Ocorreu em 23 de março de 1994. Um desastre de tais proporções que modificou para sempre alguns dos sistemas de pilotagem comercial de um avião. Ninguém soube o que tinha acontecido realmente até que escutaram as gravações de voz e dados da caixa preta. O que recolheram resultava insólito. O avião era um Airbus A310-300 da Aeroflot, o vôo 593 da empresa aérea russa que devia fazer a rota entre Moscou e Hong Kong. A bordo iam 63 passageiros e 12 tripulantes. |
A tripulação era formada por cinco pessoas na cabine, ainda que nem todos eram profissionais da aviação. O capitão ao comando, Yaroslav Kudrinsky, o co-piloto, Igor Piskaryov, outro piloto reserva, Vladimir Makarov -que voava como passageiro-, e os filhos pequenos de Yaroslav.
As crianças na cabine dos pilotos
O avião envolvido no acidente. Via: Wikimedia Commons
Ao que parece, tratava-se do primeiro vôo internacional das crianças e o pai tinha decidido que fossem com ele na cabine, fato ao qual não se opuseram nem Igor nem muito menos Vladimir. Os filhos do capitão chamavam-se Eldar (de 16 anos), e Yana (de 12 anos).
O avião já tinha decolado do aeroporto internacional de Sheremetievo sem incidentes e encontrava-se a caminho do aeroporto de Kai Tak em Hong Kong. Por verdade, a maioria dos passageiros eram homens de negócio de Hong Kong e Taiwan que tinham participado de uma série de conferências na cidade moscovita.
O fato de que as crianças estivessem na cabine desde a decolagem era muito incomum. Naquela época, a única coisa que a Aeroflot permitia às famílias dos pilotos era viajar com uma tarifa com desconto uma vez ao ano.
Seja como for, o ocorrido a partir de então foi só descoberto depois da catástrofe, quando recuperaram as gravações da caixa preta do avião e reconstituíram a fatal tomada de decisões por parte do capitão.
As crianças pilotando o avião
Ilustração do A310. Via: Wikimedia Commons
Uma vez em velocidade de cruzeiro, Yaroslav acionou o piloto automático. Contra todas as normas existentes, a filha do capitão estava sentada na cadeira do comando esquerdo enquanto o pai lhe ensinava algumas características do piloto automático, entre outros, o uso do HDG/S e os submodos NAV para alterar o rumo.
O capitão pretendia aparentar que ajustava o rumo do piloto automático para lhe dar a impressão de que estava girando o avião, ainda que em realidade não tinha controle sobre o mesmo.
Pouco depois, Eldar ocupou o assento do piloto principal. No entanto e diferente de sua irmã, o jovem aplicou suficiente força sobre o painel de controle para desligar o piloto automático durante 30 segundos, antes de voltar a situar o manche em sua posição original. Isto fez com que o computador do vôo mudasse os ailerons do avião ao controle manual, enquanto mantinha o controle sobre os outros sistemas de vôo.
Os pilotos não perceberam o problema no início
Via: AP
Quando o piloto automático tentou nivelar o avião à rota programada, entrou em conflito com as entradas de controle, as quais ficaram bloqueadas em uma posição neutra. Ademais e enquanto ocorria, uma luz intermitente e silenciosa dava um alerta. Esta luz servia para dizer aos pilotos da desconexão parcial em curso. Pior, os pilotos, que haviam voado anteriormente em aviões de desenho exclusivamente russos que tinham sinais de advertência sonoros, não notaram.
Alguns instantes depois, Eldar, o jovem adolescente, foi o primeiro a dar-se conta de que algo estava errado. Pouco depois, o indicador da trajetória de vôo mudou para mostrar uma nova trajetória à medida que girava. Dado que o giro era contínuo, a trajetória de vôo prognosticada na tela era uma autêntica loucura: um giro de 180 graus.
Isto, segundo os registros posteriores, confundiu os pilotos durante uns 9 segundos. Durante esta confusão, o avião passou de um ângulo de 45 graus a quase 90 graus (muitíssimo mais pronunciado para o qual estava desenhado). De fato, o A310 não pode girar abruptamente enquanto mantém a altura, e o avião tinha começado a perder altura de maneira muito rápida.
Os passageiros quase não tiveram tempo de gritar, o aumento das forças G nos próprios pilotos e tripulação fez com que a aventura de colocar a nave no curso e retomar o controle do avião que estava quase em posição vertical fosse pouco menos que um milagre.
O acidente fatal
Via: AP
O piloto automático não respondia e o avião caía de bico. Com as forças G impedindo alguma manobra, o co-piloto Igor deu um jeito de sair da imersão e girar o aparelho em uma ascensão quase vertical. Depois passou de novo a cair, e ainda que piloto e co-piloto recuperaram o controle e nivelaram as asas, sua altitude era muito baixa para conseguir uma recuperação.
O avião se espatifou em uma encosta da cordilheira de Kuznetsk Alatau, Sibéria, a uma velocidade vertical elevadíssima. Morreram no ato todas as pessoas a bordo.
As torres de controle não haviam recebido nenhuma chamada de socorro antes do acidente e as primeiras investigações não conseguiam decifrar o que tinha ocorrido ali dentro. De fato, a empresa aérea negou, à princípio, que as crianças estivessem na cabine.
A transcrição da caixa preta
Essa foi a crença do público em geral, já que o assunto foi investigado de forma nebulosa onde oficialmente era tratado como um acidente a mais de aviação. Até que a revista moscovita Obozrevatel publicou as transcrições em 28 de setembro de 1994.
As fitas confirmavam de maneira bastante clara que o filho do piloto tinha causado o acidente do avião. Meia hora antes do fatal desfecho, Yaroslav deixou seu assento a sua filha de 12 anos e depois a seu filho de 16 anos. Esta foi a transcrição:
- "Papai, o que é isto?", disse Yana, enquanto sentava-se nos controles. Seu pai assinalou estrelas e luzes da cidade, e advertiu que não pressionasse nenhum botão.
No entanto, a cena torna-se assustadora quando o filho do capitão, Eldar, assume o comando.
- "Olha, olha a terra enquanto se move", diz o garoto ao pai. - "Vamos para a esquerda, girar à esquerda (há uma pausa) O avião está girando?"
- "Genial!", diz Eldar.
No entanto, quatro minutos mais tarde, o adolescente pergunta o seguinte:
- "Por que o avião está girando assim?"
- "O que você fez?", exclama o capitão.
- "Não sei!", responde o garoto.
A partir dai os pilotos percebem que algo está errado, pois o avião tinha começado a virar sem controle. Após isso a gravação revela um pequeno apito e os frenéticos esforços da tripulação para recuperar o controle.
Os resultados da investigação
Os restos do avião depois do acidente. Via: AP
Assim foi como chegaram a conclusão de que Eldar foi o fator determinante na corrente de eventos e circunstâncias fatídicas. Os investigadores disseram que isto não teria ocorrido em um avião de fabricação russa, e que aparentemente a tripulação não se deu conta do detalhe.
Depois da catástrofe aérea do vôo 593 foram revisados e regulamentados todos os protocolos relativos às pessoas que podiam ficar em uma cabine. Ademais, todos os vôos passaram a ser dotados de alarmes visuais e sonoros que possam avisar quando o piloto automático é desligado, ainda que seja de maneira parcial.
Fonte: New York Times.
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Comentários
O menino não teve culpa, o comandante também não recebeu treinamento adequado para pilotar o A310 e havia também falhas no projeto que foram resolvidas infelizmente com esse acidente. Foi uma série de eventos que causaram a tragédia. Lamento pelas vidas perdidas e o sofrimento para as famílias. Eu detesto vôos noturnos, talvez se tivesse ocorrido durante o dia haveria mas chances de salvar o avião.
Após as apurações do acidente em que um gesto de um pai foi o pivô da tragédia - e não o garoto, na minha opinião, o que requereu aperfeiçoamentos nos protocolos e equipamentos, fico tentando imaginar o que se sentiram os passageiros, pois quem estava na cabine, apesar de todo o pesadelo que estavam vivendo, tinha noção do que estava acontecendo, já os passageiros e o restante da tripulação ficaram sem entender o que estava acontecendo e porque.
Outro detalhe que começo a perceber em tragédias desse tipo: o vôo noturno prejudica a noção de visualização espacial. O co-piloto ao fazer a aeronave subir, se tivesse a visualização diurna, perceberia que não precisava ter subido tanto verticalmente (igual ao acidente do Air France no Oceano Atlântico com destino a Paris) e foi isso o que fez a aeronave perder a sustentação de vez, somada à grande perda de altitude e chocar-se contra o morro.
A imagem "Ilustração do A310" mostra, na verdade, uma versão computadorizada (creio que tirada do Flight Simulator) de um Airbus A350 na pintura atual da Aeroflot. Não é um A310.
já tinha lido sobre este acidente, mas não sabia de tantos detalhes. Tenho um amigo piloto que disse que para derrubar um avião tem que ser uma serie de falhas ou erros seguidos.. fora isto é muito seguro. acredito que neste mundo nada é seguro com 100% de garantia.
Toda vez que entro em um avião ou navio tomo um monte de ansiolíticos. sei que rezar não adianta!
Obrigado por corrigir Val. Estava com a data de outro acidente. ^^
Foi em 23 de março de 1994.