![]() | Em 120 a.C., o pai de Mitrídates VI, o Grande, rei do Ponto na Anatólia, foi envenenado por inimigos. Temendo que sua mãe o envenenasse para usurpar o trono, Mitrídates se escondeu por alguns anos. Quando reapareceu, ele se comprometeu a desenvolver sua tolerância ao veneno, supostamente microdosando várias toxinas todos os dias. Ele chegou aos 70 anos e escolheu morrer pela espada, evitando a captura, enfrentado três dos melhores generais romanos da Baixa República. |

Nenhuma substância talvez tenha sido uma aliada tão constante para esquemas insidiosos quanto o arsênio, o chamado "rei dos venenos". É um elemento metálico natural e amplamente distribuído. Em sua forma quimicamente pura, não é uma grande ameaça porque nossos corpos não o absorvem bem; é quando o arsênio se combina com outros elementos que as coisas ficam perigosas.
Quando o arsênio reage com o oxigênio, ele pode assumir sua forma venenosa mais comum: arsênio-branco, um pó que pode ser imediatamente letal ou matar ao longo do tempo. No nível molecular, o arsênio-branco se assemelha ao fosfato, que é essencial para as reações celulares básicas do corpo. Quando o arsênio-branco entra no corpo, ele substitui os fosfatos, comprometendo processos críticos como a produção de energia celular.
Os sintomas de envenenamento por arsênio se sobrepõem a doenças comuns na história. E o arsênio-branco é discretamente inodoro e insípido. Essas características o tornaram uma arma de assassinato preferida. No antigo Egito e na Grécia, as pessoas encontraram arsênio enquanto mineravam e fundiam metais e passaram a reconhecer seus poderes.
A primeira preparação de arsênio-branco registrada é atribuída ao alquimista islâmico da Era de Ouro Jabir ibne Haiane, por volta do século VIII. O envenenamento se tornou prevalente na Itália renascentista, onde elites como o Conselho Veneziano dos Dez decidiam quem assassinar e alistavam alquimistas, farmacêuticos e médicos para preparar o veneno apropriado.
A Casa de Bórgia dominava a arte assassina, supostamente empunhando um pó com arsênico chamado cantarella que eles borrifavam nas taças de convidados especiais. E durante o reinado do rei francês Luís XIV, o arsênico se espalhou pela alta sociedade parisiense, ganhando o apelido de "pó de herança". Em 1675, o Caso dos Venenos, que durou cinco anos, começou com uma nobre confessando ter assassinado seu pai e irmãos e revelando que Paris abrigava uma extensa rede subterrânea de tráfico de venenos.
Uma de suas figuras centrais era Catarina Monvoisin. Além de realizar adivinhações e missas negras, ela formulava as chamadas poções do amor, bem como misturas mais horríveis contendo acônito, beladona e arsênico. Um de seus clientes era um membro da corte real cujo marido morreu em circunstâncias misteriosas; outro era a amante do próprio rei.
O arsênico se tornou uma arma mais difundida durante a Revolução Industrial. A demanda por metais, como ferro, disparou. E conforme as pessoas derretiam minérios impuros em fornalhas, alguns subprodutos ficavam no ar e se acumulavam nas chaminés, incluindo o arsênico-branco. O pó era raspado em abundância e vendido barato para os moradores da cidade, que canalizavam seus poderes contra pragas e, às vezes, pessoas.
O arsênico também encontrou seu caminho para produtos onipresentes. Em 1775, o químico sueco Carl Wilhelm Scheele criou uma mistura de cobre e arsênico que produziu uma tonalidade verde brilhante. O verde de Scheele logo pigmentou tintas, tecidos, brinquedos, sabonetes, cosméticos e corantes alimentícios. No final dos anos 1800, 80% do papel de parede inglês continha arsênico.
Mas sua letalidade era iminente. Dizem que várias crianças morreram por ingestão inadvertida de arsênico, e uma campanha pública finalmente o proibiu das residências. Enquanto isso, o envenenamento deliberado por arsênico persistiu. E como os testes forenses de arsênico permaneceram rudimentares, as pessoas continuaram se safando.
Em 1832, o químico James Marsh foi consultor em um caso de homicídio em que um homem foi acusado de misturar arsênico ao café de seu avô. Marsh fez o teste padrão, que produziu um depósito amarelado, confirmando que a amostra era positiva para arsênico. Mas o resultado foi quimicamente instável. E quando Marsh o apresentou no tribunal, a cor havia se deteriorado, e o júri absolveu o acusado.
Então, Marsh criou um novo teste, pelo qual uma amostra contendo arsênico reagiria com zinco e ácido para produzir gás arsina. Uma vez inflamado, revelaria um depósito sólido de arsênico. Foi o primeiro teste de arsênico verdadeiramente confiável. Mais tarde, novos testes tomaram seu lugar e antídotos ficaram disponíveis, mas a história continua impregnada do poder perverso do arsênico, salpicado de escândalo e manchado de engano.
Curiosamente, o arroz pode absorver arsênio do solo e da água de irrigação. No entanto, a quantidade de arsênio presente no arroz consumido no Brasil é considerada segura, de acordo com a Anvisa. Um estudo publicado em 2021 no jornal Science of the Total Environment revela uma forma de cozinhar arroz que remove mais de 50% do arsênio que ocorre naturalmente no arroz integral e 74% no arroz branco. O melhor é que o método não reduz os micronutrientes presentes no grão.
Pensando na segurança alimentar de bebês e crianças, que acabam sendo expostos ao arsênio muito cedo, especialmente em países que consomem muito arroz, os cientistas testaram diferentes maneiras de cozinhar o grão para reduzir a quantidade do semimetal tóxico e a que se mostrou mais eficaz é chamada método de parboilização com absorção, que envolve o cozimento do arroz em água pré-fervida por cinco minutos antes de drenar e substituir a água e, em seguida, cozinhá-lo em fogo baixo para absorver todo o líquido.
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