De São Petersburgo a Vladivostok, uma nova cortina de ferro desceu sobre a Eurásia. Atrás dessa linha estão cidades famosas e as populações à sua volta, sujeitas a uma medida de controle muito elevada e, em alguns casos, crescente, por parte de Moscou. Lamentavelmente, hoje somos forçados a parafrasear o famoso discurso de Winston Churchill sobre a Cortina de Ferro de 1946, quando o Kremlin abriu mais uma vez a cortina. No entanto, esta iteração da infame cortina deixa aqueles que estão dentro ainda mais isolados do que durante a época do Pacto de Varsóvia. |
Aqueles que estavam por trás da Cortina de Ferro, tal como existia nas décadas de 1970 e 1980, podiam ser denunciados, e até mesmo presos, por simplesmente tentarem ouvir estações de rádio ocidentais, e as autoridades tentavam impedir tal escuta, em primeiro lugar, bloqueando os sinais de rádio.
Na verdade, as autoridades daquela época restringiam a maioria dos aspectos da liberdade pessoal. E os correspondentes ocidentais, por seu lado, eram mantidos sob vigilância, arriscando-se à expulsão se relatassem fatos desconfortáveis.
Embora os cidadãos da União Soviética muitas vezes ajudassem uns aos outros, a vida atrás da Cortina de Ferro era indiscutivelmente dura. Mas hoje, o Kremlin está erguendo uma cortina ainda mais resistente em torno do país, talvez até mesmo em torno de alguns dos seus aliados regionais.
Embora os russos ainda possam atualmente acessar conteúdos globais da Internet e até comprar uma série de produtos ocidentais, se ocuparem posições de poder e expressarem dissidência, também podem cair misteriosamente de janelas, tomar bebidas batizadas com novichok ou morrer de outras formas enigmáticas.
Uma lei aprovada no ano passado pode enviar indivíduos para a prisão pelo único crime de espalhar "notícias falsas" sobre os militares russos. E muito poucos repórteres ocidentais permanecem agora na Rússia porque podem acabar presos sob acusações de espionagem, o que pode levar a até 20 anos de prisão.
Embora os cidadãos russos ainda possam viajar para o estrangeiro, ao contrário dos cidadãos soviéticos, agora isso também está se tornando mais difícil se quiserem visitar países ocidentais.
A presença de empresários ocidentais -outrora o sinal mais seguro da integração da Rússia com o resto do mundo- também foi reduzida a uma gota, já que nenhum executivo expatriado quer arriscar o destino de Michael Calvey.
O investidor americano, que trabalhava e vivia na Rússia desde o início da década de 1990, gostava tanto do país que permaneceu quando muitos outros partiram. Então, há três anos, após uma disputa comercial envolvendo um magnata bem relacionado no Kremlin, ele foi condenado a 5,5 anos de prisão.
Contudo, no meio de toda esta mudança, são as atitudes endurecidas dos russos comuns que constituem a parte mais dura desta nova e mais espessa cortina de ferro. Muitas pessoas sentem que este é o momento de derrotar o Ocidente e estão satisfeitas em viver atrás desta nova cortina de ferro. Em muitos casos, isto é o resultado da propaganda governamental que é implacavelmente mostrada na televisão. Imagine assistir isso dia após dia, mês após mês, ano após ano. Claro, isso terá um efeito.
De acordo com pesquisas da ONG Levada Center, em Moscou, 83% dos russos aprovam atualmente o desempenho de Vladimir Putin como presidente e apenas 14% desaprovam. Entretanto, 66% acreditam que o país está caminhando na direção certa, 73% têm uma visão negativa dos Estados Unidos e 69 têm uma visão negativa da União Europeia.
Durante a era soviética, simplesmente não havia este elevado grau de veneno. O discurso sobre os adversários da União Soviética era muito mais civilizado do que ouvimos agora, e os ataques ad hominem do tipo que ocorrem hoje na televisão russa eram completamente inaceitáveis.
Cada país tem figuras públicas dispostas a ofender outras nações e figuras públicas estrangeiras. Mas essas pessoas não são convidadas a falar ao público na TV estatal em horário nobre como acontece com a Rússia hoje em dia. Conhecidos como propagandista políticos de Putin eles aparecem na televisão repetidas vezes, falando sobre erradicar a Ucrânia e lançar bombas nucleares sobre outros países, como é possível acompanhar pelos tuítes do ex-assesor do Ministro da Administração Interna da Ucrânia, Anton Gerashchenko.
E esta participação voluntária, e até mesmo entusiasmada, dos russos comuns no isolamento do seu país do mundo ocidental pode, de fato, ser o aspecto mais assustador desta nova Cortina de Ferro. Hoje não se pode fechar um país como se fazia nos tempos soviéticos, mas hoje os russos realizam uma lavagem cerebral através do nacionalismo, o que simplesmente não faziam nos tempos soviéticos.
E porque esta nova cortina de ferro existe nas mentes das pessoas e não é simplesmente um sistema que lhes é imposto, será muito mais difícil de desmantelar.
É certo que inúmeros cidadãos da União Soviética e de outros países do Pacto de Varsóvia também acreditaram nos regimes e no modo de vida dos seus países, mas no final, o seu desejo de fazer parte do resto do mundo revelou-se impossível para os regimes reprimirem. Hoje, em contraste, a maioria dos russos parece contente por não se juntar ao mundo, com muitos desejando claramente que outros países se juntem a eles atrás da sua cortina de ferro.
É, ao que parece, um estado de espírito imperial, no momento em que o governo vitalício de Putin foi prorrogado por mais seis anos no Kremlin em seu quinto mandato. O presidente ou primeiro-ministro há quase um quarto de século, prolongou o seu mandato como líder da Rússia até pelo menos 2030, e potencialmente até 2036.
Mas muitos pensam que o homem que pretende defender a segurança e a prosperidade da Rússia acima de tudo está, na verdade, criando as condições perfeitas para a sua queda. Ele passou duas décadas criando um culto à personalidade que permeia todos os aspectos da política e da sociedade russas, pregando a unidade enquanto semeia a divisão, a desconfiança e o medo para eliminar qualquer alternativa ao seu domínio.
As suas tácticas reforçaram, sem dúvida, a sua posição como um dos líderes mais poderosos e entrincheirados do mundo, que construiu a sociedade russa moderna com base na sua perspectiva política pessoal, mas deixam uma questão vital sem resposta: o que irá acontecer quando ele partir?
Se explorarmos o que poderá acontecer após a saída inevitável de Putin, podemos avaliar a emergência improvável de uma democracia provisória e frágil até à erupção da guerra civil entre as elites, mergulhando o país no caos.
Ao reprimir a dissidência política e social a todos os níveis, Putin criou uma casta de homens que sim, muitos dos quais podem nutrir reservas pessoais, dúvidas ou ressentimentos absolutos em relação a ele, mas que, em última análise, são muito medrosos, ou simplesmente impotentes, para expressarem em público.
Entretanto, os aliados de Putin que ocupam papéis-chave na administração presidencial, nas forças armadas e nos serviços de segurança estão cuidadosamente posicionados e podem ser demitidos ou rebaixados à obscuridade com um estalar de dedos de Putin.
Mas sem um sucessor claro, a morte do presidente poderá desencadear um turbilhão interno, colocando indivíduos e facções dentro do sistema político uns contra os outros.
Se isto continuar sem controle, com facções incapazes de se decidirem por uma figura de proa, os oligarcas ricos, figuras militares poderosas e chefes de segurança influentes poderão ver-se envolvidos em uma batalha confusa e impiedosa para decidir o próximo chefe do Kremlin.
Neste cenário, a vida dos cidadãos russos só irá piorar, sendo provável que o eventual sucessor de Putin acabe por ser aquele que foi simplesmente capaz de tomar a iniciativa e agir de forma mais implacável.
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