem uma fase de aprendizagem sensorial, quando a avezinha ouve as melodias cantadas ao seu redor e as memoriza. Aí ela começa a vocalizar durante a fase de aprendizagem motora, praticando até que possa equalizar a melodia que memorizou.
Enquanto aprende, é útil ouvir a melodia cantada pelo "papai-professor" repetidas vezes, mas até certo ponto. Se o filhote a ouvir muitas vezes, a imitação se deteriora, e ele acaba desvirtuando o próprio canto.
E se o filhote nunca ouvir outra melodia do mandarim? Curiosamente, ele vai cantar de qualquer maneira. Os tentilhões isolados ainda produzem o que chamamos de melodias inatas ou isoladas. Uma melodia específica pode ser ensinada, mas o instinto de cantar parece estar projetado no cérebro de uma ave canora.
Melodias inatas soam diferentes das melodias "refinadas" aprendidas inicialmente com outros tentilhões. Se mandarins isolados começam uma nova colônia, as aves jovens assimilam a melodia isolada de seus pais, mas a melodia muda de geração a geração. E depois de algumas iterações, a melodia, na verdade, começa a se assemelhar às melodias refinadas cantadas por tentilhões-zebra na natureza.
Algo desse processo de aprendizagem deve estar projetado, também, atraindo as aves para os mesmos padrões melódicos repetidamente. Isso significa que informações básicas sobre a melodia dos tentilhões-zebra devem estar armazenadas em algum ponto de seu genoma, gravadas ali após milhões de anos de evolução.
A princípio pode parecer estranho, pois costumamos pensar em código genético como fonte de características bioquímicas ou físicas, não como um comportamento ou ação. Mas os dois não são fundamentalmente diferentes; podemos conectar genomas a comportamento através de circuitos cerebrais. A conexão é turbulenta e bem complexa.
Ela não mapeia apenas genes únicos a comportamentos únicos, mas ela existe. Os genomas contêm códigos para proteínas que orientam o desenvolvimento cerebral, tais como moléculas que orientam as vias de axônios em desenvolvimento, moldando circuitos distintos. O cérebro das aves tem os chamados "circuitos de melodia", que são ativados quando as aves cantam.
Esses circuitos também respondem à melodia da própria espécie de uma ave mais intensamente do que às melodias de outras espécies. Em teoria, os genes de uma ave guiam o desenvolvimento de circuitos cerebrais que se relacionam com o canto e a capacidade de aprender melodias. Depois, a exposição a melodias molda esses circuitos neurais para produzir as melodias típicas daquela espécie.
Mas se uma espécie ficar muito tempo isolada ela pode também desaprender suas melodias. Isso está ocorrendo agora com os melífagos-regentes (Anthochaera phrygia). Conhecidos pela complexidade de seus cantos de acasalamento, à medida que seu número começou a despencar os ornitólogos notaram que esta complexidade diminuía, até ao ponto em que os machos já nem sequer soam como sua espécie. Hoje, existe uma ampla evidência de que os melífagos esqueceram como cantar, o que poderia levá-los a extinção como espécie.
Acredita-se que os pássaros canoros tenham se originado na Austrália há cerca de 50 milhões de anos. Eles então colonizaram a Eurásia, a África e as Américas, começando há cerca de 40 milhões de anos.
Não há informações sobre a população de pássaros canoros no Brasil, mas nosso país é o terceiro do mundo em número de espécies endêmicas de aves-canoras, com 342 espécies. Infelizmente, o Brasil e a Indonésia são os países com mais espécies de aves globalmente ameaçadas, com 171 e 175 espécies, respectivamente.
Alguns dos pássaros canoros mais admirados no Brasil são o Curió, o Bicudo, o Trinca-Ferro, o Coleirinha, o Canário da Terra e o Pintassilgo. No Brasil, existem 444 mil criadores de pássaros registrados, mas apenas 57% deles têm licenças em dia.
Comportamentos geneticamente codificados ou inatos não são únicos de aves canoras. Eles estão espalhados pelo reino animal. Exemplos espetaculares incluem as migrações de longa distância da borboleta monarca e do salmão.
Então, o que isso significa para os humanos? Será que também nascemos com informações inatas gravadas em nossos genomas que ajudam a moldar nossos circuitos neurais, e, por fim, resultam em algo que sabemos? Poderia haver algum conhecimento que seja único e intrínseco aos seres humanos como espécie?
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