Família unida - Vale a pena ler de novo

Muitos amigos -100Nossão, CriticoBr, Markus, Luna... só para citar alguns- sugeriram que eu ressuscitasse alguns artigos antigos que muitas pessoas ainda não viram por não zapear o MDig. A princípio não achei uma boa idéia e continuo não achando pois isso irá me causar alguns problemas de indexação, mas decidi atender devido ao número de pedidos.

Bem lá no começo do MDig quando eu postava no máximo um artigo por dia, eu gostava de escrever algumas crônicas de vez em quando, este é o exemplo de uma que conta a história de uma família um tanto quanto desajustada. Segundo a Luna, o texto estaria relacionado com a polêmica "lei da palmada" que está sendo discutida lá no Amigos. Este artigo foi publicado originalmente em 15/02/2005 as 00:02.

Mais um dia de trabalho e José Carlos acabara de se recostar na poltrona confortável pra assistir o Jornal na TV, quando cruza a sala Mariana, sua filha.

- "Ô meu anjo, não vai nem me dar um beijo? Seu pai trabalha o dia todo como um condenado e quando chega em casa é essa indiferença toda? Já chega sua mãe que nem mais me enxerga e agora você..."

- "Tá bem papai, tá bem... ", Mariana segura o rosto do pai entre as mãos e dá um beijo caloroso em sua bochecha.

- "Tá bom assim?"

- "Hum, agora está melhor.", responde o pai.

Enquanto a filha se estatela preguiçosamente por entre as almofadas, ele não consegue deixar de reparar que ela cresceu, não é mais aquela criança que ele com tanto orgulho apresentava a todos como se fosse um troféu. Ancas largas, coxas fartas, seios formados, Mariana já é uma mulher.

- "Ô minha filhinha, que minissaia é essa que deixa tudo de fora?", dizendo isso vira o rosto em direção a cozinha e grita:

- "Ô Marildaaa!!! Você já viu a roupa que sua filha está usando?"

- "Papii. Você nunca se incomodou, porque isso agora? Ademais foi mamãe que comprou esta saia pra mim."

- "É que você já é quase uma mocinha minha filha, e já imagino o que vão comentar se você começar a andar por aí com uma saia destas?"

Marilda entra na sala:

- "O que foi, porque está gritando deste jeito? Será que não podia ir lá na cozinha e falar como uma pessoa normal?. Isto aqui fica parecendo casa de loucos com estas tuas gritarias."

- "Papai está implicando com a roupa que você me deu.",

- "Ihhh, seu pai está ultrapassado e acho que ainda não percebeu que você vai fazer 18 anos amanhã.", diz Marilda enquanto pega o controle- remoto e muda o canal da TV para uma novela Mexicana.

- "Ultrapassado o cacete!!! Como? 18 anos? Não é quinze?", José Carlos fremindo a testa.

- "Hã hã, bem se vê que você lembra do aniversário de seus filhos.",

- "Ara... vá te catar mulher!!! E me dá este controle aqui que quero assistir o Jornal, pra isso comprei aquela TV que está lá na cozinha.",

- "Vocês vão começar a brigar de novo? Ninguém merece. Vou tomar um banho e depois volto pra levar um papo com vocês já que a partir de amanhã eu sou dona do meu nariz", diz Mariana enquanto se levanta e sobe a escada que leva a seu quarto.

José Carlos balança a cabeça enquanto morde os lábios, olha pra mulher e diz:

- "É querida, nossa menina cresceu. Me traz uma cerveja!?!"

- "Vá você buscar, não sou sua escrava...", responde Marilda balançando a cabeça e seguindo em direção a cozinha. Mas cinco minutos depois volta com a cervejinha em lata dentro de um isopor acompanhado de um pratinho de azeitonas.

- "Ô minha linda, a gente briga, discute, mas você continua sempre sendo o meu cheiro, meu denguinho...", diz o marido se levantando. Abraça a mulher e dá um beijo enquanto acaricia todo seu corpo.

- "Zeca, olha as crianças...", tentando se desvencilhar do marido.

- "E o que é que tem? Você mesma não diz que eles já são adultos? Pois então.", fala Zeca sem diminuir o fogo sobre a mulher, com toques de anos de convivência e intimidade.

- "Mas a comida está no fogo...humm."

- "Foda-se a comida..."

- "Ó os coroa se amassando, hehehe", é Júnior, o filho caçula, que acaba de chegar, jogando um balde de água fria na situação.

- "Mais respeito rapazinho ... e onde o Senhor estava, que passou o dia inteiro fora de casa?", pergunta o pai ajeitando a protuberância sob a calça de moletom.

Marilda acaricia o rosto do marido, dá um beijo no filho e volta pa cozinha.

- "Ah, por aí com umas amigas, ", responde o filho.

- "Ah, bomm...", acomoda-se o pai pra assistir o Jornal que começa. Aquele é o ritual sagrado de todo dia. Boa noite pra apresentadora, manda o apresentador tomar no c*'; quando vê o Presidente lamenta o voto perdido e xinga-o de pinguço; solta um sonoro PQP quando da notícia de um aumento de taxas, gás ou gasolina; enternece-se com a desgraça de alguém; manda o comentarista a merd* e por fim dá um novo boa noite a apresentadora e manda o apresentador se fuder.

Mariana desce as escadas, senta-se em frente ao pai e pergunta:

- "Pai, vamos conversar agora?"

Zeca olha, perplexo, a filha de cima a baixo e quase gagueja ao falar:

- "Mas o que você fez? Cadê seus cabelos? Porque você está me chamando só de pai? Você nunca fez isso ... Ô Marildaaa..."

- "Calma pai ... esta coisa de Papi, Papai é muito patricinha pra mim e eu nunca gostei dos cabelos longos, eu só mantinha porque você gostava e vivia falando pras pessoas do quanto eles eram bonitos. Mas hoje resolvi passar a tesoura e pronto."

- "Mas como? Sem falar nada pra mim e pra sua mãe? ... Ô Marildaaa..."

- "Eu já falei com a mãe hoje de manhã e ela já sabe de tudo..."

- "Sabe de tudo o quê? Tem mais? E o porque destas roupas? Desta calça Jeans onde cabem duas de você? E esta camiseta? Acho que é minha ... Ô Marildaaa...ô caralh*."

Diante dos gritos insistentes de Zeca, a mãe e o filho se juntam aos outros na sala. Marilda tenta conter o ímpeto do marido:

- "Calma Zeca, os vizinhos estão todos na janela com estes teus gritos."

Já Júnior faz piada com a situação :

- "Ai, que show, isso está parecendo com um barraco da novela das oito e...."

- "Cala a boca pentelho... você lembra do Janjão?", a filha dirigindo-se ao pai.

- "Aquele gordo da rua de cima que tem cara de machorra? O que isto tem a ver com o que estamos falando?"

- "O termo certo é andrógino pai e a partir de amanhã eu vou morar com ele, ou melhor, com ela."

- "E eu estou lá interessado nestes termos politicamente corret... Como? O que você disse?"

- "Eu disse que vou morar com ela ... eu sou homossexual pai!"

Um silêncio profundo toma conta da sala. Zeca olha desconsolado pra Marilda como que procurando uma explicação da companheira de tantos anos e que sempre teve respostas para as suas mais profundas dúvidas.

Marilda passa a mão pelo ombro do marido enquanto olha para a filha meneando a cabeça como que dizendo ... "Eu não disse?"

Por sua vez Mariana olha Júnior que está estupefato e com os olhos arregalados diante da revelação. Zeca corta o silêncio, a princípio com uma falsa calma:

- "Viu mulher? Viu o que dá criar os filhos de forma liberal? Ouvindo e tentando aceitar e ponderar o que eles dizem?", para, respira fundo, passa as duas mãos pela cabeça e continua, já com um certo descontrole.

- "Sabe o que é isso? É sem-vergonhice, é falta do que fazer. É a falta de uma boa surra", já gritando e atirando longe o controle remoto - "É esta televisão maldita que só passa porcaria, mas isso...."

- "Páaaaaaaara...."", grita Júnior, com uma voz estranhamente afetada, rasgando as mangas da camiseta e após gesticulando com as mãos espalmadas à altura dos ombros. - "Can-sei ... sabe as minhas amigas? Pois é, são a-mi-gas mesmoooô. Eu também sou gay e já não agüentava mais esta pressão, meu apelido na rua de baixo é Juninha a Rainha que dá certo, uhhh, fa-lei."

Mariana não se contém e ri cutucando o irmão, numa brincadeira típica de irmãos que vivem se pegando. Marilda está com a cabeça baixa, perdida, sem saber o que dizer. Zeca se levanta silenciosamente, sobe as escadas deixando todos sob suspense, quando volta tem um cinto com fivela de vaqueiro nas mãos.

- "Eu quero que estes psicólogos vão tudo a merd*, agora vocês vão ver o que é educação.", falando isso bate o cinto raivosamente sobre o sofá causando um grande estalo.

- "Janjão disse que se você colocar a mão em mim, ele quebra todos os seus dentes.", diz Mariana acuada num canto da sala. Já Júnior se levanta, envia o short de náilon no meio do rego da bunda e sai saltitando e rebolando na ponta dos pés dizendo:

- "ai que meda.... ai que meda..."

Marilda tenta segurar Zeca que persegue Júnior pela casa toda. Toda a vizinhança vê quando Júnior atravessa o jardim seguido pelo pai. Já cansado Zeca senta num banquinho na garagem enquanto Marilda tenta consolá-lo:

- "É a vida meu amor, eu também estou chateada, mas fazer o quê? Temos que aceitar."

- "Poxa, Será justo a gente ralar a vida inteira pra presenciar um momento como este? Não medi esforços com gastos em boas escolas, roupas, aulas de balé e cursinhos para agora descobrir que tenho uma filha sapatão e um filho veado.
O que meus amigos vão falar? Com que cara vou entrar no bar pra tomar a minha cervejinha?"

- "Oras, com a de todo dia... e vamos deixar isso pra lá e vamos jantar... venha vamos."

- "Não, não ... perdi a fome..."

- "Até mais sogrão", Diz Janjão que nesse ínterim já havia ido buscar Mariana. Sem reação alguma, Zeca somente levanta o dedo anular em riste. " Vai se fuder!"

- "Sabe de uma coisa? Vou convidar o Beto, da rua do meio, pra ir ao bar comigo. Vou tomar todas e fingir que este dia não existiu. Não me espere, não sei a hora que vou voltar meu anjo", diz Zeca.

- "Tudo bem, acho melhor você espairecer mesmo meu amor. Mas porque o Beto se o bar está cheio de amigos?", questiona Marilda.

- "Com ele posso desabafar mais facilmente..."", Zeca olhando para o chão e pigarreando - "Você vai ficar bem?"

- "Vou sim meu amor, vai lá. Você vai demorar mesmo? Então vou convidar a Patrícia da rua direita pra trazer alguns lingeries para eu comprar.", responde a esposa.

- "Mas a Patrícia agora não está vendendo somente perfumes?", pergunta o marido.

- "Não, ela ainda tem ...", Marilda interrompe e grita com Júnior que ouve It's Raining Man no volume máximo.

- "Júnior, abaixe este som menino", e continua:

- "Ah sim, ela ainda tem um saldo de lingeries."

Os dois se beijam e Zeca desce a rua de cabeça baixa enquanto Marilda permanece próxima ao portão. No pensamento dos dois uma dúvida persiste : - "Será que ela/ele desconfiou?"

Júnior, com um lençol rosa amarrado em volta do pescoço, dança na sacada.

by LuisãoCS