É um fato bem conhecido e frequentemente romantizado que as irmãs Brontë -e o irmão– morreram jovens, uma após a outra, deixando obras-primas melancólicas e sombrias em seu rastro. Oficialmente, todos eles sofriam de tuberculose, ou complicações dela, e não oficialmente, todos eles morreram de luto um pelo outro, mas aparentemente havia um fator muito real e perturbador que contribuiu para suas doenças ao longo da vida e mortes precoces: eles passaram a vida bebendo água contaminada pelo cemitério local e possivelmente também pelas privadas locais. |
A certidão de óbito da irmã mais famosa, Charlotte, diz que a causa de morte foi tuberculose, mas alguns biógrafos alegam que a escritora pode ter morrido de desidratação e subnutrição provocados pelos vômitos excessivos de que sofria durante a gravidez. Também existem rumores de que Charlotte pode ter morrido de febre tifoide que teria contraído de Tabitha Ackroyd, a criada mais antiga da família, que morreu pouco tempo antes dela.
Seja como for, segundo sua biógrafa, Elizabeth Gaskell, Charlotte sofria de "náuseas permanentes e desmaiava frequentemente". Rejeitando qualquer tipo de tratamento, Charlotte morreu, juntamente com o filho que esperava, no dia 31 de Março de 1855, com 38 anos de idade.
Charlotte sobreviveu alguns anos aos irmãos: Emily morreu em 1848, quando tinha 30 anos, Branwell, também no final do mesmo ano com 31 e Anne, em 1849, quando tinha 29 anos. Todos com indicação de tuberculose como causa mortis. Alguns historiadores negam a tese da tifoide, mas ela faz algum sentido.
Instigada por Patrick Brontë, pai dos romancistas e pároco que sobreviveu a todos os filhos, logo após a morte de Mily, Branwell e Anne, uma investigação de 1850 de Benjamin Hershel Babbage mostrou que a pequena cidade de Haworth, onde viviam os Brontës, tinha taxas de mortalidade absurdamente muito mais altas do que outras cidades próximas de tamanho semelhante.
41,6% dos habitantes de Haworth morreram antes dos 6 anos; a média de idade de óbito local era de apenas 25,8 anos. Babbage, procurando chegar ao fundo dessas estatísticas, descobriu, entre outras coisas, que não havia latrinas suficientes para a população, e as que tinham eram imundas, mal drenadas e bizarramente muito públicas.
- "Duas das latrinas usadas, por uma dúzia de famílias cada, estão na via pública", escreveu ele. - "E elas não estão apenas à vista das casas, mas expostas ao olhar dos transeuntes, enquanto uma terceira, como se a situação fosse muito privada, está empoleirada em um elevado, dominando toda a extensão da rua principal."
Um banheiro público hoje em Sunderland, Inglaterra.
A fossa abaixo dessa latrina às vezes transbordava para a rua e, segundo Babbage, uma torneira de água estava a dois metros de sua porta.
Ademais, havia o cemitério, que ficava em uma colina, bem em frente ao presbitério onde moravam os Brontës. Os cemitérios antigos não contavam com nenhum tipo de planejamento; eram construídos, às vezes, em locais onde o subsolo podia ser bastante vulnerável permitindo que a água da chuva inundasse alguns túmulos.
Aí que morava o perigo, aliás, é ai que ainda hoje ele mora. Durante a decomposição dos cadáveres é formado um líquido viscoso de cor cinza-amarronzado, chamado necrochorume. Este líquido é composto por sais minerais, água, substâncias orgânicas degradáveis e... uma grande quantidade de vírus e bactérias e outros agentes patogênicos causadores dos mais diversos tipos de doenças.
Este líquido pode vazar para o lençol freático que por sua vez acaba contaminando o abastecimento de água de toda uma cidade, provocando uma série de doenças. Em síntese, as mais comuns entre elas são a cólera, febre tifoide, tétano, distúrbios gastrointestinais, hepatite, entre diversos transtornos, inclusive a tuberculose.
Segundo alguns estudos que analisaram as condições dos solos de cemitérios brasileiros, entre 70% e 80% estão comprometidos. E as sequelas dessa realidade, que costumam passar despercebidas pelos poderes públicos, afetam diretamente a camada da população mais pobre, que não têm acesso a água tratada e recursos mínimos de saneamento básico.
Foi exatamente esta realidade absurda que Babbage encontrou no cemitério de Haworth, com o agravante que uma das nascentes de água que abastecia a cidade vinha da mesma colina. A exposição a longo prazo as bactérias nocivas teria tornado as Brontës mais fracas e suscetíveis a todo tipo de doenças.
Parece irônico que os irmãos tenham vivido uma drama até à sua morte, em teoria, suponho: uma família de jovens e brilhantes romancistas morre por beber água de cemitério. Um pouco gótico, é verdade. De qualquer forma é bom agradecer por ter uma torneira na sua casa de onde escorre água potável.
A preocupação com a proximidade dos cemitérios nas cidades não é um expediente novo, vem desde o século 18, mas a preocupação com a possível contaminação causada por eles é bem mais recente. Apenas em 1998 a OMS publicou um relatório asseverando que os cemitérios podem ser uma fonte potencial de poluição, que pode causar impactos ambientais no solo e lençóis freáticos em razão da liberação de microrganismos patogênicos.
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