Atualmente vivemos no ano de 1725, não 2023. Pelo menos é isso que os adeptos das Hipótese do Tempo Fantasma querem que você acredite. Apresentada pela primeira vez em 1991 pelo historiador alemão Heribert Illig e popularizada por seu best-seller sensacionalista "Das erfundene Mittelalter: Die grösste Zeitfälschung der Geschichte ("A Idade Média Inventada: a Maior Falsificação de Época da História"), que recebeu cobertura proeminente na mídia popular alemã. |
Esta teoria conspiranoica pseudo-histórica alega que os anos abrangendo 614 a 911 d.C. nunca realmente aconteceram, mas foram fabricados por membros poderosos da elite medieval: o Papa Silvestre II, o Sacro Imperador Romano Otto III e possivelmente o Imperador Bizantino Constantino VII.
A história de Heribert é a seguinte: Silvestre e Otto, possivelmente em conjunto com o imperador bizantino Constantino VII, alteraram o calendário europeu medieval para alinhar os seus respectivos reinados com o ano 1000 d.C., exatamente um milênio após o nascimento de Jesus Cristo, uma data significativa em uma sociedade cristã.
Heribert também afirma que o trio forjou documentação histórica para explicar os séculos "fantasmas", inventando tudo, desde a conquista muçulmana da Espanha até a vida do governante pós-romano Carlos Magno.
Como apoio à sua teoria, Heribert citou uma falta suspeita de documentos históricos originais do início da Idade Média, bem como discrepâncias entre os calendários Juliano e Gregoriano, que ele acredita não fazerem sentido.
Embora amplamente reconhecida como uma teoria da conspiração infundada, a Hipótese do Tempo Fantasma de Heribert tem seus seguidores. Um deles é Hans-Ulrich Niemitz, professor de química e ex-chefe do departamento de história da tecnologia da Universidade de Ciências Aplicadas de Leipzig.
Em um artigo intitulado "A Primeira Idade Média realmente existiu?", publicado pela primeira vez em 1995,Hans concordou que " - "... entre a Antiguidade (ano 1) e a Renascença (1500) os historiadores contam aproximadamente 300 anos a mais."
Outro defensor proeminente da hipótese é Anatoly Fomenko, professor de matemática na Universidade Estadual de Moscou. A sua chamada abordagem "russocêntrica" da teoria vai ainda mais longe do que a versão "eurocêntrica" de Heribert, argumentando que a história humana só começou nos anos 800 e que tudo o que pensamos saber sobre o antigo Egito, China, Grécia e até mesmo Roma é apenas um "reflexo fantasma" dos acontecimentos que aconteceram na Idade Média.
Como afirma o jornalista Rex Sorgatz na Enciclopédia da Desinformação, que discute a Hipótese do Tempo Fantasma juntamente com outras conspirações famosas, a tentativa de Anatoly de colapsar a história "como um mapa dobrável" reorganiza completamente o passado.
De acordo com a cronologia alternativa do matemático, o Novo Testamento foi escrito antes do Antigo, Genghis Khan e Átila, o Huno são nomes diferentes que se referem à mesma pessoa, e a Guerra de Tróia da Ilíada de Homero fez parte das Cruzadas.
- "Como toda boa mentira a Hipótese do Tempo Fantasma tem uma pequena pepita de verdade", escreve Leland Renato Grigoli em Perspectives on History, uma revista on-line publicada pela Associação Americana de História.
Embora não faltem fontes primárias detalhando o que aconteceu na Europa durante o início da Idade Média, a maioria delas são cópias produzidas em datas posteriores.
- "À medida que seus originais desbotaram, se desgastaram ou apenas porque seu proprietário queria ter outra cópia, alguns dados históricos podem ter se perdido", diz Leland. - "E como os originais foram perdidos ou destruídos, seja através de conflitos, epidemias ou iconoclastia, pode ser difícil verificar a exatidão dessas cópias."
Ademais antes da invenção da imprensa em 1440 na Alemanha, os livros eram copiados à mão. Monges e escribas passavam horas, dias ou até meses copiando textos à mão, usando penas e tinta. Esse processo era demorado e trabalhoso e, como resultado, o processo de fazer cópias de cópias viabilizaria a possibilidade de introdução de erros ou omissões.
Os escribas podem ter acidentalmente omitido ou repetido uma palavra ou frase, feito suas próprias correções se achassem que o original estava errado. Assim como na brincadeira do "telefone sem fio", o texto manuscrito no texto original poderia ter chegado aos nossos dias totalmente adulterado.
Estas pequenas inconveniências conferem à Hipótese do Tempo Fantasma um leve ar de credibilidade. Infelizmente para os seus adeptos, essa credibilidade dissipa-se rapidamente quando se consideram outras formas de documentação histórica.
A dendrocronologia, estudo dos anéis das árvores, prova claramente que os séculos fantasmas realmente aconteceram, assim como inúmeros livros, obras de arte e artefatos da Idade de Ouro Islâmica, das Américas pré-colombianas e da Dinastia Tang da China, para citar apenas alguns exemplos.
As observações na astronomia antiga, especialmente aquelas de eclipses solares citados por fontes europeias anteriores a 600 d.C. concordam com a cronologia habitual. Além de vários outros que talvez sejam demasiado vagos para refutar a Hipótese do Tempo Fantasma, dois em particular são datados com precisão suficiente para questionar a hipótese.
Um deles é relatado por Plínio, o Velho, em 59. Esta data tem um eclipse confirmado. Além disso, as observações durante a dinastia Tang na China e o cometa Halley , por exemplo, são consistentes com a astronomia atual, sem adição de "tempo fantasma".
A reforma gregoriana nunca teve como objetivo alinhar o calendário com o calendário juliano tal como existia na época da sua instituição em 45 a.C., mas como existia em 325 d.C., época do Concílio de Nicéia, que havia estabelecido um método para determinar a data do Domingo de Páscoa fixando o equinócio vernal em 21 de março no calendário juliano.
Se Carlos Magno e a dinastia carolíngia fossem fabricados, teria de haver uma fabricação correspondente da história do resto da Europa durante a mesma época, incluindo a Inglaterra Anglo-Saxônica, o Papado e o Império Bizantino.
A Hipótese do Tempo Fantasma baseia-se em um eurocentrismo míope e nacionalista que há muito definiu o campo dos estudos medievais. A versão eurocêntrica de Heribert elimina convenientemente o início da Idade Média, um período excepcionalmente não espetacular da história europeia, que coincide com um enorme florescimento islâmico em todo o Mediterrâneo e uma explosão cultural dourada na dinastia Tang da China.
A versão russocêntrica ainda mais oblíqua de Anatoly, entretanto, implica que a história da civilização começa aproximadamente na mesma época que a fundação da Rus de Kiev, o estado eslavo oriental ao qual a Rússia moderna traça a sua própria linhagem, nos anos 800. Cada hipótese faz um revisionismo histórico a seu favor.
Uma razão pela qual a Hipótese do Tempo Fantasma se revelou difícil de dissipar é que a evidência da sua incorreção também pode ser interpretada como prova da sua legitimidade. Segundo o relato de Heribert, os artefatos que demonstram a islamização da Península Ibérica ou os documentos históricos que narram as campanhas militares de Carlos Magno podem simplesmente ser descartados como pistas falsas plantadas por Otto e Silvestre.
As contraevidências, por sua vez, evocam uma nova trama de um cripto-historiador. Cada refutação histórica requer outra para o seu apoio, deixando todo um quadro cronológico susceptível de implosão. Não importa o quão convencido você esteja de que Carlos Magno existiu, você pode provar isso? Aliás, você pode provar alguma coisa que aconteceu antes de você nascer?
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