Com a barba por fazer e com camisas verde-oliva surradas, ele vem gravando mensagens a seus compatriotas na Internet nos últimos dias para levantar a moral e enfatizar que não irá a nenhuma parte, que ficará para defender a Ucrânia: "Estamos aqui. Honra a Ucrânia!". Volodimir Zelensky, presidente do país, inspirou seus cidadãos a lutar e os europeus a ver a Ucrânia sob um prisma diferente, como uma vítima da agressão que luta com valentia pela liberdade e a democracia. |
Mas Zelensky também inspirou os líderes globais a fazer mais pela Ucrânia. Aparecendo na tela durante a reunião de emergência dos líderes da UE faz três dias, pronunciou um apaixonado discurso de 10 minutos que motivou a alguns líderes a respaldar um pacote mais severo de sanções econômicas contra a Rússia.
- "Esta pode ser a última vez que me vejam com vida", disse Zelensky ao terminar seu discurso. Segundo o The Times, a mando de Putin, os mercenários do grupo Wagner estão caçando Zelensky e sua família na capital.
A decisão de permanecer em Kiev, enquanto está sob ataque russo, e a decisão de sua família de permanecer na Ucrânia, comoveu a muitos, em contraste com o presidente afegão, Ashraf Ghani, que fugiu de Cabul tão logo como os talibãs chegaram aos arredores da cidade, desmoralizando o que ficava do exército. A resposta de Zelensky a uma suposta oferta americana para evacuá-lo:
- "Preciso de munição, não de carona", muito provavelmente passará aos livros de história.
As ações de Zelensky e os duros esforços de resistência de homens e mulheres ucranianos, que frearam o avanço russo e se ofereceram como voluntários para lutar com armas automáticas, também teve um impacto importante na opinião européia o que facilita que seus líderes sejam mais audazes e aceitem os refugiados que vêm da Ucrânia.
A estas alturas, todos conhecem o esquema surrealista da história de sua vida: um comediante que saltou à fama com uma interpretação de um presidente que se converteu em algo real e depois transcendeu. Sim, para Zelensky a carreira pela presidência começou como uma brincadeira. Isto é, como um programa humorístico da televisão.
Faz três anos, a televisão ucraniana começou a retransmitir a série "Servidor do Povo", que muito cedo se converteu em uma sensação. É que em um país onde o dinheiro e os oligarcas poderosos dominaram a política durante muito tempo, o programa propôs uma mudança de conceito. Um professor -interpretado por Zelensky- se torna acidentalmente em presidente após seus alunos publicarem nas redes seus discursos sobre a política contra a corrupção.
A verdadeira história da ascensão de Zelensky, de 44 anos, é um pouco mais complicada e fala mais do emaranhado cultural incrivelmente desordenada que existe entre a Rússia e Ucrânia que de qualquer estereótipo fácil. Suas raízes nos negócios e comédia encontram-se na KVN, um fenômeno do mundo do espetáculo russo cujo título é um acrônimo de um sovietismo mofado: "O clube dos alegres e engenhosos".
A companhia de Zelensky, chamada Quarter 95 chegou em grande estilo na televisão russa, Zelensky e dois sócios, Sergei e Boris Shefir, formaram uma produtora com o mesmo nome. Seu estúdio produziu dezenas de espetáculos e eventos para os mercados de ambos países, incluído o ucraniano "Dança dos Famosos", que o próprio Zelensky ganhou em 2006.
Mas é que além de ser um ator de comédia, Zelensky também se destacou nessa parte da indústria do entretenimento como comediante em stand-ups. A carreira artística do hoje mandatário decolou não só por seu papel como ator, também por seus shows individuais de comédia. E sim, o então ator também emprestou sua voz a personagens animados. Resulta que ele foi a voz de nada menos que o famoso Urso Paddington na Ucrânia.
Quase ao mesmo tempo, Zelensky começou a produzir, coescrever e, às vezes, protagonizar comédias russas com propositada má qualidade, a maioria delas dirigidas por um cineasta educado nos Estados Unidos chamado Marius Vaysberg. Inclusive quando se voltou para a política, Zelensky não deixou exatamente sua carreira de comédia no retrovisor. Sua última e provavelmente última comédia de Vaysberg, "I You He She", estreou nos cinemas no mesmo mês em que foi eleito presidente, sem dúvida uma primícia histórica.
Surpreendentemente, em algumas destes filmes russos, Zelensky trabalhou com as pessoas que agora de fato desejam sua morte: tanto seu diretor como seu coprotagonista em "An Office Romance", Sarik Andreasyan e Marat Basharov, aplaudiram publicamente a invasão de Ucrânia.
Finalmente, se desfez da Quarter 95 para se postular para o cargo e chamou o seu partido de Servidor do Povo após a série, o que proporcionou uma continuidade notavelmente fluída de KVN à política; aí foi também quando finalmente mudou de idioma.
A devastadora vitória no segundo turno de Zelensky em 2019 contra o atual Petro Poroshenko parecia a guinada de trama mais selvagem imaginável. De fato, as coisas poderiam ter sido ainda mais loucas: junto a ele na mesma eleição estava um dos melhores cantores de rock da Ucrânia, Slava Vakarchuk da banda Okean Elzy, que diferente de Zelensky, nunca atuou na Rússia. Slava não era só um candidato plausível, senão que a primeira opção para uma grande parte da juventude progressista, que via o centro de Zelensky para se sentir bem como um Plano B mal aceitável.
A audácia da posição de Zelensky em prol da soberania de Ucrânia poderia não se ter esperado de um homem cuja maior responsabilidade política durante muitos anos foi o sentimento de que era muito apto para procurar um compromisso com Moscou. Se postulou para o cargo em parte com uma plataforma na qual podia negociar a paz com a Rússia, que tinha arrebatado a Crimeia da Ucrânia e apoiado duas regiões separatistas pró-russas em 2014, o que levou a um conflito congelado.
Ainda que Zelensky conseguiu uma troca de prisioneiros, os esforços pela reconciliação fracassaram quando a insistência de Putin de que Ucrânia se afastasse do Ocidente se tornou cada vez mais intensa, pintando o governo de Kiev como um ninho de extremismo dirigido por Washington.
Uma nutrida carreira artística, sem dúvida, a de Zelensky. E ainda que muitos duvidaram de que poderia chegar a ser presidente da Ucrânia com esses antecedentes, pois aí está e hoje em dia é um dos nomes mais importantes no cenário mundial.
Zelenskyy usou sua própria história para demonstrar que o seu é um país de possibilidades, não a política cheia de ódio da imaginação de Putin. Antes da Rússia invadir a Ucrânia, o presidente Volodymyr Zelensky com frequência era ridicularizado como um comediante convertido em um político. Mas com a ajuda das redes sociais, se transformou no líder que a Ucrânia não sabia que precisava.
O MDig precisa de sua ajuda.
Por favor, apóie o MDig com o valor que você puder e isso leva apenas um minuto. Obrigado!
Meios de fazer a sua contribuição:
- Faça um doação pelo Paypal clicando no seguinte link: Apoiar o MDig.
- Seja nosso patrão no Patreon clicando no seguinte link: Patreon do MDig.
- Pix MDig ID: c048e5ac-0172-45ed-b26a-910f9f4b1d0a
- Depósito direto em conta corrente do Banco do Brasil: Agência: 3543-2 / Conta corrente: 17364-9
- Depósito direto em conta corrente da Caixa Econômica: Agência: 1637 / Conta corrente: 000835148057-4 / Operação: 1288
Faça o seu comentário
Comentários