- "A língua turca foi prisioneira por séculos e agora está se livrando de suas correntes", declarou o presidente Mustafa Kemal Atatürk. - "Alfabeto latino tornariam a língua turca inteligível para o mundo ocidental, o que ajudará o país a avançar junto com as nações mais progressistas."
O antigo alfabeto árabe tinha quase quinhentos caracteres, um pesadelo para um tipógrafo. O novo alfabeto turco passou a ter vinte e nove caracteres: ABC Ç DEFG G HI I JKLMNO Ö PRS S TU Ü VYZ.
Parece semelhante ao alfabeto português porque ambos usam a mesma escrita latina. Alguns caracteres especiais -aqueles com diacríticos- foram adicionados para acomodar as nuances da pronúncia turca, enquanto três letras que a administração considerou redundantes foram retiradas.
Caso você ainda não tenha notado, essas três letras foram Q, W e X. O argumento era que esses caracteres poderiam ser escritos usando as letras K, V e KS, respectivamente. Então, "táxi" se tornou "taksi" e "Nowruz", o Ano Novo Persa, se tornou "Nevruz", entre outras palavras.
Esta estátua mostra o presidente Mustafa Kemal Atatürk apresentando o novo alfabeto turco a uma criança. A estátua fica em Istambul.
Em seguida, veio a tarefa assustadora de atualizar todas as placas públicas, centenas de milhares delas pelo país. Nomes de ruas, lojas, pontos de ônibus, estabelecimentos comerciais, estações ferroviárias, todos tiveram que ser escritos usando o novo alfabeto.
Jornais e periódicos jogaram fora as antigos prensas, documentos oficiais foram atualizados, livros didáticos foram reimpressos. As esquinas das ruas foram inundadas com cartilhas cobertas de papel ensinando as novas letras do alfabeto.
Todos os cidadãos entre dezesseis e quarenta anos foram obrigados a aprender a nova escrita e escolas foram abertas para esse propósito. Somente em Istambul, quase duzentos mil homens e mulheres se inscreveram nas aulas. O próprio Mustafa embarcou em uma excursão pela Anatólia promovendo a mudança, encenando tutoriais massivos e quase teatrais e organizando Marchas do Alfabeto.
Mudar a linguagem escrita de uma nação inteira de quatorze milhões de pessoas no espaço de algumas semanas foi uma conquista educacional extraordinária. Embora a maioria deles tenha ido alegremente trabalhar na tarefa de aprender o novo ABC, muitos lamentaram a perda da bela escrita árabe, cujos caracteres formam uma grande parte da decoração das mesquitas.
Quando Mustafa Kemal Atatürk omitiu as três letras latinas -Q, W e X- do alfabeto turco, ele não as abandonou simplesmente. Ele os proibiu completamente, tornando seu uso em público uma ofensa. A única maneira de usar legalmente essas letras é se elas fizerem parte de uma palavra emprestada de outro idioma.
Por exemplo, um dos maiores canais de TV na Turquia é o "Show TV" e há outdoors gigantes anunciando copiadoras Xerox. Mas em 2007, quando o prefeito de uma cidade no sudeste da Turquia enviou cartões de felicitações desejando a seus cidadãos um Feliz "Nowruz", o Ano Novo Persa, acusações foram feitas contra ele por usar a letra W. Seu mandato quase foi caçado. A nova grafia é "Nevruz". Acusações semelhantes foram feitas no passado contra funcionários do governo por cometerem o mesmo erro.
Em 1934, Mustafa promoveu uma outra grande mudança na Turquia, aprovando uma lei que exigia que todos adotassem um sobrenome: os turcos na época tendiam a usar títulos, patronímicos ou o nome de sua profissão. Não está claro como Kemal obteve seu nome. Ele acrescentou "Pai dos Turcos" depois de 1934 e ainda é ilegal para qualquer outra pessoa usá-lo, mas quanto à romanização de suas iniciais, a história diz que ele tentou soletrar primeiro com um Q, depois com um K, e decidindo que preferia o último, baniu a letra Q do alfabeto.
A história é apócrifa. A assinatura de Kemal (abaixo), agora uma das tatuagens mais populares na Turquia, foi criada por Hagop Çerçiyan, um calígrafo armênio. E embora seja verdade que a letra Q foi proibida por 85 anos, de 1928 até 2013, o motivo da proibição teve pouco a ver com preconceito estético ou capricho onomástico.
Os curdos, que compõem cerca de 20% da população turca, suportaram o peso da lei do alfabeto, porque eles confiam nos três caracteres proibidos muito mais do que os turcos. Os curdos têm sua própria língua e sua própria escrita, mas até a década de 1990 elas também eram proibidas. O turco era (e ainda é) a única língua oficial no país, o que forçou os curdos a usar o novo alfabeto turco, mas sem os cruciais Q, W e X, muitos curdos tiveram que mudar seus nomes porque esses alfabetos não eram permitidos em suas identidades oficiais.
Os curdos têm uma longa história de discriminação contra eles pelo governo turco. Restringir sua língua era apenas outra forma de reprimir culturalmente o grupo minoritário.
Mas tudo isso teve um final feliz em outubro de 2013, quando o governo turco suspendeu a proibição de Q, W e X. Nos últimos anos, o governo vem relaxando as restrições ao aprendizado e à expressão em curdo. Em 2009, o estado começou a operar uma estação de televisão curda 24 horas.
Anteriormente, apenas canais de televisão privados tinham permissão para transmitir curdo, restritos a apenas 45 minutos por dia ou quatro horas por semana. Em 2012, as aulas de língua curda, que só eram possíveis em instituições privadas, tornaram-se uma disciplina eletiva nas escolas públicas.
Os curdos vêm conquistando pequenas vitórias como essa, mas questões mais urgentes, como a reforma eleitoral e a detenção em massa de prisioneiros curdos, continuam sem solução.
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