Já se sentiram cansados? Esgotados? Nervosos? Deprimidos? Têm dores de cabeça, tonturas, cãibras, dificuldade em respirar? De 300 a. C. até ao início do século XX, se respondessem sim a estas perguntas e tivessem um útero, um médico o diagnosticaria com histeria. Não, não era a histeria das massas, era a histeria feminina. O termo geral "histeria" era utilizado pelos médicos, que, na maioria, eram homens, para descrever praticamente qualquer aflição ou condição médica inexplicável sofrida por doentes do sexo feminino. |
Segundo algumas interpretações, durante muito tempo, ser mulher, só por si, era considerado uma patologia da qual surgiam todo o tipo de problemas. Ao longo da sua longa história, a histeria foi usada como um significante cultural que os homens com autoridade consideravam desprezível e incompreensível no comportamento das mulheres que careciam ou tentavam exercer poder.
O termo histeria é derivado da palavra grega para útero, e foi cunhado por Hipócrates por volta de 500 a.C. Com base em crenças egípcias anteriores, e sem qualquer rigor médico, os gregos consideravam a histeria como uma doença do útero, argumentando que o útero podia desalojar-se e mover-se por todo o corpo, causando uma série de doenças. Acreditavam que o útero vagueava porque desejava ter filhos e, por essa razão, as mulheres solteiras eram mais propensas a ter um diagnóstico de histeria.
A prescrição habitual era o casamento imediato, a impregnação ou o uso de fumigações uterinas para repor o órgão rebelde no seu lugar. No século II d.C., os médicos romanos rejeitaram a teoria do útero errante. Mas continuavam a ver o útero como a fonte da histeria, acreditando, sem muita evidência, que ele produzia uma secreção semelhante ao sêmen, que, se não fosse libertada, corrompia o sangue e irritava os nervos.
Como resultado, as parteiras tratavam frequentemente a histeria induzindo orgasmos manualmente em "doentes" do sexo feminino. No final da Idade Média, o cristianismo espalhou-se por toda a Europa, e a sua influência também se infiltrou na prática médica ocidental. Os médicos começaram a afirmar que a histeria não era uma doença do útero, mas da alma, e refletia a influência satânica.
Os médicos continuaram a ignorar os sintomas e o sofrimento das mulheres, e passaram a atribuir misoginicamente a culpa às suas supostas vontades frágeis inerentes e à suscetibilidade ao pecado. Esta situação agravou-se ao longo dos séculos XVI e XVII, uma vez que as mulheres, sobretudo aquelas que não se conformavam com as expectativas sociais, se arriscavam a ser acusadas de bruxaria, o que muitas vezes acarretava consequências pesadas.
No final da Europa vitoriana e na América do Norte, alguns médicos começaram a argumentar que a verdadeira origem da histeria não estava no corpo nem na alma, mas sim na mente. As mulheres da classe média, que enfrentavam fortes exigências de respeitabilidade social e códigos rígidos de conduta sexual, eram frequentemente entregues a "médicos dos nervos" que usavam curas de repouso isolantes e infundadas para tratar qualquer sofrimento emocional e psicológico.
Ao escrever o seu conto semi-autobiográfico, "O Papel de Parede Amarelo" Charlotte Perkins Gilman baseou-se no tratamento angustiante que sofreu para as suas alegadas tendências histéricas. A narradora, sofrendo do que hoje, provavelmente, seria diagnosticado como depressão pós-parto, descreve estar confinada sozinha em um sótão impedida de qualquer atividade intelectual, incluindo a leitura ou a escrita.
Por esta mesma altura, Sigmund Freud começava a ser conhecido. Ele acreditava que a histeria, tal como outros "distúrbios dos nervos", era causada por traumas emocionais reprimidos. O seu tratamento exigia extrair essas memórias do inconsciente para poderem ser reconhecidas e abordadas. Freud também rejeitou a ideia de que a histeria era exclusiva das mulheres.
A crença na "histeria masculina" tornou-se dominante durante e após a I Guerra Mundial, mas foi enquadrada com o nome mais masculino de "trauma de guerra". Durante o século XX, o termo histeria foi lentamente substituído por diagnósticos específicos, menos genéricos, incluindo ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático e epilepsia.
E a histeria foi oficialmente retirada do "Manual Estatístico e de Diagnóstico das Perturbações Mentais", em 1980. Hoje, a maioria dos estudiosos defende que a histeria foi sempre produto da imaginação dos médicos. À medida que o sexismo médico total diminuiu, o mesmo aconteceu com esse diagnóstico. No entanto, o seu legado reflete a longa, histórica e contínua história da medicina ocidental da atribuição incorreta e banalização do sofrimento das mulheres.
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